Municipalizar a educação – instrumento para despedir e privatizar escolas

Francisco Almeida

Os con­tratos que o Go­verno re­meteu, nos úl­timos dias, a um con­junto de câ­maras mu­ni­ci­pais, para des­cartar res­pon­sa­bi­li­dades e passá-las para o poder local, in­cluem um «prémio fi­nan­ceiro ao mu­ni­cípio» no valor de 13 594,71 euros por cada pro­fessor ou edu­cador que as au­tar­quias cortem/​des­peçam.

Dos con­tratos que o Go­verno en­viou a al­gumas au­tar­quias, para serem as­si­nados e en­trarem em vigor em ja­neiro de 2015, consta um anexo com um nú­mero de «do­centes es­ti­mados» pelo MEC como ne­ces­sá­rios. Caso o nú­mero de pro­fes­sores e edu­ca­dores a tra­ba­lhar no con­celho seja su­pe­rior aos «es­ti­mados» uma co­missão se en­car­re­gará de os re­duzir e de­pois dessa re­dução po­derá acon­tecer se­gunda re­dução, com a qual a Câ­mara ar­re­ca­dará os tais 13 594,71 euros por cada do­cente cor­tado [ar­tigos 41.º e 42.º do con­trato].

Está tudo cada vez mais claro – o Go­verno quer des­pedir mi­lhares de pro­fes­sores e edu­ca­dores, mas tenta es­capar ao odioso desta opção po­lí­tica. Para tanto, está mesmo dis­posto a pagar às au­tar­quias que queiram fazer este tra­balho sujo e as­sumir a exe­cução das suas op­ções po­lí­ticas e ide­o­ló­gicas.

Esta po­lí­tica de re­dução de do­centes nas es­colas não é ex­clu­siva do Go­verno PSD/​CDS. Ela está em curso há vá­rios anos, no­me­a­da­mente, desde os go­vernos PS/​Só­crates.

Para este ob­je­tivo con­tri­buiu o en­cer­ra­mento de es­colas e jar­dins-de-in­fância, o au­mento do nú­mero de alunos por turma, a cons­ti­tuição dos mega-agru­pa­mentos, as re­con­fi­gu­ra­ções cur­ri­cu­lares, a re­dução dos apoios aos alunos com ne­ces­si­dades edu­ca­tivas es­pe­ciais e di­fi­cul­dades de apren­di­zagem, a quase eli­mi­nação das horas dis­po­ní­veis para as es­colas de­sen­vol­verem pro­jetos e ati­vi­dades di­versas, os su­ces­sivos ata­ques às con­di­ções de exer­cício pro­fis­si­onal dos do­centes e tra­ba­lha­dores não do­centes, de­sig­na­da­mente através do agra­va­mento dos ho­rá­rios de tra­balho… Com estas me­didas foram lan­çados no de­sem­prego e atin­gidos pelos ho­rá­rios-zero mi­lhares de pro­fes­sores e edu­ca­dores e, si­mul­ta­ne­a­mente, de­gra­daram-se as con­di­ções de es­tudo e apren­di­zagem das cri­anças e jo­vens que fre­quentam a Es­cola Pú­blica.

A mu­ni­ci­pa­li­zação da edu­cação é apenas um ins­tru­mento usado pelo Go­verno para levar mais longe o corte no fi­nan­ci­a­mento da Es­cola Pú­blica e a des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado na área da edu­cação. Tudo o resto é apenas uma cons­trução dis­cur­siva para tentar reunir apoios em torno das op­ções po­lí­ticas e ide­o­ló­gicas do Go­verno PSD/​CDS.

Mas esta questão está também li­gada a uma outra opção do Go­verno – a pri­va­ti­zação da gestão das es­colas. Trata-se de um ob­je­tivo que fica claro no do­cu­mento sobre a cha­mada re­forma do Es­tado quando o Go­verno aponta para mais con­tratos com co­lé­gios pri­vados, pri­va­ti­zação das es­colas pú­blicas com as cha­madas «es­colas in­de­pen­dentes» e trans­fe­rência de mais res­pon­sa­bi­li­dades para as au­tar­quias.

As di­fi­cul­dades fi­nan­ceiras de muitas au­tar­quias que vá­rios go­vernos cri­aram e a com­ple­xi­dade que en­volve a gestão das de­zenas ou mesmo cen­tenas de es­colas exis­tentes nal­guns con­ce­lhos, será o pre­texto para a con­tra­tu­a­li­zação com em­presas pri­vadas da gestão das es­colas. Foi assim num tempo re­cente com ques­tões de menor com­ple­xi­dade – Ati­vi­dades de En­ri­que­ci­mento Cur­ri­cular (AEC), re­fei­tó­rios e re­fei­ções das cri­anças do 1.º Ciclo do En­sino Bá­sico ou a lim­peza das es­colas…

As con­sequên­cias deste ca­minho se­riam de­sas­trosas para as fa­mí­lias, para os pro­fes­sores e para as cri­anças e jo­vens.

 



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