O clube e os «dinheiros»

A. Melo de Carvalho

A relação que a evolução recente imposta pelo neoliberalismo estabeleceu entre o clube e a empresa, foi favorecida pela jurisprudência em vigor, preocupada em possibilitar ao primeiro a capacidade de captação dos meios indispensáveis à sua sobrevivência económica, abandonando, ou até negando a lógica do interesse público.

A recusa em reconhecer o verdadeiro papel do clube, que é, antes de tudo, de natureza social, fez com que este procurasse fontes de financiamento, muitas vezes de valor duvidoso, para alcançar os seus objectivos próprios. Por exemplo, certo tipo de clubes lançaram-se abertamente no espectáculo desportivo, provocando um autêntico «vendaval» na sua antiga estruturação, que os transformou em verdadeiras empresas de espetáculo. Trata-se, por exemplo, do caso dessa ambígua «indústria» que passou a ser o futebol profissional. Ainda na sequência do mesmo fenómeno a utilização generalizada dos «bingos» e outros jogos de azar (nem sempre devidamente regularizados) testemunham uma evolução que, dificilmente se pode considerar positiva.

Como bem se sabe, tudo isto, misturado com os problemas gerados pela crise global, levou ao aparecimento de uma realidade desportiva que assume, nalguns casos (o futebol pseudo-profissional, como mais grave), o carácter de uma autêntica «doença» social com graves consequências para a grande maioria daqueles que por ela são apanhados. Inclusive, os elementos que, de facto, conseguem ultrapassar a barreira da mediania e integrar o grande negócio constituem exemplos ilusórios de um êxito que só bafeja alguns. Por outro lado, na grande roda dos milhões que gira nesta nova «indústria» e em que alguns (intermediários, dirigentes, «managers», etc.) participam, em nada favorecem a situação do clube. Basta reparar como o número destes clubes que se mantêm economicamente sadios é relativamente baixo, se tomarmos em consideração a totalidade daqueles que entram no grande «circo».

Os prejuízos sociais resultantes desta situação são quase totalmente escamoteados entre nós. Só um ou outro autor se atreve a emitir um juízo «politicamente incorrecto», que escapa e contraria o domínio do «pensamento único». Este aponta para a comercialização, cada vez mais intensa de tudo; no caso concreto do desporto, desde as actividades e serviços organizados pelo clube até aos «mega espetáculos» desportivos. Com a agravante de estes últimos fazerem parte do grande processo de intoxicação das massas populares e de os primeiros, por incapacidade financeira do «utilizador pagador», acabarem por desaparecer por falta de meios (aliás, é sintomático que as estatísticas oficiais de «algumas» federações demonstrem a diminuição de praticantes).

Independentemente de qualquer outra consideração o que nos interessa afirmar é o seguinte: a sociedade em que vivemos tem tendência a avaliar tudo em termos financeiros. Mas, o que é pior, a questão que se coloca não é somente em termos de dinheiro, mas sim em termos das finalidades que são dadas ao dinheiro. É este raciocínio, que poucas vezes aparece explicitamente apresentado, que leva à condenação da entrada do dinheiro no clube não profissional, na medida em que este dinheiro passa a constituir a unidade de medida e avaliação da atividade desenvolvida.

Mas, na verdade, é necessário não reduzir o dinheiro somente a uma única concepção: a capitalista. De facto, existem outras concepções e nelas se integra a função financeira do clube concebido de outros pontos de vista que não se limitem à procura do lucro, mas antes à expressão de uma solidariedade social.


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