O PARTIDO, SEMPRE

«A Fo­to­bi­o­grafia conta-nos a his­tória de um Par­tido cons­truído a pulso»

Na im­por­tante in­ter­venção pro­fe­rida por oca­sião do lan­ça­mento da Fo­to­bi­o­grafia de Álvaro Cu­nhal – mo­mento mar­cante das co­me­mo­ra­ções do Cen­te­nário – o Se­cre­tário-geral do PCP afirmou, a dada al­tura: «Nesta fo­to­bi­o­grafia está muito da his­tória da vida e luta dos co­mu­nistas por­tu­gueses, que se or­gu­lham de o ter tido como seu Se­cre­tário-geral, com uma in­ter­venção que marcou o Par­tido, esse Par­tido que re­ci­pro­ca­mente havia também de marcar o homem que foi com a sua per­so­na­li­dade ímpar, e o re­vo­lu­ci­o­nário de corpo in­teiro que co­nhe­cemos».

Pa­la­vras cer­teiras, estas, e que re­sumem exem­plar­mente a re­lação di­a­léc­tica entre o co­lec­tivo par­ti­dário co­mu­nista e aquele que foi o cons­trutor maior da ex­tra­or­di­nária obra co­lec­tiva que ele viria a de­signar por «par­tido le­ni­nista de­fi­nido com a ex­pe­ri­ência pró­pria».

Com efeito, o Par­tido foi, para Álvaro Cu­nhal, uma pre­o­cu­pação pri­o­ri­tária, sempre: desde que a ele aderiu, tinha então 17 anos de idade, até aos úl­timos ins­tantes da sua vida, num per­curso de mi­li­tância re­vo­lu­ci­o­nária que se es­tendeu por 75 anos. E os textos que pro­duziu sobre o Par­tido, sempre tes­tados (e cor­ri­gidos, quando ne­ces­sário) pela ex­pe­ri­ência prá­tica, cons­ti­tuem uma ver­tente fun­da­mental da obra teó­rica do autor – uma obra que se afirma como o mais re­le­vante exemplo de apro­fun­da­mento e de­sen­vol­vi­mento cri­a­tivo das ideias de Marx, En­gels e Lé­nine.

Como afirmou o ca­ma­rada Je­ró­nimo de Sousa, a Fo­to­bi­o­grafia, conta-nos «a his­tória de um Par­tido cons­truído a pulso, com o so­fri­mento e o sangue de muitos dos seus me­lhores (…) e para a cons­trução do qual Álvaro Cu­nhal deu um con­tri­buto de­ci­sivo».

Assim foi. E desse con­tri­buto cumpre dizer que ele co­meçou por as­sumir ex­pressão de­ter­mi­nante por al­tura do pro­cesso de re­or­ga­ni­zação/​cons­trução do Par­tido, ocor­rido na pri­meira me­tade da dé­cada de 40 do sé­culo pas­sado – um pro­cesso que, tendo em Álvaro Cu­nhal o seu prin­cipal pro­ta­go­nista, ao lado de um va­lioso con­junto de qua­dros re­vo­lu­ci­o­ná­rios, deu sig­ni­fi­ca­tivos passos na afir­mação do PCP como par­tido mar­xista-le­ni­nista, van­guarda da classe ope­rária e força fun­da­mental da re­sis­tência e da uni­dade an­ti­fas­cista. Os textos es­critos por Álvaro Cu­nhal nesse tempo, e a apli­cação prá­tica das ideias neles con­tidas, foram peças es­sen­ciais para o de­sen­vol­vi­mento do con­ceito de par­tido co­mu­nista, de­sig­na­da­mente no que res­peita à iden­ti­dade do Par­tido; à im­ple­men­tação do tra­balho co­lec­tivo visto e en­ten­dido como «prin­cípio bá­sico es­sen­cial do es­tilo de tra­balho do Par­tido» e ponto de par­tida para a cons­trução do «nosso grande co­lec­tivo par­ti­dário»; ao de­sen­vol­vi­mento cri­a­tivo do con­ceito le­ni­nista de cen­tra­lismo de­mo­crá­tico, assim im­pri­mindo «ca­rac­te­rís­ticas pró­prias e ori­gi­nais aos prin­cí­pios or­gâ­nicos do PCP re­la­tivos ao cen­tra­lismo de­mo­crá­tico». Desse tempo fica ainda, como va­lioso pa­tri­mónio do Par­tido, a in­ter­venção de Álvaro Cu­nhal na in­tensa ba­talha ide­o­ló­gica então tra­vada – com re­alce, para o com­bate à «po­lí­tica de tran­sição».

