Pela dignidade e pelo direito a ter direitos

Combater a pobreza

João Bernardino

Comemora-se amanhã, 17 de Outubro, mais um dia internacional pela erradicação da pobreza, num quadro em que a situação no nosso País, nos países da União Europeia e genericamente em todo o Mundo, o flagelo das desigualdades sociais, da pobreza, e da exclusão social atingem proporções indignas e aviltantes, tocando irremediavelmente na dignidade humana, carecendo urgentemente dum firme combate e uma efetiva erradicação.

O Estado, entre Junho de 2013 e Junho 2014, pediu a penhora de meio milhão de salários de trabalhadores num quadro em que ocorreram muitas formas de perdões fiscais e isenções de transacções em bolsa à movimentação de capitais

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A pobreza e a exclusão social não são uma fatalidade nem sequer fruto do acaso. São problemas estruturais na sociedade portuguesa e têm causas imediatas mas também profundas, com raízes no modo como a sociedade e a economia estão organizadas bem como nas sucessivas políticas que lhe têm dado suporte, que urge enfrentar e banir da nossa sociedade. Trata-se naturalmente de um objectivo audacioso, que exige determinação, alargada consciencialização a todos os sectores da sociedade, numa tarefa sem tréguas com um grande empenhamento unitário, para o qual é indispensável canalizar muito esforço e energias.

A todo o momento somos confrontados com o desemprego de famílias inteiras, a fome e a miséria, a proliferação de exíguos salários e reformas, o aumento das rendas de casa, as crescentes dificuldades em ir ao médico ou à farmácia, vendo os filhos e a família forçados a emigrar para conseguirem sobreviver. Acresce ainda que aumenta o número dos inactivos no total de jovens que não trabalham, não estudam nem estão em formação.

Segundo os dados mais recentes e publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, o INE, a taxa de risco de pobreza ronda os 19%, sendo a mais elevada desde 2005. Estamos perante cerca de três milhões de pessoas pobres, das quais perto de 300 mil são crianças e destas 120 mil passam fome sofrendo com falta de comida. Os menores de 18 anos, as famílias com filhos a cargo e os desempregados são os mais afectados. O número de casais com ambos os cônjuges desempregados tem vindo a aumentar registando uma taxa de 2% de aumento no primeiro trimestre deste ano. Acresce ainda que 10,5% dos trabalhadores empregados encontram-se abaixo do limiar da pobreza, confirmando a crescente ideia de que não basta estar empregado para não se ver enredado nessa indigna condição que é a pobreza.

Neste quadro sem dúvida que as crianças e os jovens foram transformados no elo mais fraco da situação. Tem aumentado progressivamente o número de crianças e jovens em risco. Cresceu por esse facto também o número de crianças que todos os dias chegam às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em risco, as CPCJ. Numa realidade que é reflexo da progressiva degradação da situação social e laboral no nosso País e que fragiliza ainda mais esta camada da população agravando os factores de exclusão social e da pobreza. Embora as situações de risco tenham causas sociais diversas, uma parte significativa deste agravamento da situação das crianças e dos jovens é resultado do aumento do desemprego, dos baixos salários e do ciclo de pobreza e de exclusão social que atingem milhares de famílias, na sua maioria agregados familiares nucleares, em idade activa e com profissões pouco qualificadas, incluindo as famílias monoparentais, que impedem de poderem assumir as suas responsabilidades na protecção das suas crianças e de promoverem a sua segurança, educação, saúde e desenvolvimento integral. Infelizmente esta realidade estende-se pelo Mundo inteiro: e é significativo que a luta e a denúncia da situação esteja a ter eco, dado que a insuspeita Academia Nobel da Noruega atribuiu o Prémio Nobel da Paz 2014, a par de Malala Yousafzai, ao grande lutador indiano pelos direitos das crianças, o activista Kalash Satyarthi.

Saliente-se que em 2012 o limiar de pobreza correspondia a um rendimento mensal líquido de 409 euros. Contudo, se o valor do limiar da pobreza em 2012 fosse o registado em 2009, actualizando à taxa de inflação média do período, obter-se-ia um rendimento de 469 euros, resultando uma taxa de pobreza de 24,7% em vez de 18,7%.

