O Vaticano é o Senhor dos Anéis

Jorge Messias

«A nova forma eco­nó­mica do ca­pi­ta­lismo conduz à bar­bárie. O sub­de­sen­vol­vi­mento atinge 75% da po­pu­lação mun­dial e a po­breza ex­trema en­volve 1 bi­lião e meio de seres hu­manos. A di­fe­rença de ren­di­mentos entre os países mais ricos e os mais po­bres era de 37 pontos em 1960 e re­ve­lava-se, em 2002, 74 vezes su­pe­rior a essa con­tagem. Chegou-se a tal ex­tremo que só as três mai­ores for­tunas pes­soais do mundo pos­suem o equi­va­lente ao PIB dos 48 países mais po­bres da Terra...» (Fidel de Castro, “Dis­curso de Mon­terrey”).

«De­sejo re­novar o com­pro­misso da Santa Sé em adoptar os prin­cí­pios e exe­cutar os ins­tru­mentos ju­rí­dicos de­sen­vol­vidos pela co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal… ade­quar a ordem ins­ti­tu­ci­onal à pre­venção e luta contra a la­vagem do di­nheiro, o fi­nan­ci­a­mento do ter­ro­rismo e a pro­li­fe­ração das armas de des­truição em massa...» (Papa Fran­cisco I, “Motu Pro­prio”,2013).

«O Va­ti­cano – e as suas su­cur­sais em cada país – é, ac­tu­al­mente, um dos pi­lares mais in­flu­entes do ca­pi­ta­lismo fi­nan­ceiro in­ter­na­ci­onal, em per­feita par­ceria e união com a Wall Street e a City lon­drina. O Banco Cen­tral Eu­ropeu tem, como grandes ac­ci­o­nistas, im­por­tantes bancos li­gados ao IOR, o prin­cipal banco do Va­ti­cano. Na luta contra a po­breza… as cha­madas IPSS en­con­tram-se, na sua es­ma­ga­dora mai­oria, sob con­trolo fi­nan­ceiro, po­lí­tico e so­cial da Igreja por­tu­guesa. Mas o di­nheiro que mo­vi­menta não provém da sua ac­tu­ação… É o Es­tado que trans­fere os di­nheiros pú­blicos para os ho­mens fortes dessas ins­ti­tui­ções – IPSS, Mi­se­ri­cór­dias e ou­tras» (Ta­banca de Guan­tará, “A en­gorda da Igreja Ca­ró­lica”, 30 de Maio de 2013).

Não é justo afirmar-se que o que acon­tece nos dias de hoje tenha sido im­pre­vi­sível. A am­bição do Poder, as crises e as guerras, a imo­ra­li­dade ins­ti­tu­ci­onal, foram sempre marcas re­ve­la­doras da as­censão e queda dos im­pé­rios. Vi­vemos, agora, a fase final do im­pe­ri­a­lismo fi­nan­ceiro, quando o que é es­sen­cial se diz e con­tradiz: o di­nheiro e o poder não pro­curam servir mas tudo fazem para ex­ter­minar o homem anó­nimo. Com­pre­ende-se que as ins­ti­tui­ções mais an­tigas – a Igreja e a Banca – sejam aquelas que, nesta fase de de­clínio, maior poder acu­mulem e, con­tra­di­to­ri­a­mente, cresçam no seio de uma crise que elas pró­prias de­sen­ca­de­aram. «Con­tra­di­to­ri­a­mente», di­zemos, porque para sal­varem a imagem os ca­pi­ta­listas se pro­clamam ví­timas dos crimes que co­me­teram, co­metem e pro­jectam con­ti­nuar a co­meter.

Os bancos, como se sabe, re­pre­sentam os ricos. Mas até mesmo os ricos não são iguais entre si. Os ricos mais ricos anexam as for­tunas dos menos ricos. E os bancos mais fortes crescem con­ti­nu­a­mente à custa dos bancos mais fracos. O ca­pital acu­mula-se em cada vez menos mãos. Cons­trói-se a nova pi­râ­mide do poder, pri­meiro li­beral, de­pois fas­cista. Lá fora, no ex­te­rior da pi­râ­mide, o tra­balho ba­rato en­ri­quece ainda mais os mi­li­o­ná­rios. Um dia virá – so­nham os se­nhores da banca – em que o tra­balho seja gra­tuito e aos ilu­mi­nados per­tença toda a terra.

Co­muns e di­fe­rentes são os ob­jec­tivos da Igreja tra­di­ci­onal. Visa, também, glo­ba­lizar a ri­queza, glo­ba­lizar a po­breza, apo­derar-se das fun­ções so­ciais do Es­tado, cor­po­ra­tizar o tra­balho e abrir ca­mi­nhos à custa das fomes, das guerras, das epi­de­mias con­tro­ladas e da in­to­xi­cação dos ali­mentos. Se a acção for con­ve­ni­ente e ma­qui­a­ve­li­ca­mente co­or­de­nada, tudo isto dará lu­cros fa­bu­losos. O Va­ti­cano é lú­cido: pai do ca­pi­ta­lismo, con­quista por dentro o sis­tema que ajudou a criar. E a Igreja está e es­tará pre­sente onde o ne­gócio maior lucro der.

Aliás, longe de serem au­tó­nomos, os grandes grupos fi­nan­ceiros per­tencem já à Igreja ou para lá ca­mi­nham. Uns e ou­tros com­pletam-se e par­ti­lham os mesmos ce­ná­rios. Estão no agro­ne­gócio tal como surgem em ramos tão ines­pe­rados como os da in­dús­tria de ar­ma­mentos, das la­va­gens de di­nheiro, da por­no­grafia, do ter­ro­rismo, dos exér­citos pri­vados ou das so­ci­e­dades se­cretas, etc. Há mesmo casos (por exemplo, o da Com­pa­nhia de Jesus, do Opus Dei, dos Rosa Cruzes, dos il­lu­mi­nati ou dos fa­mi­ge­rados BlackWat­ters) em que o cru­za­mento crime/​Igreja/​banca é cons­tan­te­mente ci­tado.

To­davia, con­tra­ri­a­mente à banca cujo pa­trono é o deus dos la­drões, o Va­ti­cano pre­cisa de tentar sal­va­guardar a sua pró­pria imagem. Assim, in­venta a fi­lan­tropia cristã, a vi­ragem à es­querda do pa­pado, a eco­nomia so­li­dária, as ONG e IPSS, etc. Su­cedem-se, é certo, as de­nún­cias pú­blicas dos es­cân­dalos ecle­siás­ticos. Mas breves passam os dias e logo es­quecem.

Es­cân­dalo vem, es­cân­dalo vai e... tudo fica na mesma ou mesmo pior!

É pre­ciso lem­brar, é pre­ciso mudar, so­bre­tudo é pre­ciso agir!

 



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