Máfias

Henrique Custódio

Se­gundo de­cisão do mi­nistro da Saúde, Paulo Ma­cedo - se­nhor do ca­li­fado -, em Se­tembro pró­ximo vai avançar a «co­brança co­er­civa das taxas mo­de­ra­doras hos­pi­ta­lares em atraso».

Trata-se de pôr a má­quina cen­tral das Fi­nanças ao ser­viço da co­brança de ni­nha­rias (sem pre­juízo dessas pe­quenas verbas serem um fardo pe­sa­dís­simo para dois mi­lhões de re­for­mados, a so­bre­viver na mi­séria). Acresce que muitas das co­branças serão feitas a favor de pri­vados, por via das «par­ce­rias pú­blico-pri­vadas» de muitos hos­pi­tais e, pior do que tudo, esta ga­nância im­becil para ar­re­cadar re­ceitas a qual­quer preço vai ocupar toda a má­quina fiscal, e as suas com­pe­tên­cias al­ta­mente es­pe­ci­a­li­zadas, des­vi­ando-a, de­cor­ren­te­mente, da ta­refa cen­tral da sua exis­tência: o es­cru­tínio, o com­bate e o san­ci­o­na­mento da grande fuga aos im­postos e da oleada fraude fiscal, de pro­por­ções gi­gan­tescas.

Quem irá exultar com esta ane­xação das Fi­nanças às pe­quenas coimas vai ser, evi­den­te­mente, a casta de la­bregos chico-es­pertos da fuga ao fisco em grande es­cala.

Mas há mais dois pontos a con­si­derar.

O pri­meiro, é a ilus­tração do que move o ac­tual ca­lifa da Saúde, com esta ideia de es­por­tular, so­bre­tudo aos re­for­mados que vivem, aos mi­lhões, na in­di­gência ou perto disso, esta taxa ver­go­nhosa que mostra há longos anos o real con­ceito que PS e PSD têm do pre­ceito cons­ti­tu­ci­onal de um SNS ten­den­ci­al­mente gra­tuito. Mas ilu­mina igual­mente o ob­jec­tivo do mi­nistro Ma­cedo em des­truir o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, tout court.

O se­gundo evi­dencia a pre­po­tência go­ver­na­mental de pôr os ser­viços das Fi­nanças a co­brar ge­o­me­tri­ca­mente, como é de uso na casa, pe­quenas coimas co­me­tidas não apenas por utentes do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, mas também por quem fre­quenta au­to­es­tradas e não paga as por­ta­gens. Este úl­timo exemplo já se ce­le­brizou com o caso de um ci­dadão que, ao fazer uma vi­agem sem pagar por­tagem nos vá­rios pór­ticos do per­curso, viu-se con­fron­tado com um pa­ga­mento com­pul­sivo às Fi­nanças não de uma in­fracção, mas de vá­rias, re­gis­tadas uma por cada pór­tico e mul­ti­pli­cado tão ge­o­me­tri­ca­mente, que uma conta de uma dúzia de euros já ia nos vá­rios mi­lhares.

Acon­tece que a co­brança de taxas nas por­ta­gens das au­to­es­tradas é in­tei­ra­mente pri­vada, tal como a co­brança das taxas mod­cra­doras em grande nú­mero de hos­pi­tais é igual­mente pri­vada, dado o es­ta­tuto de par­ceria pú­blico-pri­vada desses hos­pi­tais ser como se sabe: o Es­tado paga as in­fra­es­tru­turas e os pri­vados ex­ploram-na a seu bel-prazer.

O Exe­cu­tivo Passos/​Portas está a uti­lizar as Fi­nanças como peça ins­tru­mental, e de uso dis­cri­ci­o­nário pelo Go­verno, ao ser­viço já não do Es­tado por­tu­guês, mas dos grandes in­te­resses eco­nó­micos pri­vados.

Já faz lem­brar uma visão ma­fiosa do uso do poder po­lí­tico, em Por­tugal.




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