A história conta-se em poucas palavras.
Durante o penúltimo mandato, a Câmara instalou o Arquivo Municipal, depois de obras de adaptação, no edifício do antigo Tribunal.
Tempos antes, o presidente, Luís Filipe Meneses, manifestou a sua vontade de que fosse dado o nome de Óscar Lopes ao novo equipamento. Para o efeito enviou uma mensagem e o professor deu o seu consentimento.
Mas, chegada a ocasião, o nome anunciado foi o de Sophia de Mello Breyner. Grande poetisa e contista, figura cimeira da literatura portuguesa, lutadora pela democracia, o seu nome foi também uma boa escolha.
Mas havia um compromisso anterior. O Executivo de então, no entanto, nada comunicou ao professor Óscar Lopes, num gesto censurável. Prometeu depois que o seu nome seria dado a uma nova artéria a abrir no centro da cidade, entre a Avenida da República e a rua do General Torres. Mas também essa viria a ter o nome de outra personalidade.
Quem assim procedeu mostrou não ter palavra nem respeito por quem deve.
O falecimento de Óscar Lopes ocorreu durante o último mandato. No momento, o grupo municipal da CDU apresentou uma Moção na Assembleia em que, relembrando estes factos, recomendava ao Executivo que atribuísse o seu nome a uma rua ou praça condignas, ou a um equipamento educativo ou cultural. Como pedagogo, como escