Para aumentar idade de reforma

Governo manipula dados do INE

Eugénio Rosa

O Go­verno al­terou ar­bi­tra­ri­a­mente a fór­mula de cál­culo do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade da Se­gu­rança So­cial para au­mentar a idade de re­forma e de apo­sen­tação, mas não sa­tis­feito com os re­sul­tados ob­tidos al­terou os dados do Ins­ti­tuto Na­ci­onal de Es­ta­tís­tica para obter um corte mais ele­vado nos ren­di­mentos dos fu­turos re­for­mados e apo­sen­tados.

Os dados do INE uti­li­zados no seu cál­culo não de­ter­minam um corte nas pen­sões que sa­tis­faça o Go­verno

No preâm­bulo do pro­jeto de de­creto-lei 472/​2013, o Go­verno PSD/​CDS, para jus­ti­ficar o au­mento da idade de re­forma e de apo­sen­tação, em 2014, para 66 anos afirma: «Tendo em conta a nova fór­mula de de­ter­mi­nação do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade e os va­lores da es­pe­rança média de vida aos 65 anos cor­res­pon­dentes aos anos de 2000 e 2012, pu­bli­ci­tados pelo Ins­ti­tuto Na­ci­onal de Es­ta­tís­tica, I.P., o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade de 2013 é igual a 0,8832, a que cor­res­ponde um efeito re­dutor no cál­culo das pen­sões de 11,68%.». E de­pois, com base nesta afir­mação, con­clui: «Tendo em conta a taxa mensal de bo­ni­fi­cação de 1% são ne­ces­sá­rios 12 meses para com­pensar o efeito re­dutor do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade de 2013, pelo que a idade normal de acesso à pensão de ve­lhice em 2014 é de 65 anos mais 12 meses». No en­tanto, a ver­dade é outra. Os va­lores da es­pe­rança de vida aos 65 anos pu­bli­cados pelo INE que constam do Quadro anexo a este es­tudo (co­piámos os écrans do site do INE para pro­varmos com mais força o que afir­mamos) con­duzem a va­lores di­fe­rentes para o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade dos apre­sen­tados pelo Go­verno.

O Go­verno pre­tende al­terar ar­bi­tra­ri­a­mente, na atual fór­mula do cál­culo do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade, o nu­me­rador. Atu­al­mente o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade, que reduz a pensão, obtém-se di­vi­dindo a es­pe­rança de vida aos 65 anos no ano 2006 pela es­pe­rança de vida aos 65 anos no ano an­te­rior àquele ao que tra­ba­lhador se re­forme ou apo­sente. Para o corte na pensão ser maior, o Go­verno PSD/​CDS pre­tende subs­ti­tuir o nu­me­rador e para isso, deixa de uti­lizar a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2006, pas­sando a uti­lizar a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2000. Por ou­tras pa­la­vras, o Go­verno PSD/​CDS pre­tende que, em 2014, o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade se ob­tenha di­vi­dindo a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2000 pela es­pe­rança de vida aos 65 anos no ano an­te­rior àquele em que o tra­ba­lhador se re­forme ou se apo­sente que é a de 2013.

Vamos cal­cular o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade uti­li­zando estas duas fór­mulas e os dados que o INE di­vulgou sobre a es­pe­rança de vida aos 65 anos de 2000, de 2006, e de 2013.

Os re­sul­tados apre­sentam-se se­gui­da­mente para o leitor, por um lado, ficar a co­nhecer a di­fe­rença nos cortes das pen­sões cau­sados por uma e outra e, por outro lado, para con­cluir também que o go­verno mente.

1. Fator de sus­ten­ta­bi­li­dade em 2014 cal­cu­lado com base nas re­gras atuais:

  •  Como a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2006 era de 17,94 anos, como consta da Por­taria 429/​2013, di­vi­dindo este valor pela es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2013, que era 18,97 anos, con­forme di­vulgou re­cen­te­mente o INE (ver Quadro), obtém-se 0,9457, o que sig­ni­fica um corte na pensão de 5,43% em 2014.

