Mais dependência e desastre
Qualquer amarra à troika para lá de Junho de 2014 – chame-se-lhe o que se quiser – é má para o País e só comprova, à luz dos interesses nacionais, o completo falhanço desta política.
Seja «segundo resgate, “programa cautelar” ou “seguro”, do que se trata é do reconhecimento do fracasso desta política que está a afundar o País», sublinhou o Secretário-geral do PCP, dia 23, no debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento.
Este foi um tema muito presente nas intervenções das várias bancadas por força das afirmações em Londres do ministro da Economia quanto à necessidade de encetar a negociação de um novo programa cautelar.
Não estabelecer semelhanças entre um tal programa e um segundo resgate foi a preocupação dos partidos da maioria governamental. «Um programa cautelar é muito diferente de um segundo resgate», fez questão de mencionar o líder parlamentar do PSD Luís Montenegro, enquanto Nuno Magalhães, detalhando alegadas diferenças entre um e outro, apontou como exemplo de programa cautelar «o que irá acontecer à Irlanda por ter cumprido», dando como exemplo de segundo resgate «o que aconteceu à Grécia por não ter cumprido».
Ora a verdade é que para Jerónimo de Sousa um tal «novo programa de cautelar nada tem» e, a concretizar-se, «seria um programa da troika sob a batuta da dupla União Europeia/BCE».
E a este propósito não deixou de observar as contradições existentes entre as afirmações de Pires de Lima e as proferidas quer pelo chefe do Governo quer pelo vice-primeiro-ministro. Lembrou nomeadamente que se Passos Coelho no Algarve disse que depois de Junho de 2014 «ainda vamos ter cá a troika», já Paulo Portas, para justificar a carga de sacrifícios sobre os portugueses, afiançava que tais sacrifícios «iriam libertar Portugal da troika e dos senhores da troika».
Manobras
Face à divergência de conteúdos, «quem é que está a enganar quem?», foi a pergunta do líder comunista, para quem, além do implícito reconhecimento de fracasso, tais posições são ainda reveladoras de que o «novo ciclo e a retoma anunciados pelo Governo não passa de propaganda, que o sofrimento e os sacrifícios que se abateram sobre os portugueses serviu uns poucos mas não resolveu nenhum dos grandes problemas do País».
É aliás disso testemunho, assinalou, a subida da dívida pública portuguesa no segundo semestre para 131% do PIB, segundo o Eurostat.
Por isso Jerónimo de Sousa considerou que as posições aparentemente antagónicas de alguns dos membros do Governo não passam de manobras com as quais procuram justificar a continuação deste «caminho para o desastre e de perpetuação da dependência».
Passos Coelho, na resposta, afirmou estar «a trabalhar arduamente para encerrar o programa de assistência económica e financeira» e que este «será encerrado de forma favorável se cumprirmos as nossa metas e não voltarmos a precisar de assistência». Detalhando, sempre no condicional, estimou que isso acontecerá se Portugal «amortizar as obrigações do tesouro, as obrigações que resultem das necessidades orçamentais», se «pudermos ir ao mercado e obter taxas compatíveis com o financiamento do Estado».
«É por aqui que se mede sucesso do programa», frisou, admitindo que podemos «precisar ou não de mais alguma assistência ou apoio para regressar plenamente ao mercado». «Pode ser que sim, pode ser que não», admitiu, não excluindo nenhum dos cenários. «Sim, não, talvez..., respondeu com uma tripla», anotou Jerónimo de Sousa, pondo a nu o carácter ambíguo da explicação.
Mais buracos?
Introduzida no debate foi ainda a questão do Banif, com o dirigente do PCP – preocupado que está em saber se os portugueses não vão ser chamados de novo a pagar um outro buraco num banco – a perguntar ao chefe do Governo se «está em condições de garantir que o Banif não se transformará num novo BPN».
«Quanto é que o Banif já devolveu dos 1100 milhões que recebeu do Estado e o que é que o Governo já exigiu para a devolução desse dinheiro?», insistiu em saber, não deixando de registar que um Governo «tão célere em cobrar aos desempregados e aos doentes os respectivos subsídios é o mesmo que tem mãos largas, mãos rotas para os amigos».
Para Jerónimo de Sousa isto tem um nome: «uma política para servir os grandes, atacando quem menos tem e menos pode». E por isso concluiu que este Governo o que está a fazer é «um Estado mínimo para quem trabalhou ou trabalha e um Estado máximo para os poderosos, para o grande capital». O que, sublinhou, «marca a natureza deste Governo».
Passos Coelho manifestou incómodo pela expressão «mãos largas para os amigos». «Ó senhor deputado, eu não tenho amigos», afirmou, despertando risada geral. «Não admira», ouviu-se em aparte oriundo da bancada comunista. «Eu não tenho amigos no Banif», precisou o primeiro-ministro, adiantando que a recapitalização dos bancos decorreu «num quadro de transparência, de escrutínio e de avaliação responsável».
Resposta manifestamente insatisfatória que levou Jerónimo de Sousa a fazer notar a Passos Coelho que fora omisso no que toca à questão de saber quanto é que o Banif devolveu da verba que o Estado lá colocou.
Vozes indignadas
Jerónimo de Sousa confrontou ainda o primeiro-ministro com as manifestações de justa indignação das populações do interior do País que «todos os dias vêem desaparecer serviços públicos essenciais para o seu viver e importantes também para garantir emprego nas suas terras». Depois de escolas, centros de saúde, tribunais, são agora as repartições de finanças a ser alvo da sanha destruidora do Governo, mais de centena e meia.
E deu o exemplo bem próximo da terra de origem de Passos Coelho, Valpaços, onde o encerramento da repartição de Finanças obriga a que as pessoas se desloquem agora a Vila Real. No distrito de Portalegre, das 14 repartições existentes vão sobrar duas… e por aí fora. A demonstrar que com este Governo se é penalizado em função da sua origem social mas também do sítio onde se nasce, como bem lembrou o dirigente do PCP.
«O que é que ganha o País com esta política de desertificação do interior? Porquê esta cegueira que varre tudo e todos, indiferente às consequências que tem para a garantia da coesão social e territorial do País?», questionou Jerónimo de Sousa, explicando ser por esta e por outras que o PCP afirma que «esta política tem que ser interrompida e este Governo travado, antes que dê cabo do resto».