Ataque às funções sociais do Estado
e aos serviços públicos

Total desprezo pelas populações

Im­pedir o Go­verno de pro­ceder ao en­cer­ra­mento de ser­viços pú­blicos, eis o sen­tido ime­diato de um pro­jecto lei do PCP, que a mai­oria PSD/​CDS-PP in­vi­a­bi­lizou dia 25 no Par­la­mento.

Ne­nhuma das «re­formas» do Go­verno é nor­teada pelo ob­jec­tivo de servir me­lhor as pes­soas

LUSA

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Na base desta sua ini­ci­a­tiva está o que a ban­cada co­mu­nista con­si­dera ser o plano em marcha de re­con­fi­gu­ração do Es­tado, mol­dado não para servir as ne­ces­si­dades da po­pu­lação mas para co­locar a má­quina es­tatal «ao ser­viço dos in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos», como sa­li­entou logo a abrir o de­bate a de­pu­tada co­mu­nista Paula Santos.

Alega o Go­verno e par­tidos que o apoiam que tudo é feito em nome do «com­bate ao des­per­dício», da «ra­ci­o­na­li­zação de re­cursos», da mo­der­ni­zação dos ser­viços e, até, su­prema hi­po­crisia, em nome das pes­soas.

No de­bate, os par­tidos da mai­oria go­ver­na­mental che­garam ao ponto de acusar o PCP de apre­sentar um «pro­jecto con­ser­vador» e de estar «sempre contra qual­quer me­dida que pro­cure ra­ci­o­na­lizar» ou «in­tro­duzir ino­vação», na pa­la­vras de Nuno Ma­ga­lhães (CDS-PP). O PSD, pela voz de Carlos Silva, ali­nhou pelo mesmo dis­curso, só vendo «es­tag­nação» na pos­tura do Grupo co­mu­nista.

Pe­na­lizar o in­te­rior

O que ne­nhum dos de­pu­tados da mai­oria con­se­guiu jus­ti­ficar foi a bon­dade do en­cer­ra­mento de ser­viços a partir de qual­quer ideia de de­sen­vol­vi­mento e pro­gresso do País.

«Nin­guém con­segue ex­plicar como é que fe­chando es­colas, ser­viços de saúde, tri­bu­nais, re­par­ti­ções de Fi­nanças e ou­tros ser­viços pú­blicos, o País fica me­lhor e as po­pu­la­ções em me­lhores con­di­ções de aceder aos ser­viços e ver ga­ran­tidos os seus di­reitos», con­cluiria no final dos tra­ba­lhos o líder par­la­mentar do PCP, João Oli­veira.

Como não houve res­posta da mai­oria para a acu­sação da ban­cada co­mu­nista de que a po­lí­tica de en­cer­ra­mento – e esta é outra ideia cen­tral a reter do de­bate – pre­ju­dica gra­ve­mente as po­pu­la­ções e o País, ser­vindo apenas os «in­te­resses dos grupos eco­nó­micos à custa do des­man­te­la­mento do Es­tado, das de­si­gual­dades so­ciais e das as­si­me­trias re­gi­o­nais».

Uma po­lí­tica muito pe­na­li­za­dora para o in­te­rior do País e que está a ser exe­cu­tada à re­velia do que é dito no pró­prio pro­grama do Go­verno – onde em vá­rias áreas há re­fe­rên­cias ao es­ta­be­le­ci­mento de planos de de­sen­vol­vi­mento de nível re­gi­onal –, como bem lem­brou o de­pu­tado co­mu­nista João Ramos.

Não pou­pando na crí­tica, An­tónio Fi­lipe acu­saria mesmo o Go­verno de estar «apos­tado em fe­char o País e deitar fora a chave», fa­lando dos en­cer­ra­mentos em curso que afectam os mais va­ri­ados ser­viços pú­blicos.

Cortar a eito

Uma po­lí­tica de ca­mar­telo di­ri­gida contra es­colas, postos mé­dicos, tri­bu­nais, re­par­ti­ções de fi­nanças, bal­cões da Se­gu­rança So­cial, es­ta­ções de cor­reio, es­qua­dras, juntas de fre­guesia, numa sanha des­trui­dora mo­ti­vada, se­gundo Paula Santos, por «cri­té­rios de na­tu­reza eco­no­mi­cista» e por uma «ma­triz ide­o­ló­gica» vi­sando trans­formar a pres­tação de ser­viços pú­blicos em «ne­gó­cios al­ta­mente lu­cra­tivos» para os pri­vados.

