Que fácil é seguir o caminho difícil

Manuel Gouveia

Vou contar esta his­tória sem lhe co­locar os nomes, fique-vos a cer­teza de que é ver­da­deira. E se sem nomes a conto, é por re­cato, e pro­tecção face a al­guma pe­quena ine­xac­tidão, pois isto de acom­pa­nhar or­ga­ni­za­ções leva-nos a co­nhecer muito dos qua­dros mas há sempre um es­paço de re­serva, uma linha para além da qual se pode in­tuir mas não se pode co­nhecer.

Co­meço. Quando foi des­pe­dida, pa­recia que o mundo vinha abaixo. E de certa forma vinha, e de certa forma veio. Não foi pro­pri­a­mente uma sur­presa, pois a em­presa tinha essa prá­tica de des­pedir no final do ter­ceiro con­trato, apesar de ser pú­blica e das leis pu­bli­cadas o proi­birem. Mas no fundo é sempre uma sur­presa, há sempre a se­creta es­pe­rança de que desta vez vai ser di­fe­rente, desta vez vão re­co­nhecer o es­forço, desta vez vão re­co­nhecer a razão.

Quando o mundo veio abaixo havia uma saída ob­jec­tiva, e rá­pida. O com­pa­nheiro es­tava na Co­missão de Tra­ba­lha­dores. Bas­tava ele pedir a ex­cepção em vez de se bater contra a regra. Até era prá­tica na em­presa, onde a ama­re­lagem sin­dical cha­fur­dava na po­cilga ilu­dida que o pa­trão a con­vi­dara para ca­ma­rotes. Ela não lhe pediu, e ele não lhe disse que não. Mas con­ti­nuou a dizer não ao pa­trão.

De tempos a tempos era pre­ciso ir a Tri­bunal ser tes­te­munha de co­legas que ti­nham sido des­pe­didos pela mesma razão. E pro­cesso a pro­cesso foram der­ro­tando o pa­trão. Pro­cessos me­tidos pelos pró­prios tra­ba­lha­dores, pois os sin­di­catos, ama­relos ou ama­re­lados, não o qui­seram fazer. Por isso, e por pior, muitos saíram do Sin­di­cato. Ou­tros fi­caram, pois a opção dos co­mu­nistas é sempre o com­bate, nunca a de­sis­tência.

Já se pas­saram uns anos. Na Em­presa, com o Par­tido, os tra­ba­lha­dores le­van­taram-se e re­con­quis­taram o seu sin­di­cato. No dia 27, jun­taram-se à greve geral na sua maior greve de sempre.

E dias de­pois saía a sen­tença do Tri­bunal. De certa forma es­pe­rada, pois essa era a jus­tiça, mas sempre te­mida, pois cada vez é mais in­justa esta nossa Jus­tiça cres­cen­te­mente sub­me­tida à classe do­mi­nante.

O Tri­bunal deu-lhe razão. Mas a ver­da­deira vi­tória es­tava já no ca­minho es­co­lhido.




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