As organizações sem fins lucrativos

Jorge Messias

«Numa so­ci­e­dade ver­da­dei­ra­mente livre e ci­vi­li­zada, o lugar cen­tral deve ser dado às as­so­ci­a­ções e or­ga­ni­za­ções vo­lun­tá­rias. É do for­ta­le­ci­mento deste sector in­ter­médio entre o go­verno e o mer­cado, um seg­mento de base vo­lun­tária, que cada vez mais de­pende a so­lução para os pro­blemas pú­blicos» (An­tónio Ma­nuel An­drade, “Or­ga­ni­za­ções sem fins lu­cra­tivos”, Fundo So­cial Eu­ropeu, 2004).«Os po­de­rosos sempre dei­taram mão do uso e apro­vei­ta­mento das re­li­giões e da ex­plo­ração es­pe­cu­la­tiva do es­pi­ri­tual para ob­terem todo o tipo de po­deres e bens ma­te­riais» (Di­reito e Ci­da­dania, 17.1.13).«Um grupo de ca­ri­dade pode chamar-se ca­tó­lico apenas com au­to­ri­zação por es­crito das au­to­ri­dades ecle­siás­ticas; uma or­ga­ni­zação ca­tó­lica de ca­ri­dade não pode re­ceber di­nheiro de grupos que es­tejam em de­sa­cordo com o en­sino da Igreja… Os bispos devem as­se­gurar que as pa­ró­quias e di­o­ceses não di­vul­guem ini­ci­a­tivas, ainda que se apre­sentem como ca­ri­dosas, que pro­po­nham es­co­lhas ou mé­todos em de­sa­cordo com o en­sino da Igreja» (Bento XVI, “Sobre o En­sino da Ca­ri­dade”, 2013).

«A crise que vi­vemos na Eu­ropa tem uma van­tagem para quem quer re­forçar o poder so­cial e po­lí­tico da Igreja: de­volve-lhe a po­de­rosa arma da Ca­ri­dade e atira mi­lhões de de­ses­pe­rados para os seus bon­dosos braços… Não quero com isto dizer que a razão por que mi­lhares de laicos se de­dicam a obras de apoio so­cial seja opor­tu­nista» (Da­niel Oli­veira, “A Igreja e o Es­tado So­cial”, 18.10.2012).

O ac­tual Papa bi­cé­falo Bento Fran­cisco pa­rece mer­gu­lhar o pen­sa­mento ca­tó­lico numa es­pécie de es­tra­tos­fera da ex­pulsão dos de­mó­nios e das mais-va­lias das in­dul­gên­cias. Na re­a­li­dade, está tudo bem longe de ser assim, como se sabe. Para o Va­ti­cano, o que di­rige a hu­ma­ni­dade é a con­ta­bi­li­zação dos lu­cros e a cen­tra­li­zação dos ca­pi­tais. O povo co­meça a com­pre­ender estas ver­dades porque co­nhece o preço da mi­séria e da sub­missão. Aliás, Fran­cisco I senta-se à mesa dos reis e tem ex­ce­lentes re­cor­da­ções dos Pampas ar­gen­tinos onde im­perou a Junta Mi­litar; Bento XVI es­conde mal a sua nos­talgia pelos re­gimes au­to­ri­tá­rios im­plan­tados entre as duas guerras mun­diais. Tudo isto se pode agora ver nas po­lí­ticas do Va­ti­cano. Os papas con­denam o ar­ma­men­tismo mas o Va­ti­cano é grande ac­ci­o­nista da in­dús­tria mun­dial dos ar­ma­mentos, como é o caso da Be­retta S.A. ita­liana; di­a­bo­lizam a fome, ainda que não cessem de in­vestir nas bolsas ar­ma­di­lhadas «do fu­turo», nos mo­no­pó­lios e nos mer­cados fa­lidos – fontes ines­go­tá­veis da po­breza mun­dial, como o agro­ne­gócio de­monstra; e, de vez em quando, de­nun­ciam o crime or­ga­ni­zado que a Santa Sé, no en­tanto, pro­move aber­ta­mente, apoiada numa imo­ra­li­dade con­sen­sual que aos car­deais só ocorre em parte de­nun­ciar quando os­cilam os ali­cerces do ca­pi­ta­lismo. Ainda para lá de tudo isto, fun­da­men­ta­listas e re­for­ma­dores pro­gres­sistas (?) con­ti­nuam à es­pera de um re­bate de cons­ci­ência do ca­pi­ta­lismo mun­dial… mi­lagre que nunca irá su­ceder! O Va­ti­cano pre­tende impor um só go­verno mun­dial do­tado de uma única po­lí­tica fi­nan­ceira, ainda que pro­meta – ima­gine-se! – lutar pela justa dis­tri­buição das ri­quezas que o tra­balho produz.

É a ló­gica do ab­surdo! Como é sa­bido, não se pode agradar a Deus e ao Diabo! Aquilo a que fun­da­men­ta­listas e ne­o­li­be­rais as­piram é a um só Es­tado uni­versal que al­geme os po­bres aos in­te­resses dos ricos, ins­ti­tu­ci­o­na­lize o mo­no­pólio do di­nheiro e im­ponha uma única re­li­gião em todo o mundo, ser­vi­dora pas­siva e ser­viçal do im­pe­ri­a­lismo mo­no­po­lista.

Os ho­mens como nós somos, acre­ditam nos ca­tó­licos ou nos crentes que se sa­cri­ficam para pra­ti­carem a jus­tiça so­li­dária. Mas esses não são mo­vidos pelo pa­pado ou pelos ne­gó­cios ecle­siás­ticos. Agem a favor dos ho­mens, só porque também são ho­mens mo­ral­mente bem for­mados.

Os ob­jec­tivos do ne­o­ca­pi­ta­lismo ocultam-se nos jogos das pa­la­vras. Tal como acon­tece, no es­sen­cial, com a dou­trina so­cial da Igreja e com os seus dogmas. O Es­tado e a Igreja não se dis­cutem. Têm de ser obe­de­cidos. A po­breza é um sinal dis­tin­tivo dos menos ca­pazes. A ri­queza pre­meia os mais fortes. Deus o quer!, gri­tavam os Cru­zados nas guerras de saque contra os mu­çul­manos.

Os dados que aqui in­vo­camos con­ti­nuam pre­sentes nos ce­ná­rios his­tó­ricos ac­tuais.




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