«En­cerrar não é mo­der­nizar. En­cerrar e des­truir ser­viços pú­blicos não é go­vernar. Mais pa­rece um ta­lhante, que corta a eito», acusou por isso Jorge Ma­chado. E se antes era dito pelo go­verno PS que os tra­ba­lha­dores da ad­mi­nis­tração pú­blica eram uns «pri­vi­le­gi­ados», agora é o PSD e o CDS-PP que falam de «igual­dade para atacar todos os tra­ba­lha­dores», ob­servou, ca­bendo-lhe ainda lem­brar que entre 2011 e 2013 foram des­truídos 49 mil postos de tra­balho na ad­mi­nis­tração pú­blica, nú­mero que galga para os 184 mil se se re­cuar a 2005, ano do con­ge­la­mento das ad­mis­sões. Só na Es­cola Pú­blica essa razia cor­res­pondeu à des­truição de 35 mil postos de tra­balho, daí re­sul­tando uma de­gra­dação evi­dente, com es­colas que hoje apenas fun­ci­onam porque têm con­tratos de em­prego-in­serção, isto é tra­ba­lha­dores de­sem­pre­gados que estão a tra­ba­lhar de graça para o Es­tado.

A de­pu­tada co­mu­nista Carla Bap­tista, ainda a este res­peito, não dei­xaria de chamar a atenção para o «re­tro­cesso de dé­cadas» que de­corre desta po­lí­tica, com a ine­vi­tável «des­qua­li­fi­cação da Es­cola Pú­blica», em «be­ne­fício da es­cola pri­vada», e tudo «em pre­juízo dos por­tu­gueses e da sua for­mação». A com­prová-lo, aí está o anúncio do en­cer­ra­mento de mais 311 es­colas do 1.º ciclo, de­cisão que é si­nó­nimo de ainda maior de­ser­ti­fi­cação no in­te­rior do País.

In­tro­du­zida no de­bate foi também a questão do mapa ju­di­ciário, que ilustra bem os efeitos de­vas­ta­dores desta po­lí­tica. Ale­gando a «es­pe­ci­a­li­zação» e a «qua­li­dade da apli­cação da Jus­tiça», o que faz é dar um «golpe pro­fundo no acesso dos ci­da­dãos à tu­tela ju­di­cial efec­tiva», so­bre­tudo de quantos vivem fora dos grandes cen­tros e do li­toral, con­si­derou An­tónio Fi­lipe.

«Todas as me­didas são contra a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, contra qual­quer ideia de de­sen­vol­vi­mento e pro­gresso», re­matou, em sín­tese, João Oli­veira.

In­co­e­rên­cias

À falta de bons ar­gu­mentos para jus­ti­ficar as me­didas de en­cer­ra­mento, os par­tidos da mai­oria en­ve­re­daram pela mis­ti­fi­cação e por de­turpar as po­si­ções do PCP.

Nuno Ma­ga­lhães (CDS-PP), por exemplo, de­pois de clas­si­ficar a ini­ci­a­tiva do PCP de «ilegal» e «alar­mista», as­se­verou que não ha­verá ne­nhum fecho de re­par­tição de Fi­nanças porque o «Go­verno bateu o pé à troika». E a pro­pó­sito do en­cer­ra­mento de es­colas, in­si­nuou haver in­con­sis­tência de po­si­ções do PCP, com di­fe­ren­ci­ação de cri­té­rios no plano au­tár­quico e na­ci­onal.

Fez por ig­norar, no que toca às re­par­ti­ções de Fi­nanças, que da 10.ª ava­li­ação da troika re­sultou uma carta onde o Go­verno se com­pro­mete a fe­char 50% delas, tal como nada disse sobre o facto de ser a pró­pria mi­nistra das Fi­nanças a con­firmar esse ce­nário na res­posta que en­viou à AR sobre esta ma­téria e na qual dá a en­tender que esse en­cer­ra­mento cor­res­pon­derá à apli­cação do pro­grama «Apro­ximar», lem­brou o líder par­la­mentar do PCP.

João Oli­veira cor­rigiu também o de­pu­tado do CDS-PP quanto à po­sição do PCP sobre o fecho de es­colas ex­pli­cando-lhe, tintim por tintim, que se em San­tiago do Cacém (câ­mara CDU) en­cerra uma es­cola que tem apenas um aluno e em Se­túbal (câ­mara também CDU) en­cerra uma es­cola porque não há alunos, a ver­dade é que «ne­nhum destes casos é con­tra­di­tório com a es­tra­tégia de me­lhoria da rede es­colar».

Ne­gando assim haver qual­quer in­co­e­rência do PCP, como su­ge­rira o de­pu­tado do CDS-PP, João Oli­veira su­bli­nhou que todas as au­tar­quias da CDU re­cu­saram a «pers­pec­tiva de en­cer­ra­mento das es­colas a eito» e têm sobre o as­sunto todas elas a mesma po­sição.

