Redução do défice e milagre económico

Uma enorme operação de propaganda (*)

Eugénio Rosa

Após o governo ter anunciado um défice orçamental em contabilidade pública inferior a 5%, que é diferente do défice real, que é só dado pela contabilidade nacional, Marco António, coordenador da comissão política nacional do PSD, veio logo dizer na televisão que «Portugal está no rumo certo» e congratular-se pelos «Bons resultados alcançados»; José Gomes Ferreira da SIC, embora dizendo que aquele valor do défice devia ter sido alcançado de outra forma, também afirmou na mesma linha que com aquele «Resultado estamos de parabéns»; Bruno Proença, diretor do D.E. escreveu mesmo «Parabéns aos portugueses pelo défice de 2013»; etc.

Desde 2010 reduziu-se o défice em 8680 milhões de euros à custa do aumento dos impostos em 9000 milhões de euros e de um corte na despesa pública (salários, saúde, educação, prestações sociais, etc.) de 13 200 milhões de euros

O coro de elogios é geral por parte dos apoiantes do Governo e dos comentadores com acesso fácil aos media. Por isso interessa analisar com objetividade e de uma forma fundamentada o défice anunciado, como foi obtido e suas caraterísticas, e o que significa, pois a redução do défice não é um objetivo que se justifique por si mesmo.

Em primeiro lugar, expliquemos por que razão afirmamos que a redução de um défice não é, por definição, uma coisa boa ou má. E para concluir basta ter presente que a redução do défice e o equilíbrio das contas públicas foi a justificação utilizada para impor em Portugal o regime fascista de Salazar e sabemos as injustiças e o estado de atraso a que isso conduziu o País. Portanto, é importante analisar não só a dimensão, mas também a razão do défice, e como foi obtida a sua redução, e as consequências dessa redução.

Como afirma o prof. Alfredo Marvão do Departamento de Economia do College and Mary nos EUA, no seu ensaio «Os Investimentos Públicos em Portugal», publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos existe, a propósito do défice, uma regra de oiro em Finanças Públicas que é a seguinte: «O défice do Orçamento do Estado não deve exceder o valor dos investimentos produtivos do Estado». E acrescenta: «O requisito de contenção orçamental é perfeitamente compatível em aceitar défices que sejam clara e exclusivamente induzidos por despesas em investimentos em infra-estruturas ou outros fins» (pág. 27). Portanto, um défice orçamental que resulte de investimento público que aumente o produto potencial, ou seja, a capacidade produtiva do país (podemos designar por «défice virtuoso» para utilizar uma palavra em moda), justifica-se e não pode ser cortado de qualquer maneira, e ainda mais em período de crise quando o investimento público é vital para recuperar e dinamizar a economia. Pelo contrário, um défice resultante de despesa corrente e, nomeadamente, de juros leoninos pagos a credores ou de despesa improdutiva deve ser reduzido. O Quadro 1, construído com dados do Eurostat, mostra a situação, neste campo, no período 2001-2012.


