A decomposição do poder governamental

Zillah Branco

Des­ta­cados eco­no­mistas, in­cluindo al­guns com Prémio Nobel, tanto com for­mação mar­xista como também con­ser­va­dora ou so­cial-de­mo­crata, têm di­vul­gado as suas aná­lises sobre as crise do sis­tema ca­pi­ta­lista que atin­giram de forma dra­má­tica os Es­tados Unidos pro­vo­cando a re­cessão de 1929 e se re­pe­tiram ao longo do sé­culo XX sa­cri­fi­cando vá­rios países até ex­pandir os seus efeitos de­vas­ta­dores em função da glo­ba­li­zação ao ini­ciar o sé­culo XXI.

As causas apon­tadas têm em comum a clas­si­fi­cação de uma crise sis­té­mica de­cor­rente da fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia que criou um super poder do sis­tema ban­cário sombra (shadow ban­king system) que abrange vá­rias em­presas fi­nan­ceiras que ficam fora de qual­quer re­gu­la­men­tação pelos Bancos Cen­trais dos res­pec­tivos países.

Grandes bancos – Lehman Brothers nos Es­tados Unidos em 2007, Bar­clays na In­gla­terra entre 2005 e 2009 com en­vol­vi­mento de ope­ra­dores de bancos fran­ceses So­ciété Gé­ne­rale e Credit Agri­cole, do alemão Deutsche Bank e do bri­tâ­nico HSBC (se­gundo re­por­tagem do site Fi­nan­cial Times de 18/​07/​2012) en­fren­taram fa­lên­cias, casos de cor­rupção es­can­da­losa, de­mis­sões de exe­cu­tivos de grandes cor­po­ra­ções, rou­ba­lheiras ex­plí­citas e des­mo­ra­li­zadas pu­bli­ca­mente, pu­nidos pela jus­tiça ou não.

Trata-se, como ex­plica Sérgio Bar­roso, numa série de ar­tigos di­vul­gados pelo Portal Ver­melho (PCdoB, Brasil) «de um pro­cesso que alia formas de ga­nância ca­pi­ta­listas nunca vistas, de braços dados à ide­o­logia do darwi­nismo so­cial; so­mados à gestão do Es­tado e da grande fi­nança in­tei­ra­mente a ser­viço do ca­pital sem quais­quer ve­lei­dades». Ou seja, a im­plan­tação da lei da selva onde vence o mais forte, com a anu­lação de todas as con­quistas da hu­ma­ni­dade que a di­fe­ren­ciam do reino animal.

Esta si­tu­ação de ga­nância ab­so­luta e des­prezo pelo seres hu­manos, que hoje faz uso das in­va­sões mi­li­tares e de es­pi­o­nagem para pro­mover con­flitos que de­ses­ta­bi­lizam as so­ci­e­dades des­truindo as es­tru­turas pro­du­tivas e as po­pu­la­ções civis, como bár­baros mo­dernos ou ban­didos vul­gares, abriu um ca­minho de en­ten­di­mento entre po­lí­ticos que ainda exigem os an­tigos prin­cí­pios hu­manos de dig­ni­dade, res­peito, so­li­da­ri­e­dade para a so­bre­vi­vência das Na­ções. O com­por­ta­mento sub­misso de go­vernos ma­ni­pu­lados pela troika na Eu­ropa e pelo poder mi­litar im­pe­rial nas áreas mais po­bres do pla­neta, en­ver­go­nham os que, in­de­pen­den­te­mente da ide­o­logia que pro­fessam, as­sistem à de­gra­dação da his­tória na­ci­onal e dos va­lores pa­trió­ticos.

As di­ver­gên­cias teó­ricas e ide­o­ló­gicas entre os es­pe­ci­a­listas em eco­nomia que con­denam a fi­nan­cei­ri­zação con­du­zida pelas em­presas que detêm o poder glo­ba­li­zado acima de qual­quer re­gu­la­men­tação ins­ti­tu­ci­onal, na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, si­tuam-se na meta es­ta­be­le­cida para a or­ga­ni­zação de pro­gramas de de­sen­vol­vi­mento e dis­tri­buição de renda, ca­pi­ta­lista ou so­ci­a­lista.

