O lucro e a caridade

Jorge Messias

«Agro­ne­gócio é a soma de toda uma ca­deia ren­tável re­la­ci­o­nada com os pro­dutos pro­ve­ni­entes da agri­cul­tura e da agro­pe­cuária... O pro­dutor deve gerir a pro­pri­e­dade rural como uma em­presa, con­tro­lando os custos e ad­mi­nis­trando os riscos; fixa um preço que cubra as des­pesas de pro­dução e ga­ranta uma margem de lucro final... O agro­ne­gócio re­pre­senta 25% de toda a pro­dução agrí­cola bra­si­leira, mais de 37% dos em­pregos do sector e para lá de 36% das ex­por­ta­ções do país» (R. Ro­dri­gues , “Jornal PUC – Cam­pinas”, 3/​2/​2OO9).

«Existe uma fonte de pes­quisas que per­mite ao aluno en­tender me­lhor a si­tu­ação fi­nan­ceira mun­dial. Que são de­ri­va­tivos” e como estão eles pre­sentes no mundo dos ne­gó­cios, no­me­a­da­mente no agro­ne­gócio? Nos mer­cados fi­nan­ceiros, “de­ri­va­tivo” é a ex­pressão uti­li­zada para de­signar con­tratos fu­turos… Trata-se de um meio de re­duzir os riscos e as perdas po­ten­ciais, de es­pe­cular» (J. L. Pi­nheiro, “Mer­cados e Ca­pi­tais – Fun­da­mentos e téc­nicas”, 2005).

«Foi apro­vada a Lei de Bases da Eco­nomia So­cial que es­ta­be­lece o re­gime ju­rí­dico e as me­didas de in­cen­tivo ao sector... Agora, só a Es­panha está à frente de Por­tugal, no que toca a le­gis­lação es­pe­cí­fica sobre Eco­nomia So­cial... A Eco­nomia So­cial re­pre­senta 5,5% do PIB na­ci­onal, com cerca de 250 mil postos de tra­balho... É pre­ciso que o país atinja os 10% do PIB, tal como o que se passa com o Tu­rismo...

A Nova Lei de Bases abran­gerá as­so­ci­a­ções mu­tu­a­listas, IPSS, co­o­pe­ra­tivas, mi­se­ri­cór­dias, fun­da­ções, ins­ti­tui­ções par­ti­cu­lares “com fins al­truís­ticos”, des­por­tivos ou cul­tu­rais, etc. Trata-se de uma apro­vação le­gis­la­tiva his­tó­rica» (“Mota So­ares, mi­nistro da So­li­da­ri­e­dade e Se­gu­rança So­cial, Jornal So­li­da­ri­e­dade, órgão das IPSS ca­tó­licas).

Os cri­té­rios de es­colha do magno pro­jecto do agro­ne­gócio elu­cidam quanto aos fun­da­mentos desta ten­ta­tiva em curso: opção pelo «ter­ceiro mundo», baixa do nível de vida da po­pu­lação, pri­vi­légio das elites, claro pre­do­mínio da Igreja ca­tó­lica ro­mana com des­taque para a sua ala mais con­ser­va­dora, en­lace com o poder po­lí­tico. São traços co­muns que ra­dicam em fontes do velho im­pe­ri­a­lismo co­lo­nial. Com efeito, tanto a posse das ri­quezas da Amé­rica La­tina (as ex-co­ló­nias ca­tó­licas) como o con­trolo de um co­mando único pelas che­fias mi­li­tares oci­den­tais (os ex-ocu­pantes, ca­tó­licos ou não) são exem­plos de dis­putas an­tigas entre a Igreja e o Es­tado. A tão apre­goada glo­ba­li­zação pro­cura agora impor a afir­mação ca­pi­ta­lista de uma só eco­nomia po­lí­tica e de uma só fé, a todo o mundo, com base no fi­gu­rino dos mo­no­pó­lios.

A ca­ri­dade bem or­de­nada como grande ne­gócio do sé­culo atrai, em pri­meiro lugar, as prin­ci­pais for­tunas, as cen­trais de in­ves­ti­mentos, os grandes bancos e os grupos se­gu­ra­dores que giram na es­fera da banca in­ter­na­ci­onal. Para um por cento da raça hu­mana em idade adulta mul­ti­mi­li­o­ná­rios e es­pe­cu­la­dores a crise pro­funda do ca­pi­ta­lismo pode re­pre­sentar uma opor­tu­ni­dade rara de acu­mu­larem ainda mais di­nheiro. Sem grandes riscos e com lu­cros ga­ran­tidos.

Cada in­ves­ti­mento é ge­ne­ro­sa­mente sub­si­diado por di­nheiros pú­blicos na­ci­o­nais ou co­mu­ni­tá­rios, dá acesso a isen­ções fis­cais e abre as portas a ou­tros ne­gó­cios, na base das par­ce­rias ra­ra­mente co­nhe­cidas pelo grande pú­blico.

Outro as­pecto não menos im­por­tante destes in­ves­ti­mentos ca­ri­ta­tivos é que podem ser con­si­de­rados no mundo fi­nan­ceiro como de grande risco. Be­ne­fi­ciam, então, de redes de se­guros e res­se­guros ava­li­zados por for­tís­simos grupos eco­nó­micos obri­gados às normas de si­gilo da cha­mada «so­ci­e­dade civil». Per­tencem ao te­ne­broso uni­verso dos swaps, agora tão fa­lados.

Os re­cursos fi­nan­ceiros dis­po­ní­veis para estas ope­ra­ções são fa­bu­losos. To­mando o Agro­ne­gócio como exemplo e a jul­garmos pelas afir­ma­ções de res­pon­sá­veis do gi­gante ban­cário norte-ame­ri­cano Gold­mann Sachs, acre­dita-se que este po­ten­tado fi­nan­ceiro já in­vestiu oito tri­liões de dó­lares na agri­cul­tura bra­si­leira. Exacta ou não, tal afir­mação per­mite-nos ava­liar como nos nossos dias um grupo eco­nó­mico pode ter um peso de­ci­sivo nos des­tinos de uma nação. No Brasil, é já a Goldman & Sachs que es­colhe mer­cados, es­ta­be­lece os preços dos ce­reais e de ou­tros pro­dutos agrí­colas e con­trola os va­lores cam­biais. Também surge na Eu­ropa, li­gada às es­can­da­losas fal­ca­truas da banca na Grécia, em Chipre, Es­panha ou de vá­rios offshores mun­diais, al­guns dos quais bem co­nhe­cidos do Banco do Va­ti­cano e dos Bancos da Luta Contra a Fome, lado a lado com es­pe­cu­la­dores da área ca­tó­lica, tais como o JP Morgan, o Bar­klays ou o San­tander.



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