O homem certo

Margarida Botelho

No meio de um Con­gresso en­ce­nado ao mi­lí­metro para que tudo pa­re­cesse es­pon­tâneo e tudo con­tri­buísse para as ideias da re­toma e do con­senso, o de­safio que o PSD lançou ao PS para que apre­sen­tasse o seu can­di­dato às elei­ções eu­ro­peias soou a um misto de ul­ti­mato e de­safio para um duelo.

À pri­meira pode ter pa­re­cido es­tranha a ce­le­ri­dade com que o PS cor­res­pondeu ao de­safio. Mas a es­tra­nheza passa de­pressa quando se olha mais de perto para o can­di­dato so­ci­a­lista. Em en­tre­vista há menos de um mês à Rádio Re­nas­cença, o agora can­di­dato Fran­cisco Assis as­sumia que, se o PS vencer as pró­ximas elei­ções le­gis­la­tivas sem mai­oria ab­so­luta, «será mais fácil fazer uma ali­ança com uma di­reita que, en­tre­tanto, se terá li­vrado da ten­tação ne­o­li­beral»; va­lo­ri­zava o facto de Portas ter de­fen­dido «um diá­logo pro­fundo e per­ma­nente com o PS» e que este «deve par­ti­cipar nesse es­forço»; cri­ti­cava quem apupa o pri­meiro-mi­nistro e de­fendia uma lin­guagem «menos ex­tre­mista» na As­sem­bleia da Re­pú­blica. Tudo na linha de ou­tras de­cla­ra­ções, ar­tigos e ti­radas da per­so­nagem, que – é bom não es­quecer – foi pre­si­dente dos grupos par­la­men­tares do PS nos tempos de Gu­terres e Só­crates como pri­meiros-mi­nis­tros.

Ou seja: pa­re­cendo que se picam, zangam e con­tra­riam, PS e PSD voltam sempre a Du­pont e Du­pond. Por muita vo­ze­aria que al­guns di­ri­gentes e de­pu­tados do PS no Par­la­mento Eu­ropeu façam na es­pe­rança de que o ba­rulho das luzes dis­farce o óbvio, a ver­dade é que no fundo no fundo estão a de­fender exac­ta­mente as mesmas coisas que as­si­naram no pacto de agressão com a troika es­tran­geira. Por muito que o PS agite o pe­rigo da di­reita co­li­gada e que o PSD pro­clame que as eu­ro­peias são um teste ao PS, do que um e outro têm ver­da­dei­ra­mente medo é do des­con­ten­ta­mento po­pular, da in­ten­si­fi­cação da luta e do cres­ci­mento da CDU nestas elei­ções.

Assis é por­tanto o homem certo para o mo­mento certo dos in­te­resses da po­lí­tica de di­reita. Por isso a res­posta do PS ao ul­ti­mato sobre os con­sensos foi tão fácil de dar. Têm o can­di­dato per­feito, con­sen­sual para a po­lí­tica de di­reita, para as troikas e para a agenda dos grandes in­te­resses da po­lí­tica da União Eu­ro­peia. Na CDU está a can­di­da­tura de todos os que querem a de­missão do Go­verno, elei­ções an­te­ci­padas, rup­tura com a po­lí­tica de di­reita.

 



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