Anticomunismo pavloviano

Filipe Diniz

Um jornal diário trata de «so­vié­ticos» aviões russos que re­cen­te­mente so­bre­vo­avam o Atlân­tico. Um canal de te­le­visão por cabo de­di­cado ao tu­rismo fala de Kiev, «ca­pital da Ucrânia ocu­pada pela União So­vié­tica desde fi­nais do séc. XIX». Nos EUA, o Par­tido Re­pu­bli­cano as­senta boa parte do seu re­cente su­cesso elei­toral no ataque à gestão «so­ci­a­lista» de Obama. São exem­plos, po­lí­tica e his­to­ri­ca­mente de­li­rantes, que ilus­tram o plano em que fun­da­men­tal­mente opera o an­ti­co­mu­nismo: o plano do ir­ra­ci­onal, o plano do con­di­ci­o­na­mento su­bli­minar.

É assim que al­guma gente de­sata de ime­diato a sa­livar se ouve dizer «PCP» e «muro de Berlim». Bastou que o Avante! – e muito bem – ex­pu­sesse os ele­mentos es­sen­ciais da re­a­li­dade his­tó­rica e po­lí­tica do «muro de Berlim», do pro­cesso que con­duziu à sua «queda», das con­sequên­cias dessa «queda» (que os povos de todo o mundo so­frem com cres­cente vi­o­lência) para se le­vantar um coro de in­sultos. Sem um único ar­gu­mento.

Ou talvez com um ar­gu­mento: o da his­tória «es­crita pelos ven­ce­dores». Ig­noram estes an­ti­co­mu­nistas pa­vlo­vi­anos que tal his­tória é pro­vi­sória. Podem agora in­sultar o PCP de «es­qui­zo­frenia po­lí­tica» ou de «re­es­crita» e «bran­que­a­mento» da his­tória. Com a im­po­sição da sua versão do pas­sado querem so­bre­tudo impor a sua versão do pre­sente, um pre­sente em que os tra­ba­lha­dores e os povos fi­quem in­de­fesos e amar­rados à ex­plo­ração. Es­creve uma in­quieta co­men­ta­dora que o PCP «per­ma­nece hábil a ex­plorar a po­breza e as de­si­gual­dades como com­bus­tível para ali­mentar a sua lu­ná­tica luta de classes».

Se es­ti­vessem tão se­guros da sua «his­tória», a pri­meira coisa que fa­riam seria pre­servar fi­si­ca­mente o «muro». O ar­qui­tecto Rem Ko­o­lhaas, que desde jovem o es­tudou en­quanto re­a­li­dade ur­bana, afirmou que o de­sola «que a pri­meira coisa a de­sa­pa­recer de­pois da queda do muro foi qual­quer ves­tígio dele pró­prio, […] sim­ples­mente em nome da ide­o­logia». Porque a Berlim pos­te­rior a 1989 se re­cons­trói se­gundo um mo­delo que evoca a ci­dade que se de­sen­volveu entre 1870 e 1930 ou seja, entre Bis­marck e a as­censão do na­zismo. A re­es­crita da his­tória re­es­creve a ci­dade.

A luta de classes cons­trói o fu­turo.

 



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