Crise estrutural

Jorge Cadima

O grande ca­pital fi­nan­ceiro acha que o di­reito de pro­testar deve ser var­rido

Em Se­tembro de 2008 co­lap­sava o gi­gante fi­nan­ceiro Lehman Brothers. Nestes cinco anos, o grande ca­pital re­cebeu mi­lhares de mi­lhões de di­nheiros pú­blicos, trans­fe­rindo para o Es­tado grande parte das suas dí­vidas e pre­juízos. Mas a crise do ca­pi­ta­lismo con­tinua sem fim à vista. Martin Wolf, co­men­tador prin­cipal no Fi­nan­cial Times e membro do Grupo Bil­der­berg, in­ter­roga-se (FT, 17.9.13) sobre as ra­zões pelas quais, após muitos anos em que «os bancos cen­trais do Japão, EUA, RU e da eu­ro­zona […] não apenas ofe­recem di­nheiro de borla, mas até criam vastas quan­ti­dades de di­nheiro [com pro­gramas tipo Quan­ti­ta­tive Ea­sing - NA], as eco­no­mias con­ti­nuam fracas». E res­ponde afir­mando que es­tamos «num mundo de oferta po­ten­cial em ex­cesso». Ou seja, con­fessa que es­tamos pe­rante uma pro­funda crise ca­pi­ta­lista de so­bre­pro­dução. Evans-Prit­chard, outro cro­nista do sis­tema, também fala no Te­le­graph (18.9.13) em «ca­pital em ex­cesso», «falta de con­sumo» e na «au­sência cró­nica de pro­cura nos EUA». Mas não su­gerem que, em vez de dar di­nheiro à banca, se dê di­nheiro a quem tra­balha, para au­mentar a pro­cura.

 

Wolf re­pre­senta ca­pi­ta­listas, que andam efec­ti­va­mente a re­ceber «di­nheiro de borla». Mas se para o grande ca­pital o tempo é de borlas, para os tra­ba­lha­dores e povos a re­a­li­dade da crise do ca­pi­ta­lismo é amarga. As sempre anun­ci­adas “vi­ra­gens eco­nó­micas” trans­formam-se em “novos res­gates”, ou seja, mais di­nheiro rou­bado aos povos para en­tregar ao grande (e in­sa­ciável) ca­pital. E en­tre­tanto a po­breza, os cortes sa­la­riais e o de­sem­prego alas­tram. O go­verno ho­landês acaba de anun­ciar que vai acabar com o “Es­tado So­cial” (Fi­nan­cial Times, 17.9.13). Os EUA estão em vés­peras de dra­má­ticos cortes so­ciais, que se juntam ao em­po­bre­ci­mento da classe ope­rária nos úl­timos 40 anos, ha­vendo «um nú­mero re­corde de 20,2% de fa­mí­lias dos EUA a de­pender hoje de ajudas ali­men­tares» e com «a eco­nomia ame­ri­cana a perder 347 mil em­pregos nos úl­timos dois meses, o que é com­pa­rável ao ritmo de perdas re­gis­tados du­rante a Grande Re­cessão [de 1929]» (Te­le­graph, 18.9.13). A ofen­siva contra os tra­ba­lha­dores e os povos não é uma questão da “pe­ri­feria Sul” ou de “PIIGS”, mas uma ex­pressão vi­o­lenta do sis­tema ca­pi­ta­lista e da sua na­tu­reza ex­plo­ra­dora e pa­ra­si­tária.

 

O sis­tema já não con­segue viver sem “in­jectar na veia” di­nheiro fic­tício, mas cada novo “chuto” apenas pre­para ul­te­ri­ores crises que, mais cedo ou mais tarde, ex­plo­dirão. Não con­segue ul­tra­passar o pro­blema da so­bre­pro­dução, e a sua ofen­siva so­cial apenas o agrava. A in­ca­pa­ci­dade de re­solver a crise acirra as ri­va­li­dades entre grupos e po­tên­cias im­pe­ri­a­listas. Mas tra­duzem-se também na ten­tação de vastos sec­tores do grande ca­pital de re­correr de novo – como na pri­meira me­tade do Sé­culo XX – ao au­to­ri­ta­rismo e vi­o­lência para impor o seu do­mínio. Um re­la­tório do co­losso fi­nan­ceiro J.P.Morgan, de Maio pas­sado, quei­xava-se dos «pro­fundos pro­blemas po­lí­ticos» que en­travam os «pro­cessos de ajus­ta­mento» na zona Euro. Queixa-se em par­ti­cular de que «os sis­temas po­lí­ticos da pe­ri­feria foram es­ta­be­le­cidos no res­caldo de di­ta­duras e foram de­fi­nidos por essas ex­pe­ri­ên­cias». Exem­pli­fica os “en­traves” di­zendo que «os sis­temas po­lí­ticos da pe­ri­feria […] ofe­recem pro­tecção cons­ti­tu­ci­onal aos di­reitos la­bo­rais [...e] o di­reito a pro­testar se forem feitas al­te­ra­ções in­de­se­já­veis ao status quo po­lí­tico». Sau­doso das cons­ti­tui­ções fas­cistas, o grande ca­pital fi­nan­ceiro acha que o di­reito de pro­testar deve ser var­rido, para poder des­truir tran­qui­la­mente os di­reitos la­bo­rais. O re­la­tório re­fere Por­tugal e con­si­dera a nossa Cons­ti­tuição um exemplo dos “en­traves” que «ma­ni­etam os go­vernos». Nisso, es­tamos de acordo. Mas a partir do outro lado da bar­ri­cada da luta de classes. Que, longe de estar morta, varre hoje com vi­o­lência o nosso pla­neta.




Mais artigos de: Opinião

Deslegitimados

Há uns anos, Vicente Jorge Silva exultou com a subida eleitoral do Bloco de Esquerda e decretou que o BE «vai dominar a esquerda portuguesa nos próximos 25 anos», acrescentando a pièce de resistance do seu apurado faro: a de que o PCP, concomitantemente, iria pelo «cano...

«Independentes»

As leituras dos resultados eleitorais das eleições autárquicas feitas pelos habituais «comentadores» de serviço ficaram marcadas por três elementos de centrais de manipulação política e ideológica. O 1.º foi a tentativa de apagamento da grande...

Barricadas

Com o PS, os PEC e o OE/2010, criou-se o precedente das alterações imperativas à contratação colectiva. «Só» temporárias e «só» para as Empresas Públicas... primeiro. O Governo do PSD/CDS tratou de alargar esse precedente rumo à...

A democratura de Coelho

«O moleiro de Sans Sauci» é um velho conto judiciário de François Andrieux (escritor francês do séc. XVIII) que nos relata que, quando Frederico II da Prússia mandou construir o seu Palácio de Verão de Potsdam, ordenou a um moleiro a...