A realidade do desemprego em Portugal

Número de desempregados continua a aumentar

Eugénio Rosa

O INE acabou de pu­blicar os dados do de­sem­prego ofi­cial re­fe­rentes ao 3.º Tri­mestre de 2014. O Go­verno, uti­li­zando os dados que abrangem apenas uma parte dos de­sem­pre­gados, veio logo dizer, na sua cam­panha de ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica, que o de­sem­prego tinha di­mi­nuído, apre­sen­tando isso como um êxito da re­cu­pe­ração eco­nó­mica fruto da sua po­lí­tica de aus­te­ri­dade.

O Go­verno, na sua ânsia de re­duzir o dé­fice or­ça­mental (...) corta pres­ta­ções so­ciais a cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses que já vivem numa si­tu­ação de po­breza, al­guns de po­breza ex­trema

No en­tanto, se ana­li­sarmos não apenas «uma parte» mas também «as ou­tras partes» do de­sem­prego, re­ve­ladas igual­mente pelos dados do INE, con­cluímos que entre o 2.º Tri­mestre de 2014 e o 3.º Tri­mestre de 2014 o de­sem­prego não di­mi­nuiu em Por­tugal como afirma o Go­verno, mas até au­mentou. Para além disso, se con­si­de­ramos ou­tros dados ofi­ciais que não apenas os do INE, con­cluímos que a re­a­li­dade do de­sem­prego em Por­tugal, que o Go­verno e os seus de­fen­sores nos media pro­curam es­conder, é muito mais grave e negra do que aquela de que fala o Exe­cu­tivo.

Para isso, co­me­cemos por olhar os dados do INE e da Se­gu­rança So­cial do Quadro 1.

Se­gundo o INE, tanto os tra­ba­lha­dores in­cluídos no grupo «De­sem­prego ofi­cial» como os in­cluídos no grupo «Ina­tivos dis­po­ní­veis que não pro­cu­raram em­prego» estão de­sem­pre­gados e dis­po­ní­veis para tra­ba­lhar. A única di­fe­rença é que os pri­meiros pro­cu­raram em­prego no pe­ríodo de re­fe­rência em que foi feito o inqué­rito, en­quanto os se­gundos, por es­tarem de­sen­co­ra­jados (por pro­cu­rarem em­prego e nunca en­con­trarem) ou por qual­quer outra razão, não pro­cu­raram tra­balho no pe­ríodo em que foi feito o inqué­rito e por isso não são con­si­de­rados no nú­mero de de­sem­pre­gados de que fala o Go­verno.

É evi­dente que não é pelo facto de não terem pro­cu­rado em­prego que dei­xaram de estar no de­sem­prego em­bora, para o Go­verno, isso seja razão su­fi­ci­ente para os não con­si­derar como de­sem­pre­gados e, por isso, não se re­fere a eles quando fala do de­sem­prego. No en­tanto, se os con­si­de­ramos e se os so­marmos ao de­sem­prego ofi­cial de que fala o Go­verno con­cluímos que entre o 2.º Tri­mestre de 2014 e o 3.º Tri­mestre de 2014 o seu nú­mero passa de 985,5 mil para 991,2 mil, por­tanto o de­sem­prego efe­tivo au­mentou e não di­mi­nuiu, como afirma o Go­verno. E destes 991,2 mil de­sem­pre­gados que existem, se­gundo os pró­prios dados do INE, apenas 318,7 mil, ou seja, so­mente 32,2%, re­ce­biam sub­sídio de de­sem­prego em Agosto de 2014. Por­tanto, 672,5 mil de­sem­pre­gados não ti­nham di­reito ao sub­sídio. É por esta razão que o de­sem­prego é a prin­cipal causa da po­breza e da mi­séria em Por­tugal, para além das bai­xís­simas pen­sões, como mos­tra­remos mais à frente.

Dados ofi­ciais
longe da re­a­li­dade

Para se obter uma in­for­mação mais com­pleta da re­a­li­dade do de­sem­prego em Por­tugal é pre­ciso também ter em conta o cha­mado «su­bem­prego a tempo par­cial» e os «de­sem­pre­gados ocu­pados». O pri­meiro grupo – «su­bem­prego a tempo par­cial» – in­clui, se­gundo o INE, aqueles que não tra­ba­lham mais horas apenas por não en­con­trarem um em­prego a tempo com­pleto. E se­gundo o INE, es­tavam nesta si­tu­ação, no 3.º Tri­mestre de 2014, 232,1 mil tra­ba­lha­dores. O se­gundo grupo – «os de­sem­pre­gados ocu­pados» – era cons­ti­tuído, se­gundo o IEFP, por de­sem­pre­gados em ações de for­mação (76 220); por de­sem­pre­gados em es­tá­gios pro­fis­si­o­nais (41 847); e por de­sem­pre­gados no cha­mado «Tra­balho so­ci­al­mente ne­ces­sário» (29 789). Por­tanto, em Se­tembro de 2014, se­gundo o IEFP, 147 856 de­sem­pre­gados en­con­travam-se nesta si­tu­ação. Se so­marmos os que es­tavam na si­tu­ação de «su­bem­prego a tempo par­cial» (232,1 mil) aos «de­sem­pre­gados ocu­pados» (147,8 mil) obtém-se 379,9 mil que estão numa si­tu­ação de de­sem­prego, ou de falso em­prego (for­mação, es­tá­gios, tra­balho so­ci­al­mente útil, etc.) ou de em­prego par­cial pre­cário. E estes também não são con­si­de­rados nos nú­meros do Go­verno.

