Nos 75 anos do início
da Segunda Guerra Mundial

Nunca mais!

Gustavo Carneiro

A 1 de Se­tembro de 1939, as tropas nazis in­va­diram a Po­lónia. Dois dias de­pois, a In­gla­terra e a França de­cla­raram guerra à Ale­manha, dando início à Se­gunda Guerra Mun­dial. Quando, em Maio de 1945, se dá a ca­pi­tu­lação alemã às mãos do Exér­cito Ver­melho (a ca­pi­tu­lação ja­po­nesa ocorre em Agosto do mesmo ano), ter­minou aquele que foi o mais brutal con­flito mi­litar que a hu­ma­ni­dade já co­nheceu: 50 mi­lhões de mortos, um in­con­tável nú­mero de fe­ridos, es­tro­pi­ados e trau­ma­ti­zados, mi­lhares de vilas e ci­dades ar­ra­sadas, des­trui­ções in­cal­cu­lá­veis na eco­nomia e nas ri­quezas na­tu­rais de nu­me­rosos países – tal foi o preço que custou a der­rota do na­zi­fas­cismo. A União So­vié­tica pagou a maior parte.

Se Hi­tler e a sua má­quina in­fernal de guerra e terror surgem como os prin­ci­pais rostos desta car­ni­fi­cina, eles não ex­plicam tudo. As causas mais fundas deste con­flito, que há muito se adi­vi­nhava, ra­dicam na grande crise do ca­pi­ta­lismo que eclode em 1929 e nos re­sul­tados da Pri­meira Guerra Mun­dial: os es­tados im­pe­ri­a­listas que fi­caram ex­cluídos da pri­meira di­visão do mundo, e que per­deram ou não con­se­guiram be­ne­fi­ciar da pri­meira guerra de re­di­visão (casos da Ale­manha, por um lado, e da Itália e do Japão, por outro), ra­pi­da­mente se co­meçam a pre­parar para uma nova par­tilha de ter­ri­tó­rios, mer­cados e fontes de ma­té­rias-primas: no início da dé­cada de 30, o Japão in­vade a Man­chúria; em 1935 a Itália apo­dera-se da Etiópia; no ano se­guinte os ge­ne­rais fas­cistas ini­ciam a su­ble­vação contra a Re­pú­blica es­pa­nhola; e em 1937 o Japão in­vade mais ter­ri­tó­rios chi­neses. A partir de 1938, com a ocu­pação da Áus­tria, a Ale­manha nazi inicia uma série de agres­sões mi­li­tares no con­ti­nente eu­ropeu.

O fas­cismo – «di­ta­dura ter­ro­rista aberta dos ele­mentos mais re­ac­ci­o­ná­rios, chau­vi­nistas e im­pe­ri­a­listas do ca­pital fi­nan­ceiro», como o ca­rac­te­rizou a In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista – foi a «tropa de choque» para cum­prir estes ob­jec­tivos ex­pan­si­o­nistas. O livro de Kurt Gos­sweiler «Hi­tler: as­censão ir­re­sis­tível?», pu­bli­cado pelas Edi­ções Avante!, é de lei­tura obri­ga­tória para quem pre­tenda com­pre­ender os laços que uniam o grande ca­pital alemão ao di­tador nazi. Por de­trás da má­quina na­zi­fas­cista de guerra e de terror es­ti­veram desde o início al­guns dos prin­ci­pais po­ten­tados in­dus­triais ale­mães (e não só). Estes não só ar­maram, mu­niram e equi­param as tropas nazis como be­ne­fi­ci­aram do tra­balho es­cravo pro­por­ci­o­nado pelos pri­si­o­neiros dos campos de con­cen­tração. Este odioso crime per­ma­nece ainda por julgar.

«Es­tranha guerra»...

Al­fred Jodl, chefe do Es­tado-Maior da Wer­macht, afirmou no seu jul­ga­mento em Nu­rem­berga que «se nós não fomos der­ro­tados na Po­lónia em 1939 isso deveu-se apenas a que, no Oci­dente, no pe­ríodo da cam­panha po­laca, 110 di­vi­sões fran­cesas e in­glesas se “opu­nham” em com­pleta inacção a 25 di­vi­sões alemãs». Esta pas­si­vi­dade, que se pro­longou du­rante quase nove meses e que passou à his­tória como a es­tranha guerra, é uma das prin­ci­pais res­pon­sá­veis pelos es­tron­dosos su­cessos ini­ciais da «guerra re­lâm­pago» dos na­zi­fas­cistas.

