Estratégia para o Porto de Lisboa

Negócio de águas turvas

A «es­tra­tégia para o de­sen­vol­vi­mento do Porto de Lisboa» não serve nem a re­gião nem o País. Este seria mo­tivo para re­jeição. Mas há mais: o Es­tado paga para dar lucro aos pri­vados.

Um ne­gócio de pro­por­ções co­los­sais de muitos e muitos mi­lhões

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«Es­tamos de facto pe­rante uma PPP (ou mais pro­pri­a­mente, vá­rias PPP), onde o anun­ciado “in­ves­ti­mento pri­vado” só po­deria ter lugar com a mo­bi­li­zação de avul­tados re­cursos pú­blicos, quer ao nível de in­ves­ti­mento e es­forço fi­nan­ceiro, quer de ter­ri­tório e áreas de do­mínio pú­blico de ele­vada sen­si­bi­li­dade, exi­gindo ao Es­tado a con­cre­ti­zação de aces­si­bi­li­dades ter­res­tres (desde logo na fer­rovia pe­sada), in­ter­ven­ções no sis­tema hi­dro­grá­fico, etc.)», afirmou há oito dias no Par­la­mento o de­pu­tado co­mu­nista Bruno Dias, numa de­cla­ração po­lí­tica em nome do PCP.

De­pois de ter visto apro­vado o seu re­que­ri­mento para que o mi­nistro da Eco­nomia com­pa­reça em co­missão para prestar in­for­ma­ções sobre este pro­cesso, a ban­cada co­mu­nista re­agia assim de novo à anun­ciada in­tenção go­ver­na­mental de re­a­lizar uma ope­ração que se traduz na cons­trução e ex­plo­ração de ter­mi­nais, en­vol­vendo cen­tenas ou mi­lhares de mi­lhões de euros.

«Um ne­gócio de pro­por­ções co­los­sais que o Go­verno apre­senta como de águas pro­fundas mas que é na ver­dade de águas turvas e la­ma­centas», de­nun­ciou Bruno Dias, re­fe­rindo-se ao ter­minal de con­ten­tores que o Go­verno quer cons­truir na Tra­faria e en­tregar a pri­vados «ainda antes de nascer», ao ter­minal de cru­zeiros de Santa Apo­lónia (a mesma opção) e a uma ma­rina a con­ces­si­onar em Pe­drouços «para re­ceber mega iates».

Danos bru­tais

Con­tornos es­pe­ci­al­mente graves, na pers­pec­tiva do PCP, tem a cons­trução do re­fe­rido «mega ter­minal de con­ten­tores» na Tra­faria, obra que a con­cre­tizar-se, ad­vertiu o de­pu­tado co­mu­nista, «sig­ni­fi­caria a ocu­pação de uma área de 200 a 300 hec­tares de plano de água e de terra».

E lem­brou que nesta área de grande ri­queza pai­sa­gís­tica e am­bi­ental, os ins­tru­mentos de gestão ter­ri­to­rial (PDM e PROT da AML) não con­tem­plam este pro­jecto do Go­verno, além de que são as po­pu­la­ções, mo­vi­mentos so­ciais, au­tar­quias e forças po­lí­ticas (do PCP ao PSD) que já vi­eram ex­pressar o seu re­púdio e re­jeição pela pre­tensão do Go­verno.

E não lhes faltam ra­zões para o fazer, pois, além das já adu­zidas, tal plano sig­ni­fi­caria ainda «in­vi­a­bi­lizar uma es­tra­tégia de de­sen­vol­vi­mento», de­sa­pro­vei­tando as enormes po­ten­ci­a­li­dades exis­tentes, em par­ti­cular no que toca ao tu­rismo e a ac­ti­vi­dades pro­du­tivas fun­da­men­tais, como a pesca.

As pre­o­cu­pa­ções não se ficam to­davia por aqui, re­ce­ando a ban­cada co­mu­nista que esta opção re­pre­sente também a des­truição de postos de tra­balho e de apa­relho pro­du­tivo. Daí in­ter­rogar-se sobre o que po­derá acon­tecer, por exemplo, com o tra­balho por­tuário e os postos de tra­balho em ter­mi­nais como o de Santa Apo­lónia, Poço do Bispo, Beato ou Al­cân­tara.

Mas a pre­tensão do Go­verno, além de todas as im­pli­ca­ções ne­ga­tivas no plano local e re­gi­onal, afi­gura-se ainda mais in­só­lita e ab­surda se vista à es­cala na­ci­onal. É que, tudo o in­dica, está-se a falar de uma infra-es­tru­tura por­tuária a er­guer a pouco mais de 50 mi­lhas náu­ticas do Ter­minal de Con­ten­tores de Sines, em tudo idên­tica a este nas suas ca­rac­te­rís­ticas fun­da­men­tais.

Ora, como sa­li­entou Bruno Dias, ana­li­sando a questão em termos de «es­tra­tégia de de­sen­vol­vi­mento do sector ma­rí­timo-por­tuário», tal opção «re­pre­senta uma in­com­pre­en­sível du­pli­cação e cen­tra­li­zação de meios». Com efeito, anotou, «são duas portas atlân­ticas”, ao lado uma da outra, lu­tando entre si, pro­cu­rando su­plantar-se mu­tu­a­mente». E não fa­zendo isto sen­tido, a ex­pli­cação só pode ser outra: a «visão es­tra­té­gica» ar­ro­lada pelo Go­verno mais não é afinal do que «fazer o que as mul­ti­na­ci­o­nais mandam».

E por isso o de­pu­tado do PCP con­si­derou ser este mais um caso evi­dente de «sub­ser­vi­ência, de­pen­dência e sub­missão», tão ca­rac­te­rís­tico da acção do Go­verno e da re­ceita do pacto de agressão das troikas, pelo que só pode me­recer a con­tes­tação e a luta de todos.


Au­dição dia 26

In­de­pen­den­te­mente da au­dição ao mi­nistro da Eco­nomia para que este dê ex­pli­ca­ções sobre o pro­cesso em co­missão par­la­mentar, apenas a aguardar por data, o PCP pre­para uma outra au­dição di­ri­gida às mais di­versas es­tru­turas e en­ti­dades, no­me­a­da­mente au­tar­quias lo­cais, or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores do sector, do te­cido eco­nó­mico, pro­tecção civil, de­fesa am­bi­ental, agentes do de­sen­vol­vi­mento, as­so­ci­a­ti­vismo local.

Re­a­liza-se no pró­ximo dia 26, na As­sem­bleia da Re­pú­blica, e nela sur­girão cer­ta­mente muitos de­poi­mentos e tes­te­mu­nhos que aju­darão a aclarar muitos con­tornos ne­bu­losos sobre esta his­tória.

Como é por exemplo o de per­ceber por que é que o ce­nário apon­tado pelo Go­verno para o Porto de Lisboa ex­cluiu a pos­si­bi­li­dade de ins­talar um porto de pesca na Tra­faria, um local por ex­ce­lência para esse efeito.

Esta é uma questão da maior im­por­tância tanto mais que, como su­bli­nhou Bruno Dias, o Es­tuário do Tejo não tem um porto de pesca desde que em 2008 os pes­ca­dores foram ex­pulsos da Doca de Pe­drouços. E sendo im­pe­rioso que essa si­tu­ação seja re­sol­vida, não se com­pre­ende que não seja a Tra­faria, tendo como tem as con­di­ções ade­quadas, a aco­lher a nova infra-es­tru­tura.

 



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