Entrevista a Yousef Ahmed, do Partido do Povo da Palestina

Construir a esperança

Face à cres­cente vi­o­lência si­o­nista, não é ab­surdo o ce­nário de uma re­acção po­pular mas­siva na Pa­les­tina, ex­plicou ao Avante! Yousef Ahmed, do Par­tido do Povo da Pa­les­tina (PPP), em en­tre­vista re­a­li­zada à margem do Se­mi­nário In­ter­na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade re­a­li­zado no final do mês de No­vembro, em Al­mada. Para o PPP, a re­sis­tência passa, no ime­diato, pelo iso­la­mento in­ter­na­ci­onal de Is­rael e pela cons­trução da uni­dade capaz de cons­truir a es­pe­rança no fu­turo da Pa­les­tina e do seu povo.

A re­sis­tência vai con­ti­nuar en­quanto per­sistir a ocu­pação

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O ob­jec­tivo da vossa vi­sita a Por­tugal foi cum­prido?

Na me­dida em que, através do Se­mi­nário In­ter­na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade com o Povo Pa­les­tino e dos en­con­tros com for­ma­ções po­lí­ticas e so­ciais por­tu­guesas, re­for­çámos os laços entre os nossos dois povos, entre as suas or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas e afir­mámos a vi­ta­li­dade da causa pa­les­ti­niana, po­demos dizer que sim, foi al­can­çado.

A vossa pre­sença no nosso país ocorre quando cresce o mo­vi­mento de re­co­nhe­ci­mento do Es­tado da Pa­les­tina, par­ti­cu­lar­mente por países e par­la­mentos eu­ro­peus. Con­si­dera esse um passo sig­ni­fi­ca­tivo?

So­bre­tudo pelos de­sen­vol­vi­mentos po­lí­ticos e pela lei­tura que tal induz. Quanto ao pri­meiro as­pecto, jul­gamos que a nossa pre­sença e acção no quadro dos en­con­tros e ini­ci­a­tivas de so­li­da­ri­e­dade pro­mo­vidas, con­tri­buiu para que o Go­verno por­tu­guês sofra maior pressão po­pular para re­co­nhecer o Es­tado da Pa­les­tina, tal como o fez re­cen­te­mente a Suécia. Deu-se também vi­si­bi­li­dade ao alar­ga­mento a sec­tores so­ciais e po­lí­ticos he­te­ro­gé­neos do de­bate em torno dos di­reitos na­ci­o­nais do povo pa­les­ti­niano, o que po­derá ter re­flexos im­por­tantes para a nossa luta.

Mas apesar desse mo­vi­mento e em certo sen­tido con­senso quanto ao di­reito de exis­tência do Es­tado da Pa­les­tina, a si­tu­ação no ter­reno de­grada-se. É um an­ta­go­nismo inex­pli­cável?

O facto de um cres­cente nú­mero de go­vernos e par­la­mentos es­tarem a re­co­nhecer o Es­tado da Pa­les­tina vai co­locar mais pressão sobre Is­rael. Isso é se­guro.

Por que é que Is­rael rouba a nossa terra e ex­pulsa o nosso povo desde 1948? Porque o pro­jecto si­o­nista é, desde então, impor como um facto con­su­mado a in­vi­a­bi­li­dade de um Es­tado da Pa­les­tina. Ora, nesse sen­tido, o re­co­nhe­ci­mento dos nossos di­reitos na­ci­o­nais é um sinal para Is­rael. É a to­mada de uma po­sição clara pela de­tenção do si­o­nismo, dos seus crimes, e a favor dos pa­les­ti­ni­anos.

De­gra­dação cres­cente das con­di­ções de so­bre­vi­vência; as­sas­si­natos, pri­sões, guerras de agressão e ex­pulsão dos nossos ter­ri­tó­rios é o que co­nhe­cemos há mais de 65 anos. Nem por isso dei­xámos de lutar. Exemplo claro é a úl­tima cam­panha contra a Faixa de Gaza, que pode estar ruínas, mas a moral do nosso povo não está des­truída. Pelo con­trário, até saiu re­for­çada pelo apoio mas­sivo e so­li­dário de­mons­trado em todo o mundo para com o povo de Gaza e contra o mas­sacre le­vado a cabo por Is­rael.

Talvez por isso se per­ceba que se te­nham vol­tado para Je­ru­salém, ati­çando os co­lonos e o exér­cito contra a pre­sença dos pa­les­ti­ni­anos na ci­dade. O pro­pó­sito é pro­vocar a re­acção de­ses­pe­rada dos pa­les­ti­ni­anos, acos­sados e alvo de li­qui­dação.

Em suma, o mo­vi­mento de re­co­nhe­ci­mento do Es­tado da Pa­les­tina in­dica a Is­rael que, mesmo que mude a si­tu­ação no ter­reno, não al­tera a po­sição da co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal quanto à ne­ces­si­dade de co­e­xis­tência de dois es­tados.

