«Sustentável», «mudança», «economia de escala», «inovação», são algumas das expressões constantes no documento denominado Linhas Gerais da Reforma Defesa 2020. Palavras que vão bem com a pompa e circunstância da apresentação do documento, ambos a encaixarem com perfeição na personalidade do ministro Aguiar-Branco.
O dado mais importante deste documento foi a fixação de 1,1% do PIB para os próximos anos, com a possibilidade de uma variação de 0,1% para mais ou para menos. Não é que esta percentagem seja diferente daquilo que tem vindo a ser praticado, mas a sua fixação põe fim à incerteza. Incerteza que tem o prazo de validade deste Governo, prazo de validade este que já está largamente ultrapassado. Pretender fixar temporalmente aquele objectivo sem o debater e consensualizar revela bem a natureza deste ministro e deste Governo. Ou então tratou-se de um mero anúncio para encher notícias e, em boa verdade, foi disto mesmo que se tratou.
Conforme temos afirmado, a Instituição Militar, como de resto outras, não pode andar em reestruturações permanentes. Muito menos em reestruturações a reboque de interesses, projectos e «ondas» externas. As reais preocupações que invadem os militares não tiveram qualquer resposta e nesse sentido pode-se dizer: 2020 igual a zero. Ou melhor, a resposta está naquilo que lá não está. Aliás, no dia a seguir ao anúncio, uma notícia do DN tinha como título «Aguiar-Branco e chefias estudam novos cortes nas Forças Armadas». Pergunta: descobriu o MDN depois do anúncio do 2020 que tinha de cortar além do constante no 2020? É evidente que não, e é este tipo de atitudes e comportamentos que um ministro não pode ter e, por maioria de razão, não pode ter relativamente à Instituição Militar.
Seria injusto não relevar uma afirmação proferida pelo General CEMGFA, no mesmo acto de apresentação do documento, quanto à garantia da prioridade às missões de soberania. Igualmente, ingénuo seria pensar que objectivos centrais subjacentes à política deste Governo, pelo facto de estarem arredados do documento agora apresentado, não procurarão ser prosseguidos por outras formas. Aliás, talvez até não se erre muito dizendo que o seu não surgimento de forma expressa no documento se deve à resistência que os militares têm desenvolvido. Por exemplo: considerar, como referiu em dado momento, há uns tempos, o ministro Aguiar-Branco, a possibilidade de partilha com Espanha no âmbito do «pool and sharing» (partilha de meios), conduzindo isso à perda de capacidades nacionais, é uma aberração. Não, evidentemente, por ser a Espanha, mas porque, como o mostram vários exemplos a nível internacional e a nossa própria história, os aliados de hoje são os adversários de amanhã. Bastará olhar para a presente situação na União Europeia ou se quisermos, analisar tudo o que rodeou e rodeia a situação na Guiné.
O que realmente importa
Mas aquilo que realmente preocupa os militares são as alterações em curso na saúde militar, com o afastamento progressivo das famílias, a degradação dos apoios e das condições de acesso. As perspectivadas alterações ao Estatuto dos Militares e quais os modelos de carreira, de promoções, de tempos de serviço, como se processarão essas alterações e que implicações vão ter. O entupimento das promoções e as consequências daí resultantes na vida e nas legítimas expectativas de centenas de militares, depois de dezenas de anos de serviço. É que, nesta matéria de promoções, o referido entupimento não tem só reflexos na vida concreta do militar abrangido, mas também por dessa situação resultar um volume maior de promovíveis face aos que o podem efectivamente ser, conduzindo na prática à generalização do sistema de promoções por escolha, com tudo o que isso significa de subjectividade e consequente prejuízo. Preocupa os militares a formação e as equivalências dessa formação na sociedade, mas também como se processará a anunciada fusão das academias, os efeitos disso na formação e aptidão dos formandos, porque isto não se resume a saber marchar e a conhecer os postos para os desfiles. Como se processará a anunciada redução de efectivos e como se compagina essa redução com o dispositivo e as missões, e com o dia-a-dia das unidades/quarteis. Como é garantido que os pilotos voam e garantem as suas qualificações. Os marinheiros navegam e garantem as suas qualificações, sem todavia cair naquilo que está a acontecer de haver quem ande a saltar de navio para navio, sistematicamente embarcado. É que do mesmo modo que um motorista é obrigado a fazer pausas, também aqui não é salutar o embarque permanente. Como é garantido que os navios são reparados em limites de tempo razoáveis. Como é garantido que os militares do Exército treinam com as armas que possuem. Enfim, como é tratado o bem mais precioso: os homens e as mulheres que servem nas Forças Armadas.
Muito do que tem vindo a ser efectivado por este Governo, no seguimento de anteriores, em matéria de corte nos direitos, subverte o que está consignado em leis, nomeadamente na Lei de Bases Gerais da Condição Militar. Ao mesmo tempo que não tem sido respeitada a lei, no que concerne ao envolvimento das associações sócio-profissionais. Depois de se assistir aos ataques ao Tribunal Constitucional, desferidos ao mais alto nível, e às medidas em desenvolvimento apresentadas como sendo culpa da decisão do TC, como se elas já não constassem do pacote de cortes dos quatro mil milhões, deste Governo e desta política só loucos podem esperar o que quer que seja.