Acabar com a política da mentira
O PCP vai propor que se crie uma Comissão de Inquérito Parlamentar para que o Governo e o Banco de Portugal esclareçam as muitas questões e responsabilidades por apurar no âmbito do caso BES/GES.
O controlo público do sistema financeiro ganha redobrada actualidade
Falou o governador do Banco de Portugal (BdP) e, três semanas passadas, acumulam-se os «os silêncios e omissões sobre este caso e os contornos que o envolvem, impondo-se apurar a situação até ao fim e tomar as medidas correspondentes», afirmou Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, em conferência de imprensa realizada na segunda-feira, 25.
Para o PCP, as manobras que procuram circunscrever as responsabilidades do caso BES/GES «a alguns protagonistas» têm por objectivo esconder as questões do «funcionamento do sistema capitalista e da correspondente configuração do sistema financeiro», bem como «as responsabilidades políticas de sucessivos governos e reguladores» que executam as «regras impostas pelo próprio sistema financeiro depois de capturar o poder político».
«É inadmissível que o primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o governador do BdP não assumam as suas responsabilidades políticas», prosseguiu Jorge Pires, que acusou o Governo de levar a cabo uma «política da mentira», nomeadamente pela via da mistificação das funções da regulação, «que sabem concebidas para não “regular”», ou pela das constantes afirmações sobre a solidez das instituições financeiras.
Insistindo na questão da ausência de apuramento de responsabilidades criminais, políticas e éticas no processo GES/BES, o dirigente comunista sublinhou o facto de algumas figuras, conhecidas pelo seu papel de destaque na condução dos destinos do GES (sobretudo do banco), estarem agora a intervir no Novo Banco, como consultores e ao nível da administração, sendo que, no caso de José Maria Ricciardi, o «escândalo» chega ao ponto de o regulador permitir que se mantenha como presidente do BESI (Banco Espírito Santo de Investimento).
Impedir a alienação
«A situação criada e as evoluções que conduziram à canalização de 4,4 mil milhões de euros para o Novo Banco exige, para já, até ao apuramento real e definitivo, que o Estado use todos os meios ao seu dispor para que sejam impedidas quaisquer alienações ou vendas de activos integrados no Novo Banco, mas também nas empresas do GES», defendeu Jorge Pires, depois de afirmar que aquilo que tem vindo a público não revela a intenção, do Governo e do BdP, de pôr o banco a funcionar ou de defender os interesses nacionais: «por mais desmentidos que façam, o que o actual processo revela é a reprodução do que aconteceu no BPN, com a venda à pressa e ao desbarato do património e activos».
Assim, o PCP exige respostas claras sobre o verdadeiro projecto que o Governo e o BdP têm para o futuro do banco, «e não a continuada dissimulação da ministra das Finanças, que, a pretexto da tese de que é uma empresa privada», pretende contornar o facto de estarmos «perante um banco capitalizado com uma parte significativa de dinheiros públicos, gerido a partir do Ministério das Finanças e do Banco de Portugal, e com implicações diversas na economia nacional».
Concentração do sector bancário
No desenvolvimento deste processo, assume particular actualidade a denúncia, feita pelo PCP, das consequências para o nosso País da gigantesca operação de concentração e centralização do sector bancário na União Europeia, a chamada União Bancária. Esta, ao contrário do que se procura fazer crer, «não se destina a reforçar os mecanismos ditos independentes de controlo, supervisão e fiscalização do sector financeiro, mas a aprofundar o papel central que o Banco Central Europeu tem no processo de concentração e centralização de capital», afirmou o dirigente comunista, que acusou as entidades reguladoras de actuarem de acordo com uma lógica de liberalização dos sectores em que intervêm – a actuação do BdP é disso testemunho –, escudando-se numa autonomia que deriva da ausência de controlo democrático do seu desempenho, para impor decisões, em geral, favoráveis ao grande capital.
Neste contexto e no âmbito das medidas tomadas por PS, PSD e CDS no que respeita ao BCP, BPN e BPP, – «que levaram à implosão dos dois últimos e rapidamente se transformaram num mecanismo de transferência dos elevados prejuízos do sector financeiro (o seu “lixo tóxico”) para o Estado» –, Jorge Pires destacou a actualidade da exigência do controlo público do sistema financeiro, que é decisivo para o desenvolvimento do País.
Defender o interesse nacional
O PCP reagiu, no dia 21, numa nota do Gabinete de Imprensa, às notícias relativas à oferta pública de aquisição (OPA) formalizada pelo grupo mexicano Ángeles sobre a Espírito Santo Saúde (ES Saúde). Não sendo ainda conhecido qualquer parecer do Tribunal Comercial do Luxemburgo sobre a gestão controlada da RioForte (principal accionista da ES Saúde), nem da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) «sobre as condições em que esta operação de legalidade duvidosa se está a realizar», o Partido considera que o Estado português deve denunciar o acordo que o liga à ES Saúde no caso do Hospital Beatriz Ângelo (Loures) – gerido no âmbito de uma parceria público-privada (PPP) –, integrando essa unidade hospitalar no Serviço Nacional de Saúde, e proceder à eliminação de todas as PPP na área da saúde.
Na mesma linha de defesa do interesse nacional, o PCP considera que o Governo deve pôr um ponto final no acordo que permitiu que a ADSE esteja a financiar a ES Saúde com centenas de milhões de euros e que faz do Estado português o maior financiador do grupo, «num valor que rondará os 50 por cento» das suas receitas.
No que respeita ao Ángeles, o Partido chama a atenção para o facto de estarmos perante um grupo económico que, tendo iniciado a sua actividade na área da saúde, «a transformou num negócio cujo objectivo é canalizar os lucros nela obtidos para a actividade especulativa, através de empresas que detém na área dos seguros e da banca».
Com a denúncia dos acordos referidos, o Estado português resolve dois problemas: acaba com o financiamento a grupos privados de saúde e impede, mais uma vez, que «a saúde dos portugueses se transforme num grande negócio para um grupo privado, que quer gerir com a garantia de clientes e financiamento público», defende o PCP.