No período 2001/2007, a regra de ouro das Finanças Públicas – défice orçamental não ser superior ao investimento público – esteve muito próximo de ser cumprida já que, em média, o défice foi superior ao investimento público em apenas 0,7 pontos percentuais do PIB. O problema mais grave deste período foi a qualidade do investimento público realizado (autoestradas em regiões de tráfego reduzido, estádios de futebol não utilizados, parques industriais e pavilhões gimnodesportivos subutilizados, etc.). Com a crise a diferença entre o défice e o investimento aumentou muito não porque o investimento público tenha aumentado mas principalmente porque as despesas correntes dispararam. E a partir de 2010, com o Governo PSD/CDS e troika o investimento público sofreu uma importante redução o que determinou, numa 1.ª fase, a diminuição da diferença mas, em 2012, a diferença disparou atingindo 4,7 pontos percentuais com consequência do défice ser muito superior ao investimento público que, neste ano, atingiu o menor valor de sempre (apenas 1,7% do PIB), o que agravou a crise e colocou em perigo o desenvolvimento futuro do País. E em 2013, segundo os dados da execução orçamental (são dados ainda da contabilidade pública, e os corretos são da contabilidade nacional do INE), o défice orçamental anunciado pelo Governo é de 7151,5 milhões de euros, enquanto os juros e encargos pagos a credores atingiu 7486,1 milhões de euros, ou seja, pode-se dizer que são os juros pagos, que são despesa corrente, a causa do défice orçamental sendo, desta forma, violado de uma forma grosseira a regra de ouro das Finanças Públicas. Afirmar nesta situação que «Portugal está no rumo certo» e que com este «Resultado estamos de parabéns», é esquecer a natureza e razão do défice orçamental, é não compreender a situação em que o País se encontra, é ignorar que com o disparar da dívida pública nestes três anos de troika e de Governo PSD/CDS, quando se substituir a «dívida antiga» por «dívida nova», e tendo em conta os elevados juros exigidos pelos grandes bancos, seguradoras e fundos que dominam os mercados (o juro da dívida a 10 anos continua a ser superior a 5%), Portugal e os portugueses, neste contexto, serão obrigados a trabalhar e a empobrecer apenas para pagar os juros. 

Cortes e impostos atingiram
22 317 milhões de euros

 Outro aspeto a analisar para se poder avaliar a redução do défice conseguida é comparar a dimensão da redução com os custos que essa diminuição exigiu. O Quadro 2, permite isso.

 Os dados dos Relatórios dos Orçamentos do Estado de 2011, 2012 e 2013, corrigidos depois pelas decisões do Tribunal Constitucional revelam que, por cada ponto percentual de redução do défice medido em percentagem do PIB, teve-se de aumentar os impostos ou cortar na despesa pública 2,58 vezes mais; por outras palavras, este multiplicador, que designamos por multiplicador de destruição do tecido económico e social atingiu, neste período, um valor elevado, superior mesmo ao multiplicador recessivo (relação entre redução do défice e redução do PIB). Embora seja indicativo (haveria que aprofundar esta análise com dados mais rigorosos), no entanto ele já chama a atenção para os efeitos graves, em termos económicos e sociais, da política de «austeridade». 

No entanto, este multiplicador ainda não revela a totalidade das consequências (sociais e económicas) da política de «austeridade». É ainda necessário analisar como os sacrifícios se repartiram pelas diferentes classes sociais, ou seja, que classes foram mais sacrificadas e que classes foram poupadas aos sacrifícios. A análise das medidas de redução do défice no período 2011/2013 leva à conclusão que 80% da redução da despesa pública (10 704 milhões de euros) foi feita à custa de trabalhadores e pensionistas agravando as suas condições de vida, e que 64% do aumento de impostos (5850 milhões de euros) teve como origem medidas que atingiram também os trabalhadores e pensionistas reduzindo o seu rendimento disponível. É uma política que agravou ainda mais as desigualdades, já que atingiu fundamentalmente os trabalhadores e pensionistas, e que poupou os rendimentos de capital e os mais ricos que representam uma minoria da população. Os dados divulgados pelo Eurostat confirmam o agravamento das desigualdades em Portugal. O coeficiente de Gini, um indicador de desigualdade, teve a seguinte evolução neste período em Portugal: 2010: 33,7; 2011: 34,2; 2012: 34,5 quando na UE variou entre 30,5 e 30,6. Em Portugal, segundo o Eurostat, em 2010, os 20% da população mais ricos recebiam um rendimento 5,6 vezes superior ao dos 20% menos ricos e, em 2012, essa relação aumentou para 5,8. A política de austeridade de classe está atingir principalmente os que menos têm.

 * A versão integral deste estudo está disponível em www.eugeniorosa.com

Anexos:



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