Sem re­paro não passou ainda a cir­cuns­tância de esta pro­posta da sua ban­cada em de­fesa dos ser­viços pú­blicos ter me­re­cido em 2010 o apoio do CDS e do PSD, que a vo­taram fa­vo­ra­vel­mente, en­quanto o PS, tro­cando tintas e pa­péis, diz hoje também exac­ta­mente o con­trário do que dizia há quatro anos, quando era go­verno.

«Essas, sim, são in­co­e­rên­cias e é com elas que os por­tu­gueses vos irão con­frontar», ad­vertiu João Oli­veira, apon­tando o dedo aos qua­drantes à di­reita do he­mi­ciclo.


Saúde de mal a pior

A re­dução da co­ber­tura dos cui­dados de saúde pri­má­rios e hos­pi­ta­lares é uma das marcas da po­lí­tica de di­reita, a que este Go­verno deu ainda maior im­pulso, com o en­cer­ra­mento de postos, ex­ten­sões e cen­tros de saúde, Ser­viços de Aten­di­mento Per­ma­nente, ma­ter­ni­dades. Po­lí­tica que pros­segue também por via de fu­sões e con­cen­tra­ções de hos­pi­tais, e que agora se pre­tende levar mais longe com a apli­cação da Por­taria 82/​2014. Com este di­ploma, um novo passo é dado na «po­lí­tica de de­sin­ves­ti­mento no SNS», con­si­derou a de­pu­tada co­mu­nista Carla Cruz, que enu­merou as peças es­sen­ciais que constam do plano: en­cer­ra­mento de 24 ma­ter­ni­dades; eli­mi­nação das es­pe­ci­a­li­dades de en­do­cri­no­logia e es­to­ma­to­logia; en­cer­ra­mento do ins­ti­tuto of­tal­mo­ló­gico Dr. Gama Pinto; en­cer­ra­mento dos ser­viços de ci­rurgia car­di­o­to­rá­cica nos hos­pi­tais Vila Nova de Gaia e de Santa Cruz, Lisboa; en­cer­ra­mento de ser­viços de ci­rurgia pe­diá­trica, con­cen­trando a va­lência em Porto, Coimbra e Lisboa.

Mas não se es­gota aqui a ofen­siva contra o SNS. Nela se in­tegra, ainda, re­alçou Carla Cruz, a pri­va­ti­zação dos ser­viços de saúde, o avanço das par­ce­rias pú­blico-pri­vadas em saúde, o alar­ga­mento aos pro­fis­si­o­nais de saúde da pre­ca­ri­zação das re­la­ções la­bo­rais, a apli­cação do re­gime do con­trato in­di­vi­dual de tra­balho, os con­tratos em­prego-in­serção e o re­curso à con­tra­tação de pro­fis­si­o­nais de saúde a em­presas de tra­balho tem­po­rário, bem como a trans­fe­rência dos custos da saúde para os utentes, através do au­mento das taxas mo­de­ra­doras ou das res­tri­ções na atri­buição de trans­portes de do­entes não ur­gentes.

Re­cor­dado pela par­la­mentar do PCP foi ainda que os efeitos da po­lí­tica de di­reita são sen­tidos de muitas ou­tras formas, no­me­a­da­mente pelas obras que são ne­ces­sá­rias mas que ficam por re­a­lizar, pela não cons­trução de uni­dades de saúde em con­ce­lhos al­ta­mente ca­ren­ci­ados, pela não dis­pensa de me­di­ca­mentos, pelas li­mi­ta­ções na pres­crição de exames com­ple­men­tares de di­ag­nós­tico.

Do lado certo

Com o agen­da­mento deste seu di­ploma a ban­cada co­mu­nista não visou apenas travar o en­cer­ra­mento de ser­viços pú­blicos. Foi mais longe e re­a­pre­sentou as suas pro­postas com vista à ma­nu­tenção dos tri­bu­nais exis­tentes, avan­çando, por outro lado, com um con­junto de prin­cí­pios a que do seu ponto de vista deve obe­decer o re­or­de­na­mento quer da rede edu­ca­tiva quer da rede hos­pi­talar quer ainda das re­par­ti­ções de Fi­nanças. E o pri­meiro desses prin­cí­pios é o de que qual­quer re­or­de­na­mento deve ter pre­sente as «ne­ces­si­dades dos por­tu­gueses» e, por outra parte, as­se­gurar uma «co­ber­tura na­ci­onal e a pro­xi­mi­dade às po­pu­la­ções».

Como sa­li­entou Paula Santos, com estas pro­postas, o PCP «dá voz às rei­vin­di­ca­ções das po­pu­la­ções e dos tra­ba­lha­dores», mar­cando si­mul­ta­ne­a­mente a di­fe­rença entre «quem está do lado da Cons­ti­tuição e dos va­lores de Abril e quem está ao ser­viços dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros e do re­tro­cesso do País».

 



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