Novos e velhos problemas no início do ano lectivo

«Normalmente» mau

No início de mais um ano lec­tivo, ve­lhos e novos pro­blemas e obs­tá­culos se co­locam à Es­cola Pú­blica, se­ri­a­mente ame­a­çada pela po­lí­tica do Go­verno em­pe­nhada na sua pri­va­ti­zação, des­ca­rac­te­ri­zação e des­truição. Para o PCP, só a luta por uma edu­cação pú­blica, gra­tuita, de qua­li­dade e para todos, en­vol­vendo toda a so­ci­e­dade, po­derá de­fender esta que foi uma va­liosa con­quista de Abril.

A pri­va­ti­zação da es­cola pú­blica é um ob­jec­tivo cen­tral do Go­verno

Por mais que o Go­verno, e em par­ti­cular a equipa do Mi­nis­tério da Edu­cação, con­si­derem «normal» o início deste ano lec­tivo, a ver­dade é que – como sa­li­entou Jorge Pires, da Co­missão Po­lí­tica, numa de­cla­ração po­lí­tica pro­fe­rida an­te­ontem, 16, ao início da tarde – ele «não co­meça bem». A re­fe­rida nor­ma­li­dade re­si­dirá no facto de os pro­blemas re­gis­tados este ano não serem novos; são, sim, a versão agra­vada de uma po­lí­tica que já vem de trás e que terá (como já está a ter) dra­má­ticas con­sequên­cias para o pre­sente e, so­bre­tudo, para o fu­turo do País.

Os cerca de um mi­lhão e meio de cri­anças e jo­vens que esta se­mana ini­ci­aram mais um ano es­colar de­pa­raram-se com um ce­nário di­fícil, afirmou o di­ri­gente co­mu­nista enu­me­rando os pro­blemas prin­ci­pais: falta de mi­lhares de pro­fes­sores nas es­colas; en­cer­ra­mento de mais 311 es­colas do 1.º ciclo do En­sino Bá­sico; falta de con­di­ções em muitas es­colas de aco­lhi­mento para re­ceber os alunos dos es­ta­be­le­ci­mentos en­cer­rados; di­fi­cul­dades das au­tar­quias em obter os meios ne­ces­sá­rios para ga­rantir trans­portes e as­sumir ou­tras res­pon­sa­bi­li­dades; falta de mi­lhares de fun­ci­o­ná­rios, o que im­pede o normal fun­ci­o­na­mento das es­colas; e a ma­nu­tenção de 318 mega-agru­pa­mentos que, para o PCP, são es­paços «pro­fun­da­mente de­su­ma­ni­zados».

O agra­va­mento das con­di­ções de tra­balho e de en­sino-apren­di­zagem uma vez mais re­gis­tado re­sulta, em boa parte, de normas sobre or­ga­ni­zação do ano es­colar im­postas pelas Fi­nanças e não, como seria óbvio, por im­pe­ra­tivos pe­da­gó­gicos, de­nun­ciou Jorge Pires. Também a ins­ta­bi­li­dade pro­fis­si­onal e so­cial a que mi­lhares de pro­fes­sores são su­jeitos ano após ano, «fruto da pre­ca­ri­e­dade de um vín­culo que gera um clima de in­se­gu­rança nas suas vidas», con­tribui para gerar nas fa­mí­lias dú­vidas sobre a qua­li­dade do en­sino da es­cola pú­blica – o que, para o di­ri­gente do Par­tido, serve na per­feição o ob­jec­tivo do Go­verno de pro­mover a «cha­mada “li­ber­dade de es­colha”, ou seja, pro­mover o pri­vado».

De­sin­ves­ti­mento e sub­missão

Re­jei­tando a tese dos de­trac­tores da es­cola pú­blica, que afirmam que Por­tugal «gasta muito com a edu­cação», o membro da Co­missão Po­lí­tica re­correu aos dados re­cen­te­mente di­vul­gados pela OCDE para provar pre­ci­sa­mente o con­trário: entre 2000 e 2010, Por­tugal foi um dos países da or­ga­ni­zação que menos in­vestiu, si­tu­ação que se agravou com a en­trada da troika no País e com a «sub­missão dos úl­timos go­vernos aos seus di­tames».

A ver­dade é que, in­sistiu Jorge Pires, nos úl­timos três anos os cortes no en­sino não su­pe­rior atin­giram mais de 1700 mi­lhões de euros (- 26 por cento), en­quanto que no En­sino Su­pe­rior as­cen­deram aos 401 mi­lhões (- 16 por cento). Ao mesmo tempo, de­nun­ciou o di­ri­gente co­mu­nista, as fa­mí­lias foram cha­madas a su­portar mai­ores custos do seu bolso: uma fa­mília com um filho de­pen­dente gasta, em média, 938 euros com a sua edu­cação; no caso de ter dois fi­lhos, o custo sobe para 1339 euros.

