Comentário

Povo derrotará «consenso» de Cavaco

Maurício Miguel

É sin­to­má­tico do mo­mento com­plexo e pe­ri­goso da vida do nosso País que o Pre­si­dente da Re­pú­blica Ca­vaco Silva tenha es­co­lhido as co­me­mo­ra­ções ofi­ciais do 25 de Abril na As­sem­bleia da Re­pú­blica para se re­ferir ao «con­senso» em torno do ca­minho a per­correr no plano po­lí­tico e eco­nó­mico e que o en­quadre na ne­ces­si­dade de fazer face às al­te­ra­ções que, a re­boque da crise, foram feitas na União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária (UEM) e na pró­pria União Eu­ro­peia (UE). Ca­vaco Silva re­velou todo o seu «res­peito» e «apego» por esse marco maior da luta do povo por­tu­guês que foi o 25 de Abril, os seus va­lores e prin­cí­pios, pela der­rota da di­ta­dura fas­cista, pelo fim do co­lo­ni­a­lismo, pelas con­quistas de­mo­crá­ticas, pela in­de­pen­dência e a so­be­rania na­ci­onal, pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa que jurou «de­fender, cum­prir e fazer cum­prir». Como é timbre de um dos mai­ores res­pon­sá­veis pela si­tu­ação de de­sastre a que chegou o nosso País, mis­ti­fica a sua si­tu­ação, con­tinua a na­vegar nas águas sujas das ine­vi­ta­bi­li­dades, do ca­minho único da po­lí­tica de di­reita, de um ne­ces­sário e ine­vi­tável re­forço do fe­de­ra­lismo na UE e da perda de so­be­rania que este acar­reta. No dia em que o povo por­tu­guês fes­te­java a Re­vo­lução de Abril, a li­ber­dade, os di­reitos de­mo­crá­ticos con­quis­tados e se ma­ni­fes­tava nas ruas para que Abril se cumpra, Ca­vaco Silva de­mons­trou uma vez mais que pre­fere o re­gresso ao 24 de Abril. A sua cum­pli­ci­dade com o ac­tual go­verno, com o pacto de agressão e com ca­minho para o abismo eco­nó­mico e so­cial que este está a gerar é de sempre. Ca­vaco Silva não es­conde a sua «sim­patia» com o ac­tual go­verno mas não deixa de apoiar uma al­ter­nância «res­pon­sável» que man­tenha este rumo. Ca­vaco Silva é um dos ac­tores prin­ci­pais deste em­purrar o País para o de­penar dos de­pe­nados; para a ex­torsão das ri­quezas na­ci­o­nais e dos ren­di­mentos de quem tra­balha, con­cen­trando-os nas mãos dos grandes grupos eco­nó­micos na­ci­o­nais e es­tran­geiros. Acena com a ne­ces­si­dade de o País estar pre­pa­rado para o pós-troika mas não con­segue es­conder que a al­ter­na­tiva que de­fende à troika é mais troika na­ci­onal e es­tran­geira. Ca­vaco Silva ba­ralha e dá de novo neste jogo ma­ni­pu­lado da po­lí­tica de di­reita. Re­fere-se ao fim do pacto de agressão da troika quando ele sabe que os pres­su­postos que le­varam o go­verno do PS a pedir a in­ter­venção da troika (de­se­qui­lí­brios ma­cro­e­co­nó­micos, dé­fices e dí­vida pú­blica sig­ni­fi­ca­tiva) não só não estão re­sol­vidos como se agravam de forma ace­le­rada. Ca­vaco Silva aponta para a frente e para a ne­ces­sária im­ple­men­tação dos cri­té­rios fi­xados pelo cha­mado tra­tado or­ça­mental, pela «go­ver­nação eco­nó­mica» da UE, os quais tra­duzem outra via para a ma­nu­tenção da mesma po­lí­tica. Ele sabe que quer a troika quer os ins­tru­mentos en­tre­tanto cri­ados no âm­bito do «re­forço da UEM» e do euro as­sentam na mesma base po­lí­tico-ide­o­ló­gica, ge­rando uma es­piral sem li­mites de cortes em cima de cortes nas fun­ções so­ciais do es­tado, nos sa­lá­rios e pen­sões, com mais de­sem­prego, po­breza e mi­séria. Ca­vaco Silva apelou à ne­ces­si­dade dos «con­sensos so­ciais e po­lí­ticos» como forma de opo­sição ao con­senso exis­tente entre os tra­ba­lha­dores e o povo de que esta po­lí­tica não serve os seus in­te­resses e as­pi­ra­ções, pro­cu­rando des­mo­bi­lizar a sua ex­pres­siva luta. Ca­vaco Silva, tal como o Go­verno, apela a con­sensos par­ti­dá­rios como al­mo­fada de choque das pro­fundas mu­danças em ges­tação na so­ci­e­dade por­tu­guesa e da pos­sível ex­pressão pela luta do con­senso exis­tente entre o povo de que esta po­lí­tica não serve.

O ac­tual Pre­si­dente da Re­pú­blica sabe que as troikas na­ci­onal e es­tran­geira podem sair do poder em­pur­radas pela luta dos tra­ba­lha­dores e do povo. Sabe que o di­reito ao de­sen­vol­vi­mento do País exige esse mo­vi­mento de fundo; exige a afir­mação da so­be­rania e da in­de­pen­dência na­ci­o­nais e que estas só são pos­sí­veis no quadro da der­rota da po­lí­tica de di­reita, do pacto de agressão e da rup­tura com a UE.

A al­ter­na­tiva de que o País ne­ces­sita exige uma mu­dança na cor­re­lação de forças, com a con­ver­gência das forças so­ciais e po­lí­ticas que de forma séria de­fendam uma rup­tura com a po­lí­tica de di­reita e como os par­tidos que a im­ple­mentam. Tal como propõe o PCP, o País ne­ces­sita de uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda e de um go­verno que a con­cre­tize.



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