Raiz

Correia da Fonseca

Es­crevo na se­gunda-feira, 17, dia da grande con­tes­tação dos pro­fes­sores não apenas às de­ci­sões e pro­jectos do Mi­nis­tério da Edu­cação mas também, como aliás é óbvio, à po­lí­tica global de um go­verno ma­ni­fes­ta­mente de­ci­dido a re­duzir o País à mais triste das con­di­ções. De resto, não será ex­tra­va­gância ex­ces­siva ou des­vai­rada alu­ci­nação adi­vi­nhar, em certos mo­mentos, por de­trás da imagem do mi­nistro Crato, o rosto do mi­nistro Gaspar, para seu mal sempre um pouco si­nistro na sua inex­pressão. Es­crevo, pois, a 17, que isto de es­crever para o Avante! tem ca­len­dário e ho­rário, e re­parto olhares e atenção entre o te­clado do com­pu­tador e o ecrã do te­le­visor. Es­pero as no­tí­cias pos­sí­veis quanto à greve que é o grande acon­te­ci­mento do dia, talvez mesmo da se­mana ou do mês, e nem a cer­teza de que esta es­pera está mar­cada por uma boa dose de in­ge­nui­dade, pois bem se sabe que a te­le­visão (e não só ela, é claro) é o que é e não o que de­veria ser, de­sarma um ele­vado grau de ex­pec­ta­tiva. En­tre­tanto, re­ca­pi­tulo o que acerca de pro­fes­sores, en­sino, des­con­ten­ta­mento e ame­aças, fui ou­vindo na TV ao longo dos dias mais re­centes. O que é di­rec­ta­mente re­la­ci­o­nado com a Es­cola e quem por lá mou­reja in­te­ressou-me muito, na­tu­ral­mente, até porque ao longo de anos tive opor­tu­ni­dade de me fartar de um en­sino al­ge­mado e de pro­fes­sores pau­pe­ri­zados ou à beira de o serem. Con­tudo, de todas as mo­ti­va­ções que ati­raram os pro­fes­sores para a luta e para a greve, a que mais senti como ime­diata e ca­lo­ro­sa­mente par­ti­lhável foi a re­cusa do pro­jecto de des­pe­di­mento co­lec­tivo que, muito mal ca­mu­flado, está evi­den­te­mente na calha da acção do ME. Bem pode o mi­nistro Crato dizer que não se­nhores!, que um tal re­ceio não se jus­ti­fica, que tal coisa não lhe passa pela ca­beça de ma­te­má­tico bem re­pu­tado. Como se ele, Crato, man­dasse al­guma coisa.

Ad­ver­sá­rios na­tu­rais

É claro que os pro­fes­sores são cre­dores de todos os di­reitos que rei­vin­dicam, de todo o res­peito que lhe é re­cu­sado, da Es­cola Pú­blica que querem de­fender. Porém, de todas as ame­aças que sobre eles se acas­te­laram, o que mais me in­digna é o pro­jecto de des­pe­di­mento de que a te­le­visão, de que sou con­su­midor apa­ren­te­mente in­sa­ciável, me tem dado conta. Apesar de, como todos os por­tu­gueses, estar já ma­lha­diço, para usar uma pa­lavra de uso po­pular, por as­sistir a tantas e tão graves agres­sões contra o País, contra a Re­pú­blica, contra o Povo, ainda assim quase me custa a crer que o Go­verno queira acres­centar mais uns mi­lhares ao nú­mero es­pan­toso de ci­da­dãos con­de­nados ao de­sem­prego, isto é, à ex­trema an­gústia, ao de­ses­pero, even­tu­al­mente à fome que pode es­perá-los de­pois da úl­tima es­quina. Ou em al­ter­na­tiva, à so­bre­vi­vência graças à acei­tação de es­molas as­su­midas como tal ou sob ca­mu­fla­gens vá­rias, como está muito na moda e é lou­vado como so­lução acei­tável. Dir-se-á por­ven­tura que é um re­ceio ex­ces­sivo, que antes de aí se chegar al­guma coisa de­verá acon­tecer, mas a questão é que o mesmo terão pen­sado muitos dos que, ainda apenas ame­a­çados do pior, es­pe­ravam que um resto de bom senso ou talvez apenas de sorte os pou­passe à der­ro­cada das suas vidas que afinal de­pressa veio a acon­tecer. Ora, a questão é que o de­sem­prego é raiz de todos os males, de todas as pragas so­ciais, numa es­cala de de­gra­da­ções de que o úl­timo termo pode ser a de­linquência. É claro que custa a ima­ginar que pro­fes­sores, ainda que de­sem­pre­gados, res­valem para tão longe. Mas, também nesta ma­téria, nunca sabe: pa­ra­fra­se­ando o que Gil Vi­cente es­creveu acerca da His­tória de Deus, bem se pode dizer que «a His­tória da Mi­séria tem tais pro­fun­dezas…» O caso é que nada atenua o grau de in­fâmia que ca­rac­te­riza um acto go­ver­na­mental que atire para o de­sem­prego mi­lhares de por­tu­gueses es­pe­ci­al­mente qua­li­fi­cados que um dia op­taram por en­sinar, isto é, por par­ti­lharem sa­beres, por in­te­grarem uma classe pro­fis­si­onal cuja missão na­tural é a de se oporem a sé­culos de ig­no­rân­cias e im­pre­pa­ra­ções. Bem se sabe, é certo, que todas as ig­no­rân­cias são ali­adas das classes do­mi­nantes, e por isso os pro­fes­sores são ad­ver­sá­rios na­tu­rais dessa gente. O que, é claro, não des­culpa a agressão. Mas a ex­plica.



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