Ei-los que chegam

Correia da Fonseca

O pro­grama co­me­çara por abordar a ameaça re­pre­sen­tada pela su­bida da ex­trema-di­reita em di­versos pontos da Eu­ropa, com o caso francês re­fe­rido em pri­meiro plano na sequência dos re­sul­tados ob­tidos pela FN nas elei­ções au­tár­quicas. De pas­sagem, con­virá re­gistar que o êxito de Ma­rine Le Pen, sendo de­certo uma re­a­li­dade, tem vindo a be­ne­fi­ciar de uma forma pe­cu­liar de pro­moção pu­bli­ci­tária feita pela ge­ne­ra­li­dade dos media fran­ceses, e não só, que se en­car­re­garam de trans­formar a filha do velho Jean-Marie numa es­pécie de Joana d’Arc para uso do crip­to­fas­cismo local. Mas re­to­memos o fio da con­versa para dizer que, par­tindo do «boom» da ex­trema-di­reita em di­versos lu­gares da Eu­ropa ou, di­zendo-o talvez me­lhor, em quase toda ela das fron­teiras da Rússia para cá (pre­cisão talvez útil, pois muito é es­que­cido que a Rússia também é Eu­ropa até aos Urais, es­que­ci­mento talvez não tão ino­cente quanto pa­rece), o pro­grama de­rivou para nos falar de emi­gra­ções e imi­gra­ções. Foi, é claro, uma de­ri­vação na­tural e mais que jus­ti­fi­cada, pois bem se sabe que as re­a­ções ne­ga­tivas pe­rante os surtos imi­gra­tó­rios são um apoio de pri­meira linha à su­bida da ex­trema-di­reita por todo o con­ti­nente. E, não se co­me­tendo o erro de afirmar que essas re­ac­ções têm razão, não será de mais ve­ri­ficar que têm mo­tivo, o que não é a mesma coisa: foi também a TV, ou talvez não, que me in­formou num destes dias que na sequência da ad­missão da Ro­ménia na União Eu­ro­peia e da con­se­quente apli­cação da mo­vi­men­tação livre de pes­soas e bens no in­te­rior da UE, o nú­mero de ro­menos que mi­graram para a Ale­manha as­cendeu ra­pi­da­mente a quatro mi­lhões, isto é, a quase me­tade da po­pu­lação por­tu­guesa. Não será grande au­dácia ima­ginar que o facto tenha cons­ti­tuído para o ne­o­na­zismo alemão um pre­cioso tema de com­bate.

A «ge­ne­rosa» aber­tura

Nos maus ve­lhos tempos do fas­cismo por­tu­guês (que agora re­ad­quiriu na te­le­visão lu­si­tana o di­reito a ser ge­ral­mente de­sig­nado pelo pseu­dó­nimo eu­fe­mís­tico de «Es­tado Novo»), Ma­nuel Freire cantou os pro­ta­go­nistas da triste aven­tura emi­gra­tória por­tu­guesa: «ei-los que partem», lem­brava ele. Agora, pe­rante as vagas mi­gra­tó­rias que de di­versos lados con­vergem para a Eu­ropa já não tão so­li­da­mente rica como é su­posto mas mui­tís­simo menos pobre que os lu­gares de par­tida, bem se po­deria ex­clamar «ei-los que chegam!». E já não são apenas os que vêm da África sobre-ex­plo­rada du­rante sé­culos pela Eu­ropa su­pos­ta­mente ci­vi­li­za­dora, são também e talvez so­bre­tudo os pro­ve­ni­entes do Leste eu­ropeu, como o caso dos ro­menos atrás re­fe­ridos do­cu­menta. E con­virá talvez re­flectir sobre isso, re­cordar an­te­ce­dentes dis­tantes e pró­ximos. Lem­brar, de­sig­na­da­mente, que a su­pos­ta­mente ge­ne­rosa aber­tura a Leste da União Eu­ro­peia foi de facto a ma­nobra ger­mâ­nica des­ti­nada a ex­pandir o do­mínio eco­nó­mico da Ale­manha para zonas de mão-de-obra ba­rata e em al­guns casos for­ne­ce­doras de ma­té­rias-primas a preços con­vi­da­tivos. Lem­brar também como esses países, desde sempre em­po­bre­cidos, saíram des­truídos e/​ou ar­rui­nados da Se­gunda Guerra Mun­dial, sendo que al­guns deles (Hun­gria, Bul­gária, Ro­ménia) vi­veram os anos do grande con­flito sob re­gimes nazi-fas­cistas ali­ados da Ale­manha nazi e opres­sores das po­pu­la­ções. E que os di­fí­ceis anos que se se­guiram a 45 não po­diam, de qual­quer modo, fazer rá­pidos mi­la­gres con­se­guidos contra os ventos con­trá­rios que so­pravam do Oeste. Agora, muitos que vêm desses lu­gares batem à porta dos países que com razão ou sem ela lhes pa­recem ricos (Ale­manha, França, Ho­landa, Bél­gica) e como que pedem es­mola: a es­mola de en­trar para aí so­bre­vi­verem um pouco me­lhor a troco de acei­tarem a ex­plo­ração ca­pi­ta­lista. Como se vê, não pedem muito. De ca­minho, exac­ta­mente porque chegam com o in­vi­sível mas fac­tual es­ta­tuto de mi­se­rá­veis e também de in­de­se­jados con­cor­rentes na par­tilha do «bem-estar» da Eu­ropa su­pos­ta­mente «rica», servem de mu­nição para a ex­trema-di­reita as­cen­dente. Até nisso é triste o seu des­tino. Mas bem se sabe que é triste em todos os as­pectos o iti­ne­rário dos ex­plo­rados. E que, pre­ci­sa­mente por isso, é ne­ces­sário que deixem de o ser.




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