Onde há Partido

Às vezes, só pela au­sência com­pre­en­demos o ver­da­deiro valor do que temos. É quando falta a luz que nos lem­bramos de que sem elec­tri­ci­dade vol­ta­ríamos à idade das trevas; é quando o homem do qui­osque adoece que des­co­brimos o quanto pre­ci­samos dele; e é quando um velho amigo morre que nos ar­re­pen­demos dos dias que não pas­sámos juntos. E reza o lugar-comum dos lu­gares-co­muns que al­guns só dão valor à saúde quando a perdem.

Pois eu cá, que vivo nos EUA há mais de três anos, tive in­con­tá­veis opor­tu­ni­dades de des­co­brir em todos os lu­gares a do­lo­rosa au­sência das coisas por­tu­guesas que não se vêem ao perto: os au­to­carros, que aqui são pri­vi­légio das grandes me­tró­poles; a luz do sol, que nesta re­gião do globo só se faz sentir du­rante quatro meses; a tra­dição de ver o te­le­jornal à hora do al­moço; o café; ir a pé às com­pras; e até o pão.

Claro está que também tenho as sau­dades que todos os emi­grantes têm: dos meus amigos a braços com a so­bre­vi­vência; do meu so­brinho bebé que não posso ver crescer ou do meu pai já velho (um an­tigo preso po­lí­tico que hoje con­tinua a lutar com a mesma co­ragem com que lutou toda a vida). Mas deste mar de sau­dades, tri­viais e im­por­tantes, pre­vi­sí­veis ou es­pan­tosas, a que mais me sur­pre­ende e pro­fun­da­mente me as­sombra é a falta do Par­tido Co­mu­nista.

A na­tu­reza de­pre­da­dora do ca­pi­ta­lismo im­pele-o a avançar na me­dida da re­sis­tência que se lhe opõe: pri­va­tiza quando pode pri­va­tizar, rouba quando lhe é pos­sível e es­cra­viza quando o deixam. Aqui, a cor­re­lação de forças entre tra­balho e ca­pital está de tal modo de­se­qui­li­brada que, na sua sede in­sa­ciável pela ma­xi­mi­zação do lucro, a bur­guesia só se tem a si pró­pria como obs­tá­culo. A falta de um par­tido da classe ope­rária re­vo­lu­ci­o­nário, co­e­rente e so­li­da­mente or­ga­ni­zado sente-se em todos os as­pectos da vida: a minha com­pa­nheira, que é ban­cária, pode ser des­pe­dida a qual­quer mo­mento sem justa causa; eu, que sou pro­fessor, sou preso se fizer greve; a saúde e a edu­cação foram re­du­zidas a mer­ca­do­rias de custos as­tro­nó­micos e a po­lí­tica está mo­no­po­li­zada pelo par­tido bi­cé­falo da alta bur­guesia.

Onde não há Par­tido Co­mu­nista pre­va­lece o medo. A con­tra­dição de in­te­resses, o gérmen da luta de classes, não pode ser ex­tir­pada, mas as con­di­ções sub­jec­tivas que a trans­formam em acção, essas podem ser ma­ni­e­tadas. Como se pode lutar quando se deve 50 mil dó­lares ao banco pela uni­ver­si­dade, mais 15 mil do carro e 100 mil da casa? Entre os tra­ba­lha­dores norte-ame­ri­canos im­pera a re­sig­nação e a ver­tigem da ine­vi­ta­bi­li­dade.

Onde não há Par­tido, são os pa­trões que de­cidem a agenda e os termos do de­bate. Ex­pres­sões como «ex­plo­ração», «classe» ou «luta» estão ba­nidas do lé­xico comum. Pa­la­vras como «mi­li­tância» ou «co­mu­nismo» estão in­de­le­vel­mente as­so­ci­adas ao «mal», ao «ter­ro­rismo» e às «di­ta­duras». Porque na língua uni­versal do ca­pi­ta­lismo a se­mân­tica é um ins­tru­mento de opressão e do­mi­nação de classe, onde não há Par­tido Co­mu­nista chama-se «ci­da­dania» às con­tra­di­ções in­sa­ná­veis entre ex­plo­ra­dores e ex­plo­rados, e «co­mu­ni­dade global in­ter­de­pen­dente» a um mundo sa­queado pelo im­pe­ri­a­lismo e cada dia mais mi­li­ta­ri­zado.

Onde há Par­tido, os tra­ba­lha­dores são mais fortes e é mais di­fícil aos pa­trões queimar as suas ener­gias em ide­a­lismos vá­cuos e ra­di­ca­lismos in­con­se­quentes. Onde há Par­tido, há uma Es­cola de Co­mu­nismo, onde mi­lhares de qua­dros se formam po­li­ti­ca­mente no calor da luta e que ga­rante que a ex­pe­ri­ência acu­mu­lada de ge­ra­ções de re­vo­lu­ci­o­ná­rios con­verge para a cons­trução do so­ci­a­lismo.

Em Por­tugal, o PCP não só marca o passo à agenda po­lí­tica, como o trava aos in­te­resses da grande bur­guesia. Não haja dú­vidas: se os su­ces­sivos go­vernos PS-PSD-CDS não foram mais longe na des­truição de Abril, é porque sempre se de­pa­raram com a re­sis­tência do PCP. Não con­sigo ima­ginar como seria Por­tugal sem a luta dos co­mu­nistas, porque sem ela nem eu mesmo seria quem hoje sou. Se­gu­ra­mente, te­ríamos menos di­reitos e outra Cons­ti­tuição. Se­gu­ra­mente se­ríamos mais po­bres. Mas também não con­sigo ima­ginar quantos anos nem quanto sangue se­riam ne­ces­sá­rios aos tra­ba­lha­dores dos EUA para er­guerem um par­tido como o PCP.

Na luta de classes, nada é ad­qui­rido: tudo é con­quis­tável e po­ten­ci­al­mente per­dível. Os EUA são o exemplo aca­bado desse mesmo pe­rigo, que não só nos deve or­gu­lhar do grande Par­tido que fomos ca­pazes de cons­truir, como nos in­cumbe da missão his­tó­rica de o re­forçar. Porque onde há Par­tido há fu­turo, em Por­tugal o op­ti­mismo é re­vo­lu­ci­o­nário.



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