Em ma­téria de pro­dução teó­rica sobre o Par­tido e de li­gação da te­oria à prá­tica, su­blinhe-se ainda a im­por­tância desses dois textos ad­mi­rá­veis es­critos após a fuga de Pe­niche e que são bri­lhantes de­mons­tra­ções da uti­li­zação do mar­xismo-le­ni­nismo na aná­lise con­creta de uma si­tu­ação con­creta – no caso, o desvio de di­reita de 1956/​1959 e o con­teúdo do tra­balho de di­recção do Par­tido nesse mesmo pe­ríodo.

Na mesma linha de cons­trução e de­fesa do Par­tido, re­giste-se a igual­mente cru­cial in­ter­venção de Álvaro Cu­nhal no com­bate às ofen­sivas in­ternas que, na sequência da der­rota do so­ci­a­lismo, vi­savam a so­cial-de­mo­cra­ti­zação do PCP – neste caso, pro­ce­dendo a uma ca­rac­te­ri­zação ci­rúr­gica dessas ofen­sivas, des­mas­ca­rando os seus ob­jec­tivos, mé­todos e apoios, e de­fi­nindo com rigor as ne­ces­sá­rias li­nhas de res­posta.

A rica e con­ti­nuada re­flexão de Álvaro Cu­nhal nesta ma­téria, atingiu a sua ex­pressão mais ele­vada no cé­lebre en­saio O Par­tido com Pa­redes de Vidro – obra que só en­contra pa­ra­lelo nos textos de Le­nine sobre o mesmo tema.

Em re­sumo: é o Par­tido, sempre o Par­tido, que está pre­sente em toda a vida e em toda a obra de Álvaro Cu­nhal – quer em toda a sua res­tante pro­dução teó­rica, de­sig­na­da­mente nos textos sobre a Re­vo­lução Por­tu­guesa; quer em toda a sua obra ar­tís­tica; quer, na­tu­ral­mente, em toda a sua in­ter­venção mi­li­tante.

A Fo­to­bi­o­grafia agora pu­bli­cada mostra a gri­tante ac­tu­a­li­dade do exemplo de Álvaro Cu­nhal, en­quanto mi­li­tante e di­ri­gente do Par­tido – cons­trutor do edi­fício teó­rico e ide­o­ló­gico que cons­titui a es­pinha dorsal do PCP, e pro­ta­go­nista de uma mi­li­tância que, sub­me­tida a todas as provas, a todas su­perou com no­tável têm­pera re­vo­lu­ci­o­nária – uma mi­li­tância que, nos dias de hoje, é re­fe­rência maior para o co­lec­tivo par­ti­dário co­mu­nista na sua luta contra a po­lí­tica das troikas e por uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda ins­pi­rada nos va­lores de Abril e «sempre tendo no ho­ri­zonte o so­ci­a­lismo e o co­mu­nismo».

Tudo isto a con­firmar as pa­la­vras do di­rector da Edi­to­rial Avante!, ca­ma­rada Fran­cisco Melo, também na sessão de lan­ça­mento da Fo­to­bi­o­grafia: «Este nosso Par­tido não teria sido o que foi nem seria o que é sem o con­tri­buto ina­pa­gável de um di­ri­gente com ca­pa­ci­dades e qua­li­dades que, nos planos po­lí­tico, ide­o­ló­gico, cul­tural e hu­mano, se re­ve­laram de uma gran­deza ex­cep­ci­onal».

Tudo isto a per­mitir-nos dizer, ainda – desta vez glo­sando Mai­a­kovski no seu cé­lebre poema a Le­nine: o Par­tido e Álvaro Cu­nhal são ir­mãos gé­meos, quando di­zemos Álvaro Cu­nhal é como se dis­sés­semos PCP, quando di­zemos PCP é como se dis­sés­semos Álvaro Cu­nhal.