- Nº 2093 (2014/01/9)

«El Maestro»

Argumentos

Estava eu a pensar que havia de ser professor, anos antes de me apaixonar por jornalismo, e nem sequer tinha ouvido falar de Patxi Andion, cantautor que vim depois a admirar e muito, que mais tarde viria a ser docente universitário, as voltas que a vida dá, ele na secretária de ensinar, eu na tarefa de andar por aí a saber coisas para as dar a conhecer e, ao mesmo tempo, a ensinar jornalismo numa escola secundária, caminhos paralelos esses, os de divulgar canções, de espalhar palavras que se pensa serem asseguradamente correctas, eu a percorrer o meu rumo com notícias escrupulosamente desenhadas para jornais como mandam as regras, sem deitar as cantigas para trás das costas, ele na mesma de não deixar cair as músicas e as palavras delas e a (in)formar, também cantando.

Isto não mereceria o que ora escrevo, não fora acontecimentos recentes, ocorridos no dia 18 de Dezembro, devidos a uma prova de avaliação de professores. O que tem a ver com jornalismo, definitivamente, até por causa do que, através do meio, os fazedores de notícias comunicam aos receptores deles, e ainda porque Patxi Andion escreveu, musicou e cantou uma cantiga soberba sobre a questão. E a questão não é de somenos.

Ensinar, falar aos alunos sobre guerras e dizer, declaradamente, quem venceu e quem foi vencido nelas, foi, segundo a canção do Patxi, uma razão que levou à censura de um docente amado pelos alunos e desprezado (falo ainda da cantiga), por «defensores do regime»: alguns políticos, alguns clérigos, alguns pais integrados no sistema. Alargando a metáfora da análise, seria, segundo esses defensores do «status», pecaminoso ensinar docente e, por consequência, decentemente, as coisas que devem ser ensinadas por quem, estando preparado legalmente e, por vontade própria, militantemente, para ensinar, não coincidiam com a vontade do poder instituído.

Não querendo ser redutor, ou acusado de olhar só para um lado da questão, apetece-me dizer o que disseram os professores que foram entregar os seus «canudos» à universidade que os formou, alegando que quem comanda o destino dos docentes põe em causa a idoneidade das faculdades que os formaram exactamente para serem docentes.

Ouvindo o sr. secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, no final de um dia em que os professores contestaram, por via da greve os designados para avaliar, ou, por via da contestação activa, os que, sendo contratados, pagaram para ser ou não despedidos, dizer que «a avaliação dos professores correu com normalidade», quando, antes da infame e mentirosa análise que o dito secretário fez perante as câmaras de televisão, tinha visto e ouvido que, comprovadamente, foi dito um enorme não à «prova de vida» dos profes contratados, não pude deixar de me lembrar das palavras da canção «El Maestro», do Patxi Andión, que transcrevo em tradução livre:

«Por estas e outras razões / por fim triunfou o bom juízo / e quando acabou o Inverno / despediram-no por não ser preciso».

As «boas razões» invocadas, ironicamente, por Patxi Andion, são, não tenhamos dúvidas, as mesmas que levam à subconcessão (?) dos Estaleiros de Viana do Castelo, à privatização dos CTT e, alargando o leque sem esforço, que definem a ideologia que tem conduzido ao miserabilismo de quem trabalha, ao emprobecimento do país, ao fim da classe média, ao aumento do número de multimilionários em Portugal.

Chegou o Inverno. O vice-primeiro ministro garantiu que não vai haver diminuição de salários por saber que essa diminuição já foi decretada para Janeiro. No fim do Inverno quem mais vai ser despedido por, digamos, não ser preciso?


Poema do Natal bonsai

 

Natal dizemos nós antecipando

as horas de fingirmos que na terra

só temos homens de boa vontade.

E quando chega o dia distribuímos

cartões de visita que assinamos:

toma nota de mim! Vê que sou bom!

Que dou! Não me agradeces? E um sorriso

até parece que comprova

o homem de bem que todos somos.

Natal é mesmo o único dia

em que a palavra hipocrisia

rima, solene, com a alegria

tão breve com que a nós nos enganamos.

 

E mesmo assim lá vamos

lá cumprimos

a trégua que dá um feriado à Bolsa.

Ao menos o Natal há-de ser dia

de não haver ninguém a fazer leis

que obrigam qualquer dia do novo ano

a ser o desnatal quotidiano

de quantos esperam sempre um pouco mais.

 

Porém, passaram já tantos natais

de prendas a minguar cada vez mais

que mesmo com esforço os sorrisos

a pouco e pouco se vão esfumando

saindo pelas nossas chaminés

por onde nos entravam pais natais.

 

E mesmo assim nós vamos pondo a mesa.

E ainda assim nós fazemos a festa.

Natal é o disfarce da tristeza

da pouca alegria que nos resta.

 

Natal, 2013


Nuno Gomes dos Santos