Esta ati­tude dos go­vernos francês e in­glês não se ini­ciou em Se­tembro de 1939, com a de­cla­ração de guerra à Ale­manha. Ela, aliás, pros­segue uma po­lí­tica de con­ci­li­ação ini­ciada com a su­bida ao poder do par­tido nazi: a re­mi­li­ta­ri­zação alemã fez-se pe­rante o olhar com­pla­cente das res­tantes po­tên­cias ca­pi­ta­listas eu­ro­peias, as mesmas que as­sis­tiram mudas e quedas à in­ter­venção alemã e ita­liana em Es­panha, ao lado dos fa­lan­gistas (man­tendo-se, elas, «neu­trais»), ne­go­ci­aram com Hi­tler o «Pacto de Mu­nique», que re­sultou no des­mem­bra­mento e ocu­pação da Che­cos­lo­vá­quia, e in­vi­a­bi­li­zaram todas as pro­postas da União So­vié­tica para ga­rantir a de­fesa dos países ame­a­çados pelo na­zi­fas­cismo. O pacto ger­mano-so­vié­tico de não-agressão foi as­si­nado de­pois de os so­vié­ticos terem per­dido todas as es­pe­ranças numa ali­ança com in­gleses e fran­ceses para travar o na­zismo.

Aos po­lí­ticos bur­gueses e a ca­pi­ta­listas ale­mães, in­gleses, fran­ceses e norte-ame­ri­canos unia-os a von­tade de re­pressão e es­ma­ga­mento das forças pro­gres­sistas na Eu­ropa, so­bre­tudo do mo­vi­mento ope­rário e dos par­tidos co­mu­nistas (que ga­nhavam força a cada dia que pas­sava, so­bre­tudo após o VII Con­gresso da In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista, re­a­li­zado em 1935) e a ten­ta­tiva de virar o mi­li­ta­rismo alemão e a sua am­bição de ex­pansão ter­ri­to­rial para a União So­vié­tica.

É assim que se deve ava­liar a pas­si­vi­dade cúm­plice com que as ca­madas di­ri­gentes da In­gla­terra e de França «re­a­giram» à in­vasão da Po­lónia, nas fron­teiras com o Es­tado So­ci­a­lista. Mas Hi­tler trocou-lhes as voltas, ao virar-se pri­meiro contra o Oci­dente: as prin­ci­pais ci­dades bri­tâ­nicas so­freram vi­o­lentos bom­bar­de­a­mentos aé­reos e a França foi ocu­pada e di­vi­dida. Em Junho de 1941, Hi­tler volta-se com toda a força para aquele que fora, desde sempre, o seu ob­jec­tivo cen­tral: a ocu­pação da URSS.

Da re­sis­tência à vi­tória

A União So­vié­tica foi a grande res­pon­sável pela der­rota do na­zi­fas­cismo, por mais que «his­to­ri­a­dores», «jor­na­listas» e pro­du­tores de ci­nema se es­forcem por de­mons­trar o con­trário. Em Junho de 1944, quando norte-ame­ri­canos e in­gleses de­sem­barcam na Nor­mandia – abrindo fi­nal­mente a «se­gunda frente» há muito exi­gida pelos so­vié­ticos – já a Ale­manha tinha so­frido as der­rotas de­ci­sivas (a ren­dição em Sta­li­ne­grado dá-se em Fe­ve­reiro de 1943) e a guerra mu­dado o seu curso. Em poucos meses, as tropas nazis eram ex­pulsas da pri­meira pá­tria so­ci­a­lista e co­me­çava a im­pa­rável li­ber­tação dos povos eu­ro­peus e o es­tertor final do na­zi­fas­cismo.

Os nú­meros, aliás, falam por si: aquando do cha­mado «Dia D», 92 por cento das tropas ter­res­tres da Ale­manha nazi com­ba­tiam na Frente Leste, e foi aí que foram der­ro­tadas 607 di­vi­sões alemãs (176 na frente Oci­dental) e 75 por cento da sua avi­ação, ar­ti­lharia e tan­ques.

