PCP interpela Governo sobre distribuição da riqueza

A asfixia da produção

Muita pro­pa­ganda go­ver­na­mental tem en­vol­vido a agri­cul­tura, apre­sen­tando-a como sector di­nâ­mico e de fu­turo, qual «re­gresso aos campos» pro­ta­go­ni­zado à ca­beça por jo­vens agri­cul­tores. A re­a­li­dade é con­tudo bem di­fe­rente da his­tória de su­cesso que nos é con­tada. A agri­cul­tura é mesmo uma das áreas eco­nó­micas em que a «dis­tri­buição da ri­queza pro­du­zida é mais es­can­da­losa», su­bli­nhou o de­pu­tado co­mu­nista João Ramos, que deu va­ri­a­dís­simos exem­plos de como na ca­deia de valor a parte de leão vai para a dis­tri­buição e co­mércio, dei­xando os pro­du­tores à míngua ou à beira da ruína. Falou, aliás, de «re­lação as­fi­xi­ante» entre pro­dução e dis­tri­buição e há es­tudos que o com­provam ao in­di­carem que os agri­cul­tores ficam com 10 por cento e o co­mércio com 75 por cento, sendo que 75 por cento deste co­mércio está nas mãos da grande dis­tri­buição.

Os preços pagos à pro­dução são o me­lhor tes­te­munho deste de­se­qui­lí­brio, as­si­nalou o de­pu­tado do PCP, que se so­correu de dados do INE de Ou­tubro úl­timo e que não deixam margem para dú­vidas: de­crés­cimos de 67 por cento no preço da ba­tata, cerca de oito por cento no azeite a granel, nove por cento nos hor­tí­colas frescos, dois por cento nas plantas e flores.

Par­ti­cu­lar­mente cho­cante é a ba­tata paga a cinco cên­timos, o que levou muitos agri­cul­tores a não a re­tirar da terra, tal como é ina­cei­tável que o leite con­tinue a ser pago abaixo da média eu­ro­peia, ver­berou João Ramos, que ad­mitiu que os efeitos do em­bargo russo (em con­sequência das san­ções que lhe foram im­postas pela União Eu­ro­peia) e do fim das quotas lei­teiras «po­derão ser de­sas­trosos».

Com­pro­me­tidas estão também as ex­plo­ra­ções de­di­cadas aos pe­quenos frutos, como o mir­tilo a que se de­di­caram muitos dos jo­vens agri­cul­tores, ha­vendo quem as­suma já nem fazer a co­lheita face a um ex­cesso de pro­dução que es­maga os preços.

Não é também uma boa no­tícia o facto de mais de 15 mil agri­cul­tores terem dei­xado de apre­sentar can­di­da­turas a apoios através da PAC, na sequência da obri­ga­to­ri­e­dade de ins­crição nas Fi­nanças, isto num quadro onde essa dis­tri­buição de apoios já en­ferma de uma ter­rível as­si­me­tria: cinco por cento dos agri­cul­tores re­cebem 70 por cento das ajudas.

Tal como não é um dado fa­vo­rável a perda desde 2010, com este Go­verno, de 93 700 em­pregos na agri­cul­tura, ou, noutro plano ainda, o facto de no Al­queva – o maior in­ves­ti­mento de sempre na agri­cul­tura – es­tarem a pros­perar em larga es­cala as «mo­no­cul­turas in­ten­sivas, os grandes grupos eco­nó­micos e as mul­ti­na­ci­o­nais, como a So­vena e a Syn­genta».

«Um mo­delo eco­nó­mico que não teve re­flexos na em­pre­ga­bi­li­dade, nos sa­lá­rios e na fi­xação de po­pu­lação», ob­servou João Ramos, re­al­çando que pelo con­trário o que se as­siste é ao in­ten­si­ficar de um «mo­delo de sa­lá­rios baixos e pre­ca­ri­e­dade».

Pas­sando em re­vista as pescas, também neste ca­pí­tulo o de­pu­tado do PCP en­con­trou sé­rios mo­tivos para pre­o­cu­pação. É que os preços em lota são na sua mai­oria abaixo de um euro (chega a ser de sete cên­timos), tendo em 2013 o preço médio dos peixes ma­ri­nhos sido de 1,46 euros, valor que re­pre­senta uma re­dução face ao ano an­te­rior. Su­cede con­tudo que nas vendas ao con­su­midor os «preços não descem abaixo dos quatro euros», de­nun­ciou, João Ramos, que a este pro­pó­sito in­vec­tivou o Go­verno por não res­peitar a pro­posta do PCP, apro­vada em 2012, para o es­tudo da ca­deia de valor, de­ter­mi­nando mar­gens mé­dias.

Tudo so­mado, para o de­pu­tado co­mu­nista, a «pro­dução pode até ter au­men­tado». Seja, «mas em ma­téria de dis­tri­buição da ri­queza o País está pior», con­cluiu.

 

 

 



Mais artigos de: Assembleia da República

Um País desigual e injusto

Foi com desdém que a ministra das Finanças se referiu ao período a seguir à Revolução do 25 de Abril e às conquistas alcançadas pelo povo, apontando a «nacionalização da banca» como uma «parte do problema». «Uma das...

Alternativa credível

Reiterados no debate por Francisco Lopes foram os eixos principais que consubstanciam a política patriótica e de esquerda defendida pelo PCP. «O povo português está farto de injustiças, de empobrecimento, de afundamento e declínio nacional e aspira a um rumo...

Pela justiça fiscal

Factor que contribuiu de forma decisiva para o agravamento das desigualdades e injustiças sociais é o que se refere às opções do Governo em matéria de política fiscal. Para esta questão não se tem cansado o PCP de chamar a atenção, pondo...

Concentração da riqueza

Os privilégios e mordomias de que beneficiam os grandes grupos económicos, bem como os colossais lucros por si obtidos, em contraste absoluto com a carga pesada que recai sobre o factor trabalho, não atestam apenas o grau de iniquidade que vigora no sistema fiscal. São ainda o mais eloquente...

Valorizar o trabalho e os trabalhadores

Perda de «recursos e de conhecimento», com reflexo negativo no desenvolvimento do País, eis outra das consequências da actual política de rendimentos em «benefício do capital e em prejuízo do trabalho», com «desvalorização profissional e social...

Famílias especiais...

Registada pela bancada comunista foi a referência do ministro da Economia segundo o qual o Governo tem «feito muito» pelo rendimento das famílias. Alguma ponta de verdade haverá, admitiu o deputado comunista Bruno Dia. Mas apenas na parte que diz respeito a «famílias como a...

Desprotecção social

Mais 375 milhões de euros é quanto o Governo se prepara para cortar nos apoios sociais em 2015. Uma opção dirigida para cortar em quem mais precisa e menos tem, ao mesmo tempo que permanecem intocáveis os mecanismos de concentração da riqueza nos grandes grupos...

Trabalhar à borla

Uma nova forma de «trabalho escravo ou forçado», assim classificou o deputado comunista Jorge Machado os chamados «Contratos Emprego Inserção», que abrangem hoje mais de 30 mil pessoas. Considerou ser esta uma forma de o Estado obrigar os trabalhadores desempregados a...

Fuga ao País real

A oposição consistente do PCP à política de direita, conjugada com a apresentação das propostas concretas que dão corpo à sua política alternativa, funcionou na perfeição no debate. O mesmo é dizer que atingiu o alvo – e o Governo...