2. Fator de sus­ten­ta­bi­li­dade para 2014 cal­cu­lado com base nas re­gras que o Go­verno PSD/​CDS quer impor a partir do início de 2014:

  • Como a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2000 era apenas de 17,04 anos, con­forme di­vulgou o INE (ver Quadro), di­vi­dindo este valor pela es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2013 que era 18,97 anos se­gundo o INE (ver Quadro) obtém-se 0,8982, o que sig­ni­fica um corte na pensão de 10,17%, e não 11,86% como afirma o Go­verno no preâm­bulo do pro­jeto de de­creto-lei 427/​2013.

Por­tanto, o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade cal­cu­lado com base nas re­gras atuais de­ter­mi­naria um corte de 5,4% nas pen­sões atri­buídas em 2014. O Go­verno con­si­dera que este corte geral nas pen­sões de 2014 é in­su­fi­ci­ente e não serve as suas in­ten­ções e as da «troika» em re­duzir os ren­di­mentos dos fu­turos re­for­mados e apo­sen­tados. Então al­tera ar­bi­tra­ri­a­mente a fór­mula de cál­culo do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade mu­dando o nu­me­rador (até aqui era a es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2006, e subs­titui-a pela es­pe­rança de vida aos 65 anos em 2000). Mas mesmo assim os dados do INE uti­li­zados no seu cál­culo não de­ter­minam um corte nas pen­sões que sa­tis­faça o Go­verno. Então al­tera os dados do pró­prio INE para obter um valor do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade que de­ter­mina um corte mais ele­vado nas pen­sões – 11,68% – e de­pois ar­re­donda este valor para cima, pas­sando o corte a ser de 12%. É desta forma que o Go­verno jus­ti­fica o au­mento da idade de re­forma e de apo­sen­tação, em 2014, para 66 anos.

A per­gunta que se co­loca na­tu­ral­mente é a se­guinte: que cre­di­bi­li­dade me­rece um go­verno que al­tera ar­bi­tra­ri­a­mente a fór­mula de cál­culo do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade e que não sa­tis­feito com

os re­sul­tados ob­tidos al­tera os dados do INE para obter um corte mais ele­vado?

Car­reiras longas também pe­na­li­zadas

Agora iremos ana­lisar mais um as­peto do pro­jeto de de­creto-lei do go­verno PSD/​CDS com con­sequên­cias graves para os fu­turos pen­si­o­nistas também im­por­tante: o dos tra­ba­lha­dores com car­reiras longas.

Na Ale­manha a CDU da sra. Merkel e o SPD aca­baram de acordar a fle­xi­bi­li­dade da idade de re­forma desses tra­ba­lha­dores per­mi­tindo que os tra­ba­lha­dores com car­reiras longas se possam

re­formar com 63 anos. Em Por­tugal o Go­verno PSD/​CDS pre­tende impor o se­guinte: «Na data em

que o be­ne­fi­ciário per­faça 65 anos, a idade normal de acesso à pensão é re­du­zida em 4 meses por cada ano civil que ex­ceda os 40 anos de car­reira con­tri­bu­tiva com re­gisto de re­mu­ne­ra­ções re­le­vante para efeitos de taxa de for­mação da pensão, não po­dendo a re­dução re­sultar no acesso à pensão de ve­lhice antes da­quela idade». Até aqui, no caso de re­forma ou apo­sen­tação an­te­ci­pada, era re­du­zida a idade legal de acesso à re­forma ou à apo­sen­tação em um ano por cada três anos de des­contos com­pletos que o tra­ba­lhador ti­vesse para além de 30 anos de des­contos no dia em que fez 55 anos.

