Obamacare - A pedagogia da desilusão

António Santos

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Porque na guerra entre classes não há fronteiras nacionais, a solidariedade entre os povos é uma necessidade prática. Não são só os trabalhadores que aprendem com as vitórias e derrotas de outros proletários do mundo. Também o capital, na sua sanha insaciável de sugar as rendas do trabalho, se inspira em modelos estrangeiros. Um ano depois da aprovação do Affordable Care Act, o novo sistema de saúde estado-unidense também conhecido por «Obamacare», a hidra das seguradoras mantém sequestrada a saúde do país. E compreender a monumental desilusão dos norte-americanos é também perscrutar o programa político do PS-PSD-CDS para a saúde em 2050. Obama foi eleito duas vezes sob a promessa de substituir o iníquo sistema de saúde pública dos EUA por outro mais justo, que prestasse cuidados médicos de qualidade a toda a população. Porém, uma ampla maioria dos estado-unidenses continua descontente com os sintomas do livre mercado na sua saúde. E não é para menos: mais de 50 milhões de americanos não têm seguro médico e 125 morrem todos os dias por não poderem comprar acesso à saúde. Os EUA são também o único país da OCDE que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade e, comparados aos europeus, australianos, japoneses ou canadianos, os americanos são os que vivem menos anos.

Mais do que uma exigência, uma emergência

O que os americanos reclamavam era um sistema de saúde público e universal. E se é verdade que apenas a formulação desta exigência foi um importante avanço, também é verdade que esse clamor de milhões de estado-unidenses não encontrou em Obama o eco democrático que esperavam. Uma por uma, Obama defraudou todas as esperanças que nele foram depositadas ainda não tinha sido a lei aprovada. Primeiro, anunciou que o novo sistema não seria pago pelo Estado. Depois, recusou-se a criar leis que permitissem ao governo negociar os preço dos medicamentos e dos serviços médicos. Por fim, sentou-se à mesa com os especuladores de Wall Street e com os gigantes das seguradoras e da indústria farmacêutica.O resultado é um sistema de saúde moldado a partir do já existente no Estado de Massachusetts, onde é simplesmente ilegal não ter seguro de saúde. O «Obamacare» cria «mercados de saúde» em que as seguradoras competem por quem não pode pagar e oferece subsídios (financiados pelos trabalhadores) para ajudar os mais pobres a comprar seguros privados. No entanto, estar segurado não significa acesso à saúde: os planos de saúde mais baratos só cobrem em média 60% das despesas médicas e não incluem praticamente nenhum serviço que não seja considerado «urgente». De acordo com a Center for Disease Control and Prevention, cada vez mais americanos evitam ir ao hospital ou ao médico por medo dos brutais «co-pagamentos», o que tem recrudescido o recurso à auto-medicação e a analgésicos. Segundo o mesmo estudo, cada vez mais americanos preferem pagar a multa a contratar qualquer seguradora.

Um negócio da China para as seguradoras

A lei também prevê que a partir de 2018 as empresas passem a ser taxadas em 40% pelo que gastam a co-financiar os seguros dos seus trabalhadores, o que levará a que muitas escolham planos de saúde mais baratos e menos abrangentes. E porque a lei só exige a empresas com mais de 50 trabalhadores que ofereçam seguro aos empregados a tempo inteiro, cada vez mais patrões recorrerão ao trabalho precário e part-time.
Segundo um estudo da Health Affairs, mesmo após a completa implementação do «Obamacare», 31 milhões de americanos não terão acesso à saúde. Segundo a National Research Council, apesar de serem o país do mundo que gasta mais dinheiro em saúde, os EUA são o último classificado para todos os indicadores de saúde entre os 17 países mais ricos do mundo. O «Obamacare» é sobretudo uma resposta do capital a esse problema de despesa: a lei encoraja os hospitais a cortarem nos custos prestando menos e piores serviços e penalizando quem os visite «muitas vezes». Não só transfere os custos da saúde para o bolso de cada trabalhador, como implica a expansão coerciva do mercado das seguradoras privadas a toda a população.

Se os estado-unidenses aprenderem com a desilusão que se revelou o «Obamacare», terão de levar a luta pelo direito à saúde a outro patamar. O que passa por exigir um autêntico sistema de saúde público, gratuito, universal e financiado pelo Estado, mas passa também por compreender que dificilmente esse sistema será oferecido pelos partidos da burguesia.




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