A pobreza alastra

A pobreza, longe de estagnar, estende-se a novas camadas da população, sujeitas a um rápido e acentuado empobrecimento ou a fenómenos de exclusão social, em resultado, entre outros, do crescimento do desemprego de longa duração, da consecutiva marginalização de minorias étnicas, da desertificação do interior e da desvalorização dos rendimentos do trabalho e das pensões. Acresce a isto que Portugal apresenta o mais elevado fosso de desigualdades sociais, como se pode verificar pela análise do critério dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres. É no nosso País que o fosso social entre estas duas realidades sociais é maior e em contínuo crescimento nos últimos anos, confirmando o agravamento das desigualdades e a promoção da concentração da riqueza.

Quase um quarto dos portugueses (2,3 milhões ) continua sem conseguir pagar, ou com muitas dificuldades em pagar, as suas despesas básicas.

Portugal foi dos países onde o peso do rendimento dos 1% dos mais ricos mais cresceu, num aviltante quadro de restrição, de sacrifícios e de empobrecimento da população, perante a ignóbil afirmação tantas vezes intencionalmente propalada de que andámos a viver acima das nossas possibilidades.

O Estado, entre Junho de 2013 e Junho 2014, pediu a penhora de meio milhão de salários de trabalhadores num quadro em que ocorreram muitas formas de perdões fiscais e isenções de transacções em bolsa à movimentação de capitais.

Falsos argumentos

Às desigualdades na distribuição dos rendimentos para quem vive do seu trabalho, soma-se a crescente fragilização de importantes instrumentos de redistribuição do rendimento nacional, abrindo cada vez mais lacunas no sistema público de Segurança Social, e na degradação dos serviços de saúde e de ensino e educação.

Na situação que vive o nosso Pais é muito importante aprofundar o esclarecimento sobre a origem e causas da pobreza, e contrariar ditos, intencionalmente repetidos que «sempre houve e haverá pobreza» ou que «são pobres porque não têm cabeça ou são preguiçosos».

A pobreza no nosso País radica nos modelos de crescimento económico adoptados, privilegiando actividades especulativas, baixos rendimentos do trabalho e das reformas e altos níveis de desemprego, acentuando sempre uma grande desigualdade na distribuição do rendimento, como já atrás referido.

Na ofensiva a que temos estado sujeitos, urge denunciar e dar cabal esclarecimento a estafados argumentos de que não é possível dar tudo a todos, por causa da crise, do aumento da esperança de vida ou da economia que cresce ou da indexação de aumentos salariais a ritmos de produtividade. São falsos argumentos, que caem por terra quando se olha para os meios envolvidos, nestes últimos anos, para a salvação da banca e dos banqueiros, e dos seus negócios especulativos. Biliões de euros para o resgate aos bancos na União Europeia pagos pelos contribuintes. Em Portugal o BPN e o BES já arrecadaram do erário público uma verba superior a 10 mil milhões de euros.

O combate à pobreza exige ser entendido duma forma integrada, desde logo e naturalmente no âmbito político, económico e no campo social, com definição de objectivos e intenções firmes, transparentes e duradouras num empenhamento muito generalizado.

Por iniciativa da Comissão Nacional Justiça e Paz, a Assembleia da República declarou, em 2008, solenemente e por consenso, em duas resoluções, a número 10/2008 de 19 de Março e a resolução número 31/2008 de 23 Julho, a pobreza como uma violação de direitos humanos e cometeu ao Governo a tarefa de definir um limiar de pobreza e de implementar e avaliar as políticas públicas de erradicação da pobreza no nosso País, reservando para si própria um papel de observação e acompanhamento da situação da pobreza. Contudo, passados seis anos, estas importantes resoluções estão paradas numa gaveta sem o necessário cumprimento e seguimento.

É preciso mudar de política

A pobreza é sem dúvida uma situação de privação múltipla, más condições de vida, resultante da falta de recursos, monetários e outros. Não é uma questão marginal e não se resolve apenas com acções de assistência social. É muito importante o esforço de solidariedade por parte de pessoas e instituições da economia social para acorrer a situações de emergência, para mitigar as situações de privação, para dar atenção e acolhimento a muitas pessoas. Mas tal esforço não resolve o problema, não atinge as causas, não assegura a indispensável capacitação e autonomia dos pobres e a inclusão social.

Nesse sentido importa eliminar de sucessivas práticas políticas a injusta distribuição da riqueza nacional, as estratégias de inviabilização dos sistemas públicos de saúde, de ensino e de Segurança Social, bem como a degradação e alienação de serviços públicos essenciais ao bem-estar da população e reiteradas práticas de baixos salários, reformas e pensões de miséria, tal como níveis elevadíssimos de desemprego e as várias formas de exploração e degradação laboral.