E jus­ta­mente no ter­reno, o que podem fazer os pa­les­ti­ni­anos para travar a ofen­siva si­o­nista? Uma nova In­ti­fada?

A re­sis­tência vai con­ti­nuar en­quanto per­sistir a ocu­pação. Temos é ade­quado os mé­todos às cir­cuns­tân­cias. O de­sen­ca­de­a­mento de uma nova In­ti­fada não de­pende, nunca de­pendeu, de ne­nhum par­tido ou mo­vi­mento. É uma re­acção po­pular.

O que está a acon­tecer em Je­ru­salém não é uma nova In­ti­fada. É con­sequência do de­ses­pero dos pa­les­ti­ni­anos face às pro­vo­ca­ções dos co­lonos e do exér­cito is­ra­e­litas, às de­ten­ções con­tí­nuas. Todos os seres hu­manos têm li­mites.

Mas a si­tu­ação não é muito di­fe­rente em Je­ru­salém e na Cis­jor­dânia...

É ver­dade, o que nos faz prever que a qual­quer mo­mento pode ocorrer um le­van­ta­mento po­pular es­pon­tâneo. Há, no en­tanto, que con­si­derar ou­tras cir­cuns­tân­cias. A questão também se co­loca do nosso lado. A Au­to­ri­dade Na­ci­onal Pa­les­ti­niana (ANP) não quer que a si­tu­ação se torne tu­mul­tuosa. O nosso par­tido também não quer, mas isso não sig­ni­fica que possa con­ti­nuar este grau de vi­o­lência e pro­vo­cação. Não po­demos ficar pa­ra­li­sados.

Sa­bemos quais as in­ten­ções de Is­rael – in­vi­a­bi­lizar a exis­tência de um Es­tado da Pa­les­tina pelo roubo de terras e ex­pulsão do nosso povo. Esse é o ob­jec­tivo de fundo. Não es­tamos, apesar de tudo, certos de qual vai ser o seu pró­ximo passo. Isto é, a ex­pe­ri­ência também de­monstra que uma re­acção de força da parte dos pa­les­ti­ni­anos pode ser o pre­texto para au­mentar ainda mais a re­pressão e, até, «jus­ti­ficar» a trans­fe­rência dos árabes-is­ra­e­litas para a Cis­jor­dânia ao abrigo da nova Lei que de­ter­mina que o Es­tado de Is­rael é para os ju­deus. Sempre aca­len­taram, aliás, o de­sejo de afastar de Is­rael os pa­les­ti­ni­anos que lá fi­caram.

De­pois há ainda um outro factor. A ANP está cada vez mais in­to­le­rante para com as fac­ções que se en­con­tram na opo­sição, que são mi­no­ri­tá­rias. Se cri­ticas Mah­moud Abbas e a ANP podes ser preso. Re­cen­te­mente, Abbas mandou deter dois mem­bros do seu pró­prio par­tido.

Não é apenas o PPP que pre­tende de­sa­fiar Is­rael em vá­rias frentes: di­plo­má­tica, nas ins­ti­tui­ções in­ter­na­ci­o­nais, in­cluindo as cri­mi­nais. Neste úl­timo caso, todos os par­tidos e mo­vi­mentos pa­les­ti­ni­anos as­si­naram um do­cu­mento que co­loca a questão e de­ter­mina que se avance. O PPP foi o pri­meiro a subs­crever um texto que até o Hamas as­sinou. Mas Abbas está com medo de avançar contra Is­rael e os EUA. A si­tu­ação é muito com­plexa.

Talvez de­vido a essas di­fe­renças o acordo para um go­verno de uni­dade na­ci­onal pa­les­ti­niana não tenha re­sis­tido...

Foi um grande passo em frente e o nosso par­tido de­sem­pe­nhou um papel im­por­tante para a sua con­cre­ti­zação. Mas Abbas foi muito pres­si­o­nado.

Nós pen­samos que con­tinua a ser ne­ces­sário re­formar a ANP na base de uni­dade na­ci­onal e tendo em vista a re­a­li­zação de elei­ções. Desde logo porque a ANP detém todas as ré­deas do poder e das ne­go­ci­a­ções, todas as in­for­ma­ções sen­sí­veis e não as par­tilha com nin­guém.

É ne­ces­sário re­co­locar ordem e cla­ri­ficar a vida po­lí­tica pa­les­ti­niana, dar es­pe­rança ao nosso povo.

A não ce­le­bração em uni­dade dos dez anos do de­sa­pa­re­ci­mento de Yasser Arafat é um sinal do apro­fun­da­mento das di­vi­sões entre os pa­les­ti­ni­anos?

Arafat nunca foi uma fi­gura to­tal­mente con­sen­sual. Hoje há, porém, ele­mentos de­ma­siado in­flu­entes na so­ci­e­dade pa­les­ti­niana que não pre­tendem manter viva a sua fi­gura. Entre o nosso povo con­tinua pre­sente o seu exemplo. Arafat per­ma­nece como um sím­bolo da nossa luta e pro­pó­sitos.



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