Dis­cutem or­ça­mentos, im­postos, sa­lá­rios mí­nimos e pen­sões de so­bre­vi­vência e a es­tru­tura de um «Es­tado So­cial», numa vã ten­ta­tiva de salvar a Nação à beira da mi­séria. Mas re­correm ao cré­dito que os donos do poder fi­nan­ceiro ofe­recem com juros al­tís­simos sem exer­cerem o dever cons­ti­tu­ci­onal de re­gu­la­men­tarem as em­presas que sobre-acu­mu­laram, por pro­cessos nem sempre lí­citos, o di­nheiro dos con­tri­buintes. Para de­mons­trarem a sua noção de dig­ni­dade e pa­tri­o­tismo, ex­plicam a ne­ces­si­dade moral de aplicar as con­di­ções de aus­te­ri­dade (que se traduz em de­sem­prego, cortes sa­la­riais, pri­va­ti­zação da saúde, da edu­cação e de bancos na­ci­o­nais, com o sa­cri­fício ex­clu­sivo das ca­madas mais po­bres da po­pu­lação e a des­truição das em­presas fa­mi­li­ares de pro­dução) sem re­fe­rirem o dever ético de dis­tri­buir a renda na­ci­onal de forma equi­li­brada para as­se­gurar a vida do seu povo e a dig­ni­dade de uma nação in­de­pen­dente.

Di­ante dessa farsa po­lí­tica, não po­derá haver acordo entre os par­tidos de es­querda e de di­reita, nem mesmo entre mi­li­tantes da di­reita que con­servam a noção de res­peito pelos seres hu­manos e de que a ri­queza na­ci­onal deve ser in­ves­tida na pro­dução e nas con­di­ções de vida do povo para ga­rantir a in­te­gri­dade pa­trió­tica e a in­de­pen­dência na­ci­onal.

O atual di­ri­gente do PS gastou uma se­mana (que agravou o pre­juízo fi­nan­ceiro do país e a cre­di­bi­li­dade dos or­ga­nismos res­pon­sá­veis pela sua con­dução po­lí­tica) no falso ce­nário da «sal­vação na­ci­onal», com os li­deres bir­rentos dos par­tidos de di­reita que com­petem entre si pelo be­ne­plá­cito da troika.

Ve­lhos so­ci­a­listas ame­a­çaram sair do PS acom­pa­nhados por uma ju­ven­tude que en­tende o so­ci­a­lismo para o cres­ci­mento eco­nó­mico em be­ne­fício da po­pu­lação, não da su­bor­di­nação ver­go­nhosa à «fi­nan­cei­ri­zação» dos agi­otas. Adriano Mo­reira, an­tigo líder do CDS, de­no­minou o termo «sal­vação na­ci­onal» de «es­drú­xulo» nesta si­tu­ação em que não há acordo pos­sível no en­ten­di­mento do ca­minho para evitar a der­ro­cada do País entre pes­soas com am­bi­ções pes­soais opostas.

O bom senso co­meça a criar uma apro­xi­mação de an­tigos ad­ver­sá­rios com a pro­posta de es­querda (no Par­la­mento e em ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares por todo o país) que vem sendo re­pe­tida desde o início da su­bor­di­nação ao co­mando da troika, de que o pro­grama do Go­verno está er­rado desde o seu nas­ci­mento (como con­fessou o seu ex-mi­nistro das Fi­nanças) por não levar em con­si­de­ração a vida dos tra­ba­lha­dores que pro­duzem a sal­vação e a in­de­pen­dência na­ci­o­nais e só agir como agiota au­to­ri­tário.

Qual­quer cri­ança é capaz de com­pre­ender que os go­ver­nantes devem ser es­co­lhidos pela mai­oria da po­pu­lação se es­ti­verem de­ci­didos e ca­pa­ci­tados para or­ga­nizar o tra­balho pro­du­tivo que ga­rante em­prego para a po­pu­lação ativa, as­se­gurar o fun­ci­o­na­mento das es­colas, dos ser­viços de saúde, as re­formas para quem já não está em con­di­ções de tra­ba­lhar. E mais, de­fender a in­de­pen­dência de Por­tugal que não será co­lónia de ne­nhum poder ex­terno. Esta é a al­ter­na­tiva pa­trió­tica capaz de unir os por­tu­gueses que con­servam o bom senso e o ato elei­toral é ur­gente.




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