«A Imensa Boca Desta Angústia»

José Vultos Sequeira

O úl­timo livro de Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues

A obra de Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues desde me­ados do sé­culo pas­sado até hoje tem sido, assim como ele pró­prio, um tes­te­munho co­ra­joso e in­ter­ven­tivo nas cir­cuns­tân­cias da pró­pria so­ci­e­dade: os seus li­vros além da sua be­leza de es­crita pre­cisa e poé­tica são, através das suas per­so­na­gens, um pro­testo e uma de­núncia da opressão e da in­jus­tiça.

São li­vros em que o es­critor cla­ra­mente faz opção e ao mesmo tempo pers­cruta o ser hu­mano: as suas dores, os seus an­seios, as suas frus­tra­ções, as suas lutas, as suas ab­ne­ga­ções.

Em cada ro­mance e no­vela ou conto Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues rein­venta a sua pró­pria cri­a­ti­vi­dade: desde o «Bas­tardos ao Sol» onde des­creve o Alen­tejo in­te­rior, opri­mido pela ide­o­logia e a men­ta­li­dade mais con­ser­va­dora até à «A Noite Roxa» de «Es­com­bros» uma em­ble­má­tica e das mais re­pre­sen­ta­tivas no­velas da con­tem­po­ra­nei­dade do pós guerra ou o «Contos de So­lidão» onde, so­bre­tudo, a con­dição hu­mana, com as suas con­tra­di­ções e ab­ne­ga­ções, se re­vela e se des­creve ou o «Eterno Efé­mero» um ro­mance onde o ser hu­mano é in­ter­ro­gado e pers­cru­tado por um ins­pector da po­lícia.

Uma obra que per­corre o tempo com as suas per­so­na­gens dando-nos toda uma li­te­ra­tura que nos in­ter­pela na sua imensa com­ple­xi­dade de sen­ti­mentos, si­tu­a­ções e in­ter­ro­ga­ções.

E nesta sua vasta li­te­ra­tura tran­sita Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues toda uma gama de es­tilos: desde a in­fluência do neo-re­a­lismo até ao fan­tás­tico e oní­rico pas­sando es­sen­ci­al­mente pelo exis­ten­ci­a­lismo, de livro para livro Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues des­cobre novos ca­mi­nhos para a sua es­crita, rein­venta-a.

Assim a sua úl­tima obra «A Imensa Boca Desta An­gústia» é também ela uma rein­venção de Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues na sua es­crita: neste livro a li­ber­dade da pa­lavra e do texto são re­as­su­midas como me pa­rece que nunca antes o foram ou se o foram seria de ma­neira di­fe­rente – ao lermos estes contos uns mais longos, ou­tros como que uma cir­cuns­tância, uma ob­ser­vação, mas sempre uma es­crita adulta, ma­dura e pre­cisa, poé­tica, sen­timo-nos vi­ajar nos anos e no es­paço com as pró­prias per­so­na­gens: quase em meia dúzia de li­nhas Ur­bano Ta­vares Ro­dri­gues des­creve-nos a vida com seus dramas, aven­turas e tra­gé­dias.

Com este livro como que per­cor­remos o mundo com os res­pec­tivos per­so­na­gens.

No pri­meiro destes contos, o mais longo, que dá o nome ao livro, é Eu­clides Por­to­car­rero que nos leva por esta Eu­ropa fora: Paris, Zu­rique, Ames­terdão. De­pois Médio Ori­ente: Bei­rute. De­pois todo o largo mundo: China, Japão, Índia, Aus­trália e por fim Colômbia e as mís­ticas FARC onde, co­ra­jo­sa­mente, Eu­clides as­sume a sua opção de um mundo mais justo e ge­ne­roso.

E sempre novas per­so­na­gens fe­mi­ninas surgem em cada país, em cada ci­dade, da­di­vosas e en­tre­gando-se ao amor, diria quase mi­se­ri­cor­di­o­sa­mente como Ma­da­lenas.

E é esta li­ber­dade, este per­correr o es­paço e o tempo no livro que é um dos seus en­cantos, pois ao lê-lo nos dá a sen­sação da va­ri­e­dade da terra e da sua am­plidão.

Assim como as per­so­na­gens e as si­tu­a­ções que se su­cedem: Flo­rêncio, Sálvio, Idálio, etc… − nos dão uma mis­ce­lânea de pes­soas, de sen­ti­mentos que se en­tre­cruzam e formam toda uma rede onde o ser hu­mano nos é des­ve­lado, re­ve­lado.

Per­so­na­gens – rein­ven­tadas com cor­ni­nhos, caudas de peixe ou quase trans­lú­cidas – po­e­tizam os textos e nos mos­tram o ser hu­mano na­quilo que ele tem de inex­pli­cável, es­tranho, sin­gular.

E é esta sin­gu­la­ri­dade, esta in­ven­ta­bi­li­dade que dá a sen­sação, a nós, que a lemos, de li­ber­dade das pa­la­vras e do texto – e na ver­dade essa li­ber­dade existe e se afirma como uma qua­li­dade do pró­prio texto.

Na­tu­ral­mente, uma li­ber­dade que o es­critor con­quista de­pois de uma vasta obra criada.

Assim este livro, com as suas per­so­na­gens, os seus per­cursos e si­tu­a­ções, se nos apre­senta como um grá­fico onde lemos a nossa pró­pria con­dição hu­mana.



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