Da razão e da necessidade

Rui Fernandes

Foram apro­vadas a nova Lei de De­fesa Na­ci­onal (LDN) e a Lei de Bases da Or­ga­ni­zação das Forças Ar­madas (LO­BOFA). Sendo novas leis, em boa ver­dade são al­te­ra­ções às leis an­te­ri­ores (de 2009) e, por isso, a sua ma­triz es­sen­cial es­tava de­ter­mi­nada à par­tida. As al­te­ra­ções agora in­tro­du­zidas às leis do tempo do PS, e que con­taram com os votos do PSD e do CDS, agravam essa mesma ma­triz.

Em sín­tese, re­forçam o poder do Chefe do Es­tado-Maior Ge­neral das Forças Ar­madas (CEMGFA) e do Go­verno. Uma das me­didas con­tidas na pro­posta de Lei de De­fesa Na­ci­onal, vi­sava que os mi­li­tares que con­cor­ressem a elei­ções, sendo eleitos, fossem aba­tidos aos qua­dros, ou seja, per­dessem qual­quer vín­culo com as Forças Ar­madas. Uma aber­ração! Esse ob­jec­tivo caiu, de­pois de muitos si­nais de mal-estar oriundos do seio das fi­leiras mi­li­tares.

Na Re­so­lução Po­lí­tica do XIX Con­gresso do PCP, pode-se ler: «A pros­se­cução de tais ob­jec­tivos e as im­pli­ca­ções dele de­cor­rentes vão-se tra­du­zindo num lento e aci­den­tado pro­cesso, já com muitos anos, que tem con­du­zido a cres­centes de­sar­ti­cu­la­ções, cho­ques, so­bre­po­si­ções e in­de­fi­ni­ções (…). Trata-se, por parte dos su­ces­sivos go­vernos, de um pro­cesso cons­ci­ente de re­es­tru­tu­ração per­ma­nente, cujo ob­jec­tivo é des­man­telar, des­mem­brar e de­sar­ti­cular para, sobre essa re­a­li­dade, e jus­ti­fi­cando-se com ela, er­guer uma outra es­tru­tura e or­ga­ni­zação, com uma mais cen­tra­li­zada de­pen­dência do poder po­lí­tico.»1 A vida dá-nos razão.

O já re­fe­rido ob­jec­tivo de abate aos qua­dros por razão dos mi­li­tares serem eleitos, caiu. Mas do mesmo modo que, de­pois de uma imensa, dura e per­sis­tente luta, o poder do­mi­nante se viu obri­gado a al­terar o ar­tigo 31 da LDN, abrindo para a exis­tência do as­so­ci­a­ti­vismo sócio-pro­fis­si­onal nos mi­li­tares, tendo o PCP nessa al­tura afir­mado que o PS, PSD e CDS o fa­ziam não por con­vicção, mas porque a isso ti­nham sido obri­gados pela imensa mo­bi­li­zação, pro­testo e de­nuncia dos mi­li­tares, o mesmo agora se afirma. E hoje, tal como nessa al­tura, também contra a opi­nião e po­si­ci­o­na­mento dos chefes mi­li­tares.

Os ge­ne­rais de hoje não o eram, ob­vi­a­mente, há 20 anos atrás. Quer isto, por­tanto, dizer que, ao con­trário do que al­guns dizem ou pensam, con­tinua a ser ne­ces­sário falar, dis­cutir, tratar, por um lado, as ma­té­rias dos di­reitos e li­ber­dades dos mi­li­tares, no­me­a­da­mente no que con­cerne aos di­reitos sócio-pro­fis­si­o­nais, ao as­so­ci­a­ti­vismo sócio-pro­fis­si­onal e, por outro lado, da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, do que ela es­ti­pula em ma­téria de di­reitos e li­ber­dades, o que são va­lores fun­da­men­tais e o que são va­lores ins­tru­men­tais e as re­cor­rentes ten­ta­tivas de sub­meter os pri­meiros aos se­gundos.

Seria uma ob­tu­si­dade não re­co­nhecer os avanços re­gis­tados nesta ma­téria, eles foram dados, e con­ti­nuam a ser dados, em luta de re­sis­tência contra as con­cep­ções dos su­ces­sivos go­vernos (daí ne­nhum deles cum­prir a lei que rege o papel das as­so­ci­a­ções sócio-pro­fis­si­o­nais), mas também em re­sis­tência, pelos vistos, contra os que, sendo mi­li­tares, per­sistem em vi­sões mo­no­crá­ticas do seu papel e da sua função.

1 Re­so­lução Po­lí­tica do XIX Con­gresso do PCP, pag. 49




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