A vi­tória so­vié­tica, de­ci­siva para a li­ber­tação dos povos da Eu­ropa, fez-se de in­con­tá­veis sa­cri­fí­cios e actos de he­roísmo: dos bravos de­fen­sores da for­ta­leza de Brest, nos pri­meiros dias da in­vasão; dos ci­da­dãos de Mos­covo e Le­ni­ne­grado, cer­cados du­rante meses, mas nunca ven­cidos; dos bravos de­fen­sores de Odessa, que a partir dos tú­neis na ci­dade ocu­pada des­fe­riram po­de­rosos golpes no ini­migo; dos no­tá­veis com­ba­tentes de Sta­li­ne­grado que, rua a rua e casa a casa, in­fli­giram a mais pe­sada der­rota ao in­vasor hi­tle­riano; dos guer­ri­lheiros que, nas zonas ocu­padas, nunca dei­xaram de com­bater; de todo um povo que, guiado pelo Par­tido Co­mu­nista e ze­loso da nova so­ci­e­dade que cons­truía, sempre con­fiou que a vi­tória, em­bora di­fícil, seria uma re­a­li­dade!

As no­tí­cias das vi­tó­rias do povo so­vié­tico e do Exér­cito Ver­melho, e o seu avanço im­pe­tuoso para Oci­dente, ani­maram os res­tantes povos da Eu­ropa ocu­pada a le­vantar-se e a re­sistir: os mo­vi­mentos de re­sis­tência, de na­tu­reza pro­fun­da­mente uni­tária e com grande par­ti­ci­pação da classe ope­rária e dos co­mu­nistas, as­su­miram um papel de­ter­mi­nante na der­rota do na­zi­fas­cismo e nas im­por­tantes con­quistas pro­gres­sistas do pós-guerra.

O facto de, du­rante dé­cadas, o im­pe­ri­a­lismo ter sido obri­gado a re­frear os seus ím­petos mais agres­sivos deveu-se ao pres­tígio e à pu­jança com que saiu da Se­gunda Guerra Mun­dial a União So­vié­tica, à for­mação de um forte campo de países so­ci­a­listas e de um amplo mo­vi­mento de li­ber­tação na­ci­onal, à exis­tência de um in­flu­ente mo­vi­mento co­mu­nista e de um mo­vi­mento ope­rário e sin­dical, ao re­forço das forças an­ti­fas­cistas e da paz.

A his­tória não se re­pete, mas en­sina

As­si­nalar, hoje, o ani­ver­sário do início da Se­gunda Guerra Mun­dial não deve cons­ti­tuir um mero exer­cício de me­mória. So­bre­tudo num mo­mento como aquele em que vi­vemos, em que muitas das causas que es­ti­veram por de­trás deste con­flito res­surgem com as­si­na­lável ex­pressão: a crise do ca­pi­ta­lismo, a agres­si­vi­dade im­pe­ri­a­lista, a aposta no fas­cismo e na guerra como saída para a crise de sobre-pro­dução e sobre-acu­mu­lação e o es­ma­ga­mento das lutas dos tra­ba­lha­dores e da so­be­rania dos povos.

O apoio dos EUA e da UE ao golpe dos oli­garcas e das forças fas­cistas na Ucrânia e o avanço das forças de ex­trema-di­reita na Eu­ropa, pro­mo­vidos pelo ca­pital e pelos seus po­de­rosos meios de co­mu­ni­cação, aí está para nos lem­brar que o fas­cismo é um ins­tru­mento a que o im­pe­ri­a­lismo re­corre quando pode e tal é do seu in­te­resse. Tal como a guerra, que sempre o acom­panha, e que faz sentir as suas som­bras ne­gras na cres­cente es­ca­lada de cerco e pro­vo­cação dos EUA contra a Rússia e a China.

Mas a His­tória não está es­crita de an­temão. São as massas, com a sua or­ga­ni­zação e luta, que es­cre­verão o seu epí­logo. Com­bater a ameaça do fas­cismo, o mi­li­ta­rismo e a guerra; de­fender a in­de­pen­dência e a so­be­rania na­ci­o­nais; de­sen­volver a so­li­da­ri­e­dade para com os povos ví­timas da in­ge­rência e da agressão im­pe­ri­a­lista são ta­refas es­sen­ciais que estão co­lo­cadas aos povos do mundo. Para tal, há-que er­guer um vasto mo­vi­mento pelo de­sar­ma­mento e pela paz – que ad­quire ob­jec­ti­va­mente um ca­rácter anti-im­pe­ri­a­lista –, capaz de pro­mover o es­cla­re­ci­mento e a mo­bi­li­zação po­pu­lares e, desta forma, am­pliar o campo da­queles que ga­nham cons­ci­ência de que a luta contra a guerra exige o com­bate às suas causas – e estas ra­dicam no sis­tema de ex­plo­ração ca­pi­ta­lista.

 



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