Boas festas e grandes lutas

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política do PCP)

Esta é a época das festas de família, por e em todos os lugares do mundo em que pesam as tradições, a cultura e as religiões cristãs e muito para além disso. É um momento no calendário em que a ideologia dominante nos impõe afelicidade- estamos obrigados a ser felizes, ou pelo menos a fazê-lo constar. Mas a verdade é que não é bem assim. Do nosso ponto de vista, temos justamente o direito a umas boas festas, a um Natal de dignidade, ao descanso merecido, ao convívio e à fruição da família e dos amigos e a um ano novo e um futuro melhor, de paz, humanidade e justiça, mas esse é também o caminho de grandes lutas a travar.

Tradições e valores 

 O Natal, como data do nascimento de Jesus Cristo, passou a ser comemorado a 25 de Dezembro (7 de Janeiro, nos países eslavos), a partir do ano 350, por decisão do Papa Júlio I, para fazer avançar o cristianismo no Império Romano, porque nesta mesma altura do ano se celebrava a Saturnália, festa popular e religiosa do deus Saturno e do solstício de Inverno, semelhante a outras festividades em todos os azimutes.

As festas saturnais de Roma celebravam a época mitológica em que os homens viviam em paz, sem classes, nem grandes dificuldades e louvavam o sol que trazia a abundância. Duravam uma semana, de lazer, banquetes e felicidade, em que até os escravos recuperavam alguns direitos, e paravam as actividades produtivas e a guerra. O Natal cristão foi integrando as festas pagãs da Saturnália e veio a ser reconhecido em 529 pelo Imperador Justiniano.

Na sua religiosidade e ainda mais na sua mundanidade, o Natal foi registando as circunstâncias e consequências do tempo histórico, foi usado para impor pela espada a conversão dos “gentios” e chegou a ser proibido por igrejas protestantes que consideraram a data anti-bíblica.

Hoje em dia, o Natal tornou-se um grande evento quase planetário, em que se somam a fé, a religiosidade e a grande feira pagã de todos os negócios, a festa da família e o hedonismo consumista, a felicidade pré-estabelecida e a sua frustração, a solidariedade e a injustiça social. O Natal dos dias de hoje foi expropriado pelo sistema e abusado à saciedade para extorquir mais valias e lucros. A alienação capitalista fez do Natal o seu contrário, tornou-o elemento de exploração e desigualdade e substituiu o ser pelo ter.

O Natal cristão original - digamos assim - comporta valores de humanismo, de proximidade aos explorados e oprimidos, de paz, justiça e igualdade, que vêm do «cristianismo primitivo» e estão impressos no acervo cultural das massas católicas, que importa defender e valorizar, tanto mais que não estão longe de ideais e propostas dos democratas e patriotas.

Mas a verdade é que a homilia de certos altos dignitários dá cobertura ao discurso de forças e interesses da política de direita e do saque do país, ao contrabando ideológico das “inevitabilidades” e da resignação, ao diagnóstico correcto sobre a «economia de exclusão e desigualdade», mas que assim esconde as verdadeiras propostas alternativas, ou à caridade como panaceia para a regressão social, que instrumentaliza os sentimentos altruístas para procurar assegurar que se perpetuam a dominação de classe, as desigualdades e a exploração. Por isso se impõe intervir com os cristãos pelo direito a um Natal de dignidade para os que trabalham, para os que menos têm e menos podem.

O caminho da luta

Em Portugal, neste Natal de 2013, estamos confrontados com a ofensiva mais brutal e iníqua que os trabalhadores, o povo e a pátria já enfrentaram desde o fascismo. É a extorsão sem princípios nem fim à vista, a traição nacional sem vergonha e a destruição da soberania sem remissão.

O Orçamento de Estado e as medidas decorrentes da «avaliação da troika» estrangeira e da política do Governo PSD/CDS, que o PS quer que continuem até meados de 2015, e que depois, se por desgraça tivesse essa possibilidade, prosseguiria com nova roupagem, constituem um atentado ao presente e põem em causa o futuro do país. Mais que um «protectorado» este é um país condenado a soçobrar se não romper com este rumo de declínio, se não construir uma nova política e uma alternativa patrióticas e de esquerda.

Lá chegaremos, seguramente, pela intensificação da luta de massas, pelo reforço do Partido e a correspondente alteração da correlação de forças no plano político e pela convergência dos sectores sociais não monopolistas, dos democratas e patriotas. A luta faz-se agora, pelo direito a um Natal de dignidade e justiça, por um ano novo e um futuro melhor, de paz, humanidade e progresso social.




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