Comentário

A nova Comissão: mais uma encenação

Miguel Viegas

No próximo dia 22 de Outubro decorrerá a votação final do colégio de comissários pelo Parlamento Europeu. Neste dia, ficará concluído o processo de criação da nova Comissão Europeia para os próximos cinco anos. Uma narrativa longa que começou com a eleição do presidente da Comissão Europeia, seguida da audição dos comissários e que culminará com a eleição em bloco da Comissão Europeia.

Procurou-se desde o início, através de uma enorme campanha de marketing, valorizar o papel do Parlamento Europeu e atribuir um carácter democrático a este processo. Logo aquando das eleições para os deputados do Parlamento Europeu procurou-se criar junto dos eleitores a ilusão segundo a qual se estava a votar para o presidente da Comissão Europeia, apesar de nos tratados nada indicar que assim seja. Como se veio a demonstrar a seguir, e tal como os tratados determinam, a nomeação do presidente da Comissão resultou de um acordo governamental cuja conclusão acabou por reflectir o resultado eleitoral, mas sem que este fosse vinculativo como nos foi vendido ao longo da campanha eleitoral.

Continação de políticas

A audição dos comissários que decorreu nas últimas semanas foi mais um acto desta grande farsa. Quem ainda tinha algumas ilusões, na sequência da retórica social usada por Juncker no seu discurso de tomada de posse, ou é cego ou perdeu-as definitivamente com a passagem pelo PE dos 27 candidatos a comissários. Para lá das fingidas preocupações sociais com os mais desfavorecidos, com o emprego e com o crescimento económico, o que fica é a certeza da continuidade da orientação neoliberal das políticas que arrastaram a UE para a actual recessão. Para lá da tentativa de apresentar uma Comissão Europeia renovada, coesa, ancorada em dez projectos prioritários numa gestão partilhada e solidária, o que sobra é uma completa incerteza à volta de um novo organigrama confuso, com inúmeras áreas de sobreposição, à qual se junta uma hierarquia verticalizada que não augura nada de bom, com comissários de primeira, de segunda e até de terceira.

Sobre as audições propriamente ditas, em que a esmagadora maioria das questões ficaram sem resposta, sobressai não só o vínculo profundo de cada um dos comissários às agendas neoliberais da Comissão Europeia, mas também as ligações directas ao grande capital europeu. Que dizer, por exemplo, da ligação do britânico Jonathan Hill aos grandes grupos financeiros da City de Londres e à sua recusa em divulgar as empresas onde trabalhou no passado? Que dizer do espanhol Miguel Cañete e das suas ligações às empresas petrolíferas Dúcar e Petrologis, quando é público que apenas vendeu as suas participações em Setembro para afastar possíveis suspeitas? E que dizer do seu silêncio quando inquirido sobre a presença do seu filho e cunhado nos conselhos de administração daquelas companhias? Que dizer das contradições de Katainen ou Dombrovskis entre as preocupações sociais usadas nos seus discursos e as suas práticas políticas nos respectivos países, onde levaram a austeridade a níveis nunca vistos na Europa com cortes salariais, privatizações e múltiplas benesses ao grande capital? Que dizer ainda do nosso comissário Moedas e da sua passagem pela inevitável Goldman Sachs?

Como seria de esperar, e apesar de alguns gritos de indignação, nada de substancial aconteceu ao longo deste processo. A vítima que acabou imolada, em nome de uma pretensa legitimação democrática por parte do PE, acabou por ser a candidata da Eslovénia, Alenka Bratusek. Refira-se que esta se autonomeou comissária quando ainda era primeira-ministra do seu país, à revelia da oposição que, entretanto, ganhou as eleições, acabando assim por ser a cereja deste bolo democrático servido à mesa dos cidadãos.




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