Aos que só en­con­tram ra­zões eco­no­mi­cistas no pro­cesso de pri­va­ti­zação do en­sino, já anun­ciado pelo Go­verno, Jorge Pires apelou a que vissem mais além: a mer­can­ti­li­zação da edu­cação, afirmou, não visa apenas a trans­for­mação de um di­reito cons­ti­tu­ci­onal num «grande ne­gócio para os grupos pri­vados»; ela im­plica uma «al­te­ração de pa­ra­digma, que passa por di­fi­cultar o acesso dos fi­lhos dos tra­ba­lha­dores aos ní­veis su­pe­ri­ores de co­nhe­ci­mento».

Pa­ra­digma de des­truição

É à luz deste «novo pa­ra­digma» que se deve ana­lisar o con­junto de al­te­ra­ções que o Go­verno tem vindo a in­tro­duzir no sis­tema edu­ca­tivo nos úl­timos anos, ve­ri­fi­cadas quer no plano fi­nan­ceiro, com o subs­tan­cial au­mento dos custos para as fa­mí­lias mais des­fa­vo­re­cidas, quer ao nível das al­te­ra­ções cur­ri­cu­lares. Umas e ou­tras, acusou Jorge Pires, em­purram «am­plas ca­madas de es­tu­dantes, mais de 50 por cento dos alunos do Se­cun­dário, se­gundo o mi­nistro, para as vias pro­fis­si­o­na­li­zantes». No caso do En­sino Su­pe­rior, as mo­di­fi­ca­ções mais no­tó­rias foram a in­tro­dução das cha­madas «meias-li­cen­ci­a­turas» e a im­po­sição de custos exor­bi­tantes para os se­gundo e ter­ceiro ci­clos.

As jus­ti­fi­ca­ções apre­sen­tadas para este novo pa­ra­digma são as mais va­ri­adas, mas a re­a­li­dade, para o PCP, é que se está pe­rante o «aban­dono pro­gres­sivo, mas ace­le­rado, da ori­en­tação para a for­mação da cul­tura in­te­gral do in­di­víduo»; a subs­tituí-la está a acen­tu­ação do papel da es­cola como «an­te­câ­mara da ex­plo­ração e da sub­missão».

A acen­tu­ação da mu­ni­ci­pa­li­zação da edu­cação, a de­le­gação de mais com­pe­tên­cias nas au­tar­quias, a sempre pre­sente in­tenção de in­tro­duzir a «li­ber­dade de es­colha ou mesmo o cheque en­sino» e, no En­sino Su­pe­rior, a res­trição das áreas de for­mação e in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica e de de­sen­vol­vi­mento às «áreas de apli­cação di­recta, ao ser­viço dos in­te­resses do ca­pital, com o aban­dono de áreas sem valor ime­diato no mer­cado», são peças desta es­tra­tégia.

O di­ri­gente co­mu­nista su­bli­nhou, no final da de­cla­ração, que «também na edu­cação há um rumo al­ter­na­tivo»: está nas mãos do povo, dos tra­ba­lha­dores do sector e dos es­tu­dantes cons­truí-lo, afirmou. O de­sen­vol­vi­mento in­te­grado do País a isso obriga.

 

Hu­mi­lhação e des­va­lo­ri­zação

 Com­po­nente es­sen­cial da po­lí­tica de ataque à Es­cola Pú­blica, vi­sando a sua des­truição, é a hu­mi­lhação e des­va­lo­ri­zação pro­fis­si­onal dos do­centes. Mais de oito mil foram in­justa e ile­gal­mente afas­tados do sis­tema, de­nun­ciou Jorge Pires, para quem esta me­dida con­firma que a «des­va­lo­ri­zação da Es­cola Pú­blica, e do seu elo mais im­por­tante que são os do­centes, é, para o Go­verno, um ele­mento fun­da­mental no pro­cesso de pri­va­ti­zação».

Os nú­meros falam por si: mais de 90 por cento dos pro­fes­sores sem vín­culo, que se can­di­da­taram a um con­trato, «fi­caram no de­sem­prego de sempre». Con­tra­tados foram apenas 3256, quando no ano pas­sado ti­nham sido 4545 – que era, até então, o mais baixo nú­mero al­guma vez ve­ri­fi­cado. A somar a isto está o facto de se terem apo­sen­tado 30 mil do­centes desde 2007.

A pre­ca­ri­e­dade e o des­res­peito por di­reitos la­bo­rais e so­ciais atinge também os de­mais tra­ba­lha­dores da Es­cola Pú­blica, no­me­a­da­mente os as­sis­tentes ope­ra­ci­o­nais, lem­brou ainda Jorge Pires. Para além do seu nú­mero ser cla­ra­mente in­su­fi­ci­ente – fal­tarão pelo menos cinco mil destes tra­ba­lha­dores no sis­tema –, o seu papel tem vindo a ser des­va­lo­ri­zado por vá­rias me­didas dos go­vernos nas áreas da edu­cação e da ad­mi­nis­tração pú­blica. 




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