Na CGA esta bo­ni­fi­cação para os tra­ba­lha­dores com car­reiras longas foi eli­mi­nada através da lei do corte nas pen­sões (n.º4 do art.º 8.º da lei apro­vada pelo PSD/​CDS na As­sem­bleia da Re­pú­blica que foi en­viada pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica ao Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal).

Na Se­gu­rança So­cial as re­formas an­te­ci­padas estão con­ge­ladas, por isso esta bo­ni­fi­cação também não se aplica. Agora, em subs­ti­tuição do que existia, o Go­verno pre­tende in­tro­duzir uma norma em que o tra­ba­lhador só tem di­reito à bo­ni­fi­cação a partir de 40 anos de des­contos para a Se­gu­rança So­cial e de 65 anos de idade. Assim, de acordo com o art.º 5. do pro­jeto de de­creto-lei do Go­verno: «Na data em que o be­ne­fi­ciário per­faça 65 anos, a idade normal de acesso à pensão é re­du­zida em quatro meses por cada ano civil que ex­ceda os 40 anos de car­reira con­tri­bu­tiva com re­gisto de re­mu­ne­ra­ções re­le­vante para efeitos de taxa de for­mação da pensão, não po­dendo a re­dução re­sultar no acesso à pensão de ve­lhice antes da­quela idade». Por­tanto, só por cada ano que ex­ceda os 40 anos no dia em que o tra­ba­lhador fez 65 anos de idade é que é re­du­zida a idade normal de acesso à pensão, que em 2014 o Go­verno pre­tende que seja 66 anos, em quatro meses, e mesmo assim com a con­dição que essa re­dução não de­ter­minar uma idade in­fe­rior a 65 anos (na Ale­manha 63, em Por­tugal 65 anos).

Vá­rios tra­ba­lha­dores per­guntam se esta norma também se aplica às re­formas an­te­ci­padas pe­didas por de­sem­pre­gados de longa du­ração. A res­posta é NÃO. A única al­te­ração que o Go­verno pre­tende fazer em re­lação à re­forma de tra­ba­lha­dores atin­gidos pelo de­sem­prego de longa du­ração só se aplica aos que acei­taram o des­pe­di­mento por mútuo acordo mas que te­nham di­reito a re­ceber o sub­sídio de de­sem­prego. E a al­te­ração é a se­guinte: «Nos casos em que a si­tu­ação de de­sem­prego de­corra de ces­sação do con­trato de tra­balho por acordo, ao mon­tante da pensão, cal­cu­lado nos termos dos n.os 1, 2 e 3, é apli­cado um fator de re­dução re­sul­tante da fór­mula 1 – (n x 3%) em que n cor­res­ponde ao nú­mero de anos de an­te­ci­pação entre os 62 e a idade normal de acesso à pensão de ve­lhice em vigor». Por­tanto, o tra­ba­lhador que tenha aceite o de­sem­prego por mutuo acordo, e se não tiver já a idade de acesso normal à pensão de ve­lhice (66 anos em 2014, que au­menta nos anos se­guintes), sofre uma pe­na­li­zação (corte na pensão) cor­res­pon­dente a 3% por cada ano entre os 62 anos de idade e a idade legal de acesso à pensão em vigor nessa al­tura. Esta pe­na­li­zação é eli­mi­nada quando o de­sem­pre­gado re­for­mado atinja a idade legal de acesso à pensão que na al­tura es­teja em vigor. De acordo com o n.º 3 do art.º 58.º do De­creto-Lei 220/​2006, no caso de re­forma an­te­ci­pada de de­sem­pre­gados de longa du­ração «o nú­mero de anos de an­te­ci­pação a con­si­derar para de­ter­mi­nação da taxa global de re­dução para cál­culo da pensão é re­du­zido de um ano por cada pe­ríodo de três anos que ex­ceda 32 anos de car­reira con­tri­bu­tiva aos 57 anos de idade», dis­po­sição esta que não é al­te­rada pelo pro­jeto de de­creto-lei do Go­verno.




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