Bolsas na área da investigação e ciência

Uma política de devastação

O Go­verno está sob fogo cer­rado de­vido à re­dução das bolsas e às suas más op­ções no plano do sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal.

Me­tade dos tra­ba­lha­dores ci­en­tí­ficos tem vín­culos pre­cá­rios e não vê re­co­nhe­cidos di­reitos bá­sicos

De­pois dos in­ves­ti­ga­dores e ci­en­tistas na­ci­o­nais terem feito ouvir a sua voz na rua na­quele que foi o seu maior pro­testo de sempre, o as­sunto do­minou na pas­sada se­mana por duas vezes o de­bate par­la­mentar, com o PCP a acusar o Go­verno de querer des­man­telar o sis­tema pú­blico de in­ves­ti­gação e ci­ência. A de­pu­tada co­mu­nista Rita Rato, numa de­cla­ração po­lí­tica em nome da sua ban­cada, falou mesmo de «ce­nário de des­truição» a pro­pó­sito dos re­sul­tados do con­curso de bolsas in­di­vi­duais de dou­to­ra­mento e pós dou­to­ra­mento.

As pre­o­cu­pa­ções do PCP em re­lação a esta ma­téria não são de hoje, aliás, e a com­prová-lo está a sua ad­ver­tência no de­bate na es­pe­ci­a­li­dade do OE para 2014 quanto ao im­pacto gra­vís­simo na vida de mi­lhares de in­ves­ti­ga­dores pro­vo­cado pela re­dução de 26 mi­lhões no or­ça­mento da Fun­dação para a Ci­ência e a Tec­no­logia (FCT) des­ti­nado às bolsas de in­ves­ti­gação.

Ora o que re­sultou dessa re­dução drás­tica no nú­mero de bolsas con­ce­dido foi que «mais de cinco mil in­ves­ti­ga­dores viram as suas vidas andar ainda mais para trás», ao mesmo tempo que os «res­pon­sá­veis dos cen­tros e uni­dades de in­ves­ti­gação co­me­çaram a ver o tra­balho de dé­cadas a ruir como um cas­telo de cartas».

A esta questão subs­tan­tiva acresce, en­tre­tanto, os «pro­blemas graves» iden­ti­fi­cados no que toca à al­te­ração da or­de­nação dos can­di­datos, «co­lo­cando em causa o tra­balho de ava­li­ação ci­en­tí­fica dos pai­néis de júris». O que levou, como re­feriu a de­pu­tada do PCP, vá­rias as­so­ci­a­ções a as­su­mirem po­si­ções pú­blicas, entre elas a de So­ci­o­logia, An­tro­po­logia, As­tro­nomia, lin­guís­tica e o Con­selho dos La­bo­ra­tó­rios As­so­ci­ados.

Ex­plo­ração

Mas o que os con­cursos pu­seram também a nu – e esta é uma se­gunda linha de aná­lise da ban­cada co­mu­nista – é o con­junto de «de­bi­li­dades pro­fundas duma po­lí­tica ba­seada em “bolsas” e “pro­jectos” que não per­mite de­sen­volver e con­so­lidar a base hu­mana e ma­te­rial onde as­senta um SCTN que res­ponda às ne­ces­si­dades do País».

«A pre­ca­ri­e­dade não é ci­mento de qua­li­dade», re­alçou Rita Rato, con­victa de que não há sis­tema pú­blico de in­ves­ti­gação e ci­ência que possa cons­truir-se «com base na des­va­lo­ri­zação do tra­balho, im­po­sição de tra­balho não re­mu­ne­rado».

É isso porém que acon­tece no nosso País, la­mentou, lem­brando que 25 000 in­ves­ti­ga­dores a tempo in­te­gral são pre­cá­rios, o que cor­res­ponde a cerca de me­tade dos tra­ba­lha­dores ci­en­tí­ficos.

Tra­ba­lha­dores que são os «mais qua­li­fi­cados do País» mas, si­mul­ta­ne­a­mente, «os mais ex­plo­rados nos seus di­reitos», de­nun­ciou, re­cor­dando que lhes é ne­gado o di­reito à pro­tecção so­cial na do­ença e no de­sem­prego, o sub­sídio de fé­rias e o de Natal, es­tando ainda «su­jeitos à re­a­li­zação de tra­balho não re­mu­ne­rado», a dar «aulas a custo zero».