A situação seria completamente diferente se o rumo da política económica seguisse outro caminho. Uma política económica orientada para o desenvolvimento e a criação de emprego. Uma justa distribuição da riqueza que valorize os salários e as pensões, o reforço da Segurança Social pública, com a valorização das prestações sociais e a promoção de eficazes serviços públicos, assentes numa justa política fiscal e de financiamento da Segurança Social.

Sem dúvida que o combate à pobreza e o caminho para a sua erradicação, exigem um conjunto alargado e coerente de políticas públicas centradas nas pessoas, que assegurem o desenvolvimento da economia, a criação de emprego, uma mais justa repartição primária do rendimento, melhores salários, reformas e pensões , serviços públicos qualificados e acessíveis, saúde, educação e acesso a uma habitação digna.

 

Propostas do PCP para combater a pobreza 

  • Renegociar a dívida, rompendo com o garrote que ela constitui ao desenvolvimento soberano de Portugal;

  • promover e valorizar a produção nacional e recuperar para o controlo público os sectores e empresas estratégicas, designadamente do sector financeiro;

  • valorizar os salários e rendimentos dos trabalhadores e do povo e assegurar o respeito pelos direitos;

  • defender os serviços públicos e as funções sociais do Estado, designadamente o direito à educação, à saúde e à protecção social;

  • adoptar uma política fiscal que desagrave a carga sobre os rendimentos dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas e tribute fortemente os rendimentos do grande capital, os lucros e a especulação financeira; 

  • rejeitar a submissão às imposições do euro e da União Europeia recuperando para o País a sua soberania económica, orçamental e monetária.

  Sobre a desoneração fiscal dos trabalhadores e das famílias, estabelecendo como prioridade a redução da carga fiscal em sede de IRS e o reforço da progressividade do imposto, o PCP propõe:

– aumento do número de escalões, diminuindo a taxa de imposto nos escalões mais baixos e intermédios e criando um novo escalão para rendimentos muito elevados, a que corresponderá uma taxa de imposto mais alta;

– eliminação da sobretaxa extraordinária;

– generalização do princípio do englobamento de todos os rendimentos.

Em sede do IVA, apresentará uma proposta para redução da taxa normal do IVA e o alargamento da aplicação da taxa reduzida ou intermédia do IVA a bens e serviços essenciais, incluindo aquela aplicada ao gás e à eletricidade.

Quanto às micro e pequenas empresas, o PCP apresentará um conjunto de propostas, em sede de IRC e IVA, destacando:

– eliminação gradual, até 2017, do pagamento especial por conta;

– redução da taxa nominal de IRC para as micro e pequenas empresas;

– alargamento do regime simplificado a todas as micro empresas e a introdução de coeficientes técnico-científicos por sector de actividade;

– redução da taxa do IVA da restauração para 13%;

– generalização do regime do IVA de caixa nas transacções com o Estado e o alargamento do montante máximo que permite o acesso a este regime.

Paralelamente a estas propostas de desoneração fiscal dos trabalhadores e das micro e pequenas empresas, o PCP apresentará um conjunto de propostas visando uma tributação mais justa dos lucros dos grandes grupos económicos e das grandes fortunas e o combate à especulação financeira. Entre estas propostas, destacamos:

– reposição da taxa nominal de IRC em 25% e a criação de uma taxa mais elevada para as grandes empresas;

– utilização dos resultados contabilísticos para o apuramento da taxa de IRC;

– redução significativa do número de anos durante os quais é permitido deduzir prejuízos fiscais.

Proporá ainda a eliminação dos benefícios fiscais associados ao offshore da Madeira e a eliminação da isenção de 50% no IMI sobre imóveis integrados em fundos de investimento imobiliários, assim como a tributação acrescida de automóveis de luxo, iates e aeronaves.

Por fim, proporá a criação de dois novos impostos: um imposto sobre transacções financeiras e um imposto sobre património mobiliário, incidindo sobre participações sociais, títulos de dívida privada, depósitos e outras aplicações financeiras, acima de determinados limiares.

No conjunto destas propostas ter-se-ão em conta as necessidades de financiamento do Orçamento do Estado de modo a aumentar o investimento, cumprir as responsabilidades com os trabalhadores e os reformados e garantir o financiamento das funções sociais do Estado e os serviços públicos.

O PCP assume assim uma proposta alternativa à sobrecarga dos trabalhadores em matéria fiscal bem como às manobras demagógicas do Governo para a manter, designadamente com a chamada fiscalidade verde e as manipulações em torno do IRS.