Derrocada mata centenas de operários no Bangladesh

Capitalismo a nu

O co­lapso de um edi­fício in­dus­trial nos ar­re­dores de Daca matou pelo menos 370 pes­soas e deixou o triplo dos fe­ridos. A tra­gédia des­nuda o sis­tema ba­seado na ma­xi­mi­zação do lucro à custa da ex­plo­ração do tra­balho.

Os ope­rá­rios foram ame­a­çados de des­pe­di­mento caso aban­do­nassem o edi­fício

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Quatro dias de­pois de o Rana Plaza ter ruído, as equipas de res­gate já não es­pe­ravam en­con­trar so­bre­vi­ventes. Desde quarta-feira, 24, mais de 2400 pes­soas foram re­ti­radas dos es­com­bros, cerca de me­tade das quais ti­veram de re­ceber tra­ta­mento hos­pi­talar. O total de ví­timas mor­tais as­cendia a 370, mas a cifra de­verá au­mentar à me­dida que pros­se­guem os tra­ba­lhos de re­moção do que resta do edi­fício de oito an­dares. Se­gundo Mi­nis­tério do In­te­rior do Ban­gla­desh, nas cinco fá­bricas têx­teis que ali se en­con­travam tra­ba­lhavam umas cinco mil pes­soas.

Do­mingo, ele­mentos das ope­ra­ções de busca e sal­va­mento con­fir­maram que a pro­ba­bi­li­dade de en­con­trar ope­rá­rios com vida era já re­mota. Os que não su­cum­biram no co­lapso ou nas horas sub­se­quentes so­ter­rados por to­ne­ladas de betão e ferro, es­tarão de­ma­siado dé­beis para pedir so­corro, cons­ta­taram a agên­cias de no­tí­cias, ad­mi­tindo, também, que a partir de agora, do en­tulho só de­veram ser re­ti­rados ca­dá­veres.

A tra­gédia ocor­rida em Savar, nos ar­re­dores da ca­pital, Daca, obrigou as au­to­ri­dades a pro­ce­derem a de­ten­ções. O pro­pri­e­tário do prédio, Sohel Rana, foi preso do­mingo junto à fron­teira com a Índia quando ten­tava aban­donar o Ban­gla­desh. No mesmo dia, foi de­tido o es­pa­nhol David Mayor, co-pro­pri­e­tário da Phantom-Tac, so­ci­e­dade re­par­tida pela Tex­tile Audit Com­pany (Es­panha) e pela Phantom Ap­pa­rels (Ban­gla­desh), de Aminul Islam, in­di­víduo que se en­contra ainda a monte.

Antes, já ha­viam sido de­tidos três ou­tros pro­pri­e­tá­rios de em­presas de con­fecção, bem como dois en­ge­nheiros mu­ni­ci­pais ale­ga­da­mente en­vol­vidos no li­cen­ci­a­mento do prédio que tinha mais três an­dares que o ini­ci­al­mente pro­jec­tado.

De acordo com a po­lícia, na terça-feira ao final do dia terão sido dadas or­dens para a eva­cu­ação do Rana Plaza de­vido a de­nún­cias da exis­tência de fis­suras no edi­fício, su­pos­ta­mente com­pro­vadas no local. As or­dens não foram cum­pridas, de­fendem as au­to­ri­dades, versão dos factos à qual acrescem os re­latos de tra­ba­lha­dores. Se­gundo os ope­rá­rios, os pa­trões obri­garam-nos a re­gressar ao tra­balho sob ameaça de des­pe­di­mento após uma eva­cu­ação tu­mul­tuosa, mo­ti­vada pre­ci­sa­mente pelo medo de que o evi­dente com­pro­me­ti­mento da es­tru­tura re­sul­tasse na sua der­ro­cada. Se­riam cerca das 08h00 da manhã de quarta-feira quando su­cedeu a ameaça pa­tronal. Apro­xi­ma­da­mente 45 mi­nutos de­pois, deu-se o co­lapso.

Na sexta-feira e sá­bado, cen­tenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores saíram às ruas na área me­tro­po­li­tana de Daca para pro­tes­tarem contra as con­di­ções la­bo­rais inu­manas a que estão su­jeitos e a sobre-ex­plo­ração da sua força de tra­balho. O go­verno res­pondeu com balas de bor­racha e gra­nadas de gás la­cri­mo­géneo, ar­gu­men­tando que as mul­ti­dões fu­ri­osas ata­caram fá­bricas, in­cen­di­aram au­to­mó­veis e blo­que­aram es­tradas ate­ando fogo a pneus. Os pro­testos dos ope­rá­rios ben­ga­leses de­ge­ne­raram em vi­o­lência de­pois do pre­si­dente da as­so­ci­ação in­dus­trial têxtil, re­a­gindo à greve de­cre­tada e cum­prida em mi­lhares de uni­dades fa­bris, ter con­si­de­rado que o prin­cipal pro­blema do mo­mento não era o nú­mero de mortos nem as con­di­ções la­bo­rais no Ban­gla­desh, mas o «forte golpe para o sector» que cons­ti­tuíam as pa­ra­li­sa­ções e ma­ni­fes­ta­ções em curso.


En­gre­nagem

O Ban­gla­desh é o se­gundo pro­dutor mun­dial têxtil, sector res­pon­sável por 80 por cento das ex­por­ta­ções do país e por cerca de 15 mil mi­lhões de euros anuais. Os ar­re­dores de Daca foram re­con­fi­gu­rados pela pro­li­fe­ração e con­cen­tração de uni­dades fa­bris que operam em es­paços in­sa­lu­bres, em re­gime de sub­con­tra­tação pra­ti­cando sa­lá­rios mi­se­rá­veis de 30 euros/​mês, ne­gando os mais ele­men­tares di­reitos la­bo­rais e go­zando da com­pla­cência das au­to­ri­dades, que para as cerca de 100 mil fá­bricas exis­tentes na área da ca­pital contam com pouco mais de duas de­zenas de ins­pec­tores do tra­balho. As multas são de tal forma baixas que o crime com­pensa. O pro­pri­e­tário do edi­fício que co­lapsou era um co­nhe­cido apoi­ante e mo­bi­li­zador do par­tido do go­verno.

Quase 90 por cento dos ar­tigos «made in Ban­gla­desh» têm como des­tino a Eu­ropa, os EUA e o Ca­nadá. Não é por isso de es­tra­nhar que a tra­gédia de Savar res­pingue grandes mul­ti­na­ci­o­nais re­ta­lhistas, caso da ita­liana Be­netton, das es­pa­nholas Mango e El Corte In­glés, da ca­na­diana Joe Fresh, das bri­tâ­nicas Bon Marche e Pri­mark, ou das norte-ame­ri­canas Cato, Sears e Wal­mart.

Es­tima-se que, desde 2005, der­ro­cadas e in­cên­dios em fá­bricas no Ban­gla­desh te­nham pro­vo­cado a morte a 500 pes­soas. Em No­vembro do ano pas­sado, 112 ope­rá­rios mor­reram car­bo­ni­zados numa uni­dade si­tuada na zona in­dus­trial de Ashulia. O su­búrbio pró­ximo de Daca foi, em Abril de 2012, palco de uma greve his­tó­rica por me­lhores sa­lá­rios e con­di­ções la­bo­rais. Os tra­ba­lha­dores não ob­ti­veram o re­cla­mado au­mento de 10 euros mês e o ne­gócio pros­se­guiu como antes.

Dados do Banco Mun­dial di­vul­gados no pas­sado dia 21 de Abril, mos­tram, in­clu­sive, que em 2012 o Ban­gla­desh foi um dos ter­ri­tó­rios sul-asiá­ticos mais ba­fe­jados pela ex­por­tação de ca­pi­tais por parte dos cen­tros im­pe­ri­a­listas, os quais, en­voltos numa crise pro­funda, pro­curam nos cha­mados países em de­sen­vol­vi­mento re­pro­duzir os for­tunas acu­mu­ladas. Custe o que custar.



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