Be­ne­fi­ciar pri­vados

Alvo da crí­tica da ban­cada do PCP é, por outro lado, o de­sin­ves­ti­mento a que tem es­tado su­jeita a Ci­ência e Tec­no­logia, ten­dência que vem do an­te­rior go­verno PS e que co­nheceu um agra­va­mento sig­ni­fi­ca­tivo com o ac­tual de Passos e Portas.

Su­bli­nhado por Rita Rato foi esse in­di­cador que mostra que a des­pesa na­ci­onal em I&D di­vi­dida pelo nú­mero de in­ves­ti­ga­dores ac­tivos é in­fe­rior a um terço da média da União Eu­ro­peia a 28, sendo que tem re­gre­dido nos úl­timos anos.

E só o «em­penho, de­di­cação ao tra­balho e es­forço pú­blico» podem ex­plicar os «avanços re­gis­tados» no plano da in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica em Por­tugal, con­si­derou, dei­xando claro que o «es­forço pri­vado foi sempre re­si­dual».

Re­cu­sando que o sis­tema pú­blico de in­ves­ti­gação e ci­ência tenha in­ves­ti­ga­dores a mais – «o sector pri­vado é que tem in­ves­ti­gação a menos», ob­servou –, Rita Rato cri­ticou por fim o «novo pa­ra­digma» (ver caixa) anun­ciado pelo Go­verno, o qual, de­nun­ciou, visa «su­bor­dinar a pro­dução ci­en­tí­fica e tec­no­ló­gica ao mer­cado pri­vado». Por ou­tras pa­la­vras, trata-se de «con­cen­trar fi­nan­ci­a­mento pú­blico nos pri­vados em de­tri­mento do de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial do País», pros­se­guindo a ca­mi­nhada de des­truição das fun­ções so­ciais do Es­tado.

 

Cortar à bruta

Foi brutal a re­dução do nú­mero de bolsas con­ce­didas pela FCT. Nas bolsas de dou­to­ra­mento, com 3433 can­di­da­turas, só 298 foram apro­vadas. Das 2319 can­di­da­turas a bolsas de pós dou­to­ra­mento apenas 233 me­re­ceram apro­vação. Em suma, apenas nove por cento das can­di­da­turas de 2013 foram apro­vadas. Nú­meros que sig­ni­ficam um re­tro­cesso de cerca de vinte anos no sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal e que têm, como alerta a As­so­ci­ação de Bol­seiros de In­ves­ti­gação Ci­en­tí­fica (ABIC) «con­sequên­cias trá­gicas» na vida de mi­lhares dos mais qua­li­fi­cados qua­dros, bem como nas ins­ti­tui­ções de I&D (que assim ficam pri­vadas desses re­cursos hu­manos), e no de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, so­cial e cul­tural do País.

 

Ali­mentar o lucro

A de­pu­tada Rita Rato de­sa­fiou o mi­nistro da Edu­cação a as­sumir as «con­sequên­cias po­lí­ticas» da sua de­cisão, acu­sando-o de atirar areia para os olhos das pes­soas. Aludia à afir­mação de Nuno Crato de que agora «o Go­verno não está a atri­buir bolsas a pes­soas in­di­vi­duais mas a fazer pro­gramas dou­to­rais». «Não é ver­dade», ga­rantiu Rita Rato, as­si­na­lando que o nú­mero de pro­gramas dou­to­rais a con­curso nem se­quer chega a 10% do valor de bolsas in­di­vi­duais atri­buídas em 2012.

Rita Rato, que res­pondia a uma per­gunta da de­pu­tada do PS Elsa Pais, abordou ainda a questão de saber para onde quer o Go­verno ca­na­lizar o di­nheiro da in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica e ao ser­viço de quê e de quem.

Trata-se de per­ceber se o sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal deve servir o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial, «ala­van­cado no sis­tema pú­blico de in­ves­ti­gação», como de­fende o PCP, ou se deve apenas existir para «ali­mentar os lu­cros dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros».

Ora é pre­ci­sa­mente esta se­gunda opção que dá corpo ao que o Exe­cu­tivo de­signa por «novo pa­ra­digma», con­si­derou a de­pu­tada co­mu­nista, para quem o novo con­ceito está pos­suído de uma «forte carga ide­o­ló­gica» mar­cada pela visão de que o sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal deve estar não ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento da co­mu­ni­dade mas sim dos grandes grupos eco­nó­micos, sa­tis­fa­zendo as ne­ces­si­dades destes no­me­a­da­mente en­quanto fonte de in­ves­ti­mento em in­ves­ti­gação capaz de ma­xi­mizar os seus lu­cros.

 



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