Se adi­ci­o­narmos estes 379,9 mil aos 991,2 mil, cons­tantes do Quadro 1, obtém-se 1371,1 mil por­tu­gueses que estão no de­sem­prego, ou em falso em­prego ou em em­prego par­cial pre­cário, o que re­pre­senta 24,7 por cento da po­pu­lação ativa mais ina­tivos dis­po­ní­veis que não pro­cu­raram em­prego. Uma re­a­li­dade negra que está muito longe da «re­a­li­dade cor de rosa» criada pelo Go­verno, com a qual pro­cura en­ganar a opi­nião pú­blica.

Para cla­ri­ficar as con­sequên­cias dra­má­ticas desta po­lí­tica de aus­te­ri­dade re­ces­siva que cria de­sem­prego ob­serve-se os dados do Quadro 2 também do INE.

Se­gundo o INE, em 2012, 40,2 por cento dos de­sem­pre­gados es­tavam no li­miar da po­breza, ou me­lhor numa si­tu­ação de ver­da­deira po­breza para não dizer de mi­séria. E esta per­cen­tagem tem cres­cido de uma forma rá­pida a partir de 2010 como re­velam os dados do INE. É esta a re­a­li­dade que o Go­verno pro­cura es­conder en­ga­nando a opi­nião pú­blica, uma re­a­li­dade que tende ainda a agravar-se mais porque o Go­verno, na sua ânsia de re­duzir o dé­fice or­ça­mental para pagar juros le­o­ninos aos bancos cre­dores e à troika (7600 mi­lhões de euros em 2014 e 8200 mi­lhões de euros em 2015), corta pres­ta­ções so­ciais a cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses que já vivem numa si­tu­ação de po­breza, al­guns de po­breza ex­trema.

Para 2015, o Go­verno já anun­ciou que quer cortar mais 100 mi­lhões de euros nestas pres­ta­ções.

Mais de 61 000 em­pregos
ame­a­çados na Função Pú­blica

Existe na pro­posta de Lei do Or­ça­mento do Es­tado para 2015 uma norma cujas con­sequên­cias têm pas­sado des­per­ce­bidas aos media e à opi­nião pú­blica, mas que se for apro­vada e im­ple­men­tada de­ter­mi­nará cer­ta­mente o des­pe­di­mento de de­zenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores na Função Pú­blica. Essa norma é o n.º 1 do art.º 54 que dispõe tex­tu­al­mente o se­guinte: «Du­rante o ano de 2015, os ser­viços e or­ga­nismos das ad­mi­nis­tra­ções di­reta e in­di­reta do Es­tado, re­gi­o­nais e au­tár­quicas não podem pro­ceder à re­no­vação de vín­culos de em­prego pú­blico a termo re­so­lu­tivo a não ser em si­tu­a­ções ex­ce­ci­o­nais, fun­da­men­tadas na exis­tência de re­le­vante in­te­resse pú­blico, e com au­to­ri­zação do mi­nistro das Fi­nanças e Ad­mi­nis­tração Pú­blica».

Se­gundo a Di­reção Geral da Ad­mi­nis­tração e Em­prego Pú­blico (DGAEP) do Mi­nis­tério das Fi­nanças, em Junho de 2014 exis­tiam nas Ad­mi­nis­tração Pú­blicas (Cen­tral, Local e Re­gi­onal) 61 145 tra­ba­lha­dores com «con­trato a termo re­so­lu­tivo», ou seja, a prazo.

Mo­vido pela ânsia de cum­prir o dé­fice or­ça­mental de 2,7 por cento, e acos­sado pela Co­missão Eu­ro­peia e pelo FMI que já dizem que o Go­verno não cum­prirá aquele dé­fice, e que é pre­ciso mais me­didas adi­ci­o­nais, po­derá acon­tecer, com base nesta norma, que o Go­verno se vire ainda mais contra estes tra­ba­lha­dores fa­zendo des­pe­di­mentos em massa. E isto para além das cen­tenas para não falar de mi­lhares que já anun­ciou que pre­tende co­locar na «si­tu­ação de re­qua­li­fi­cação» re­ce­bendo apenas 40 por cento da re­mu­ne­ração base em­pur­rando-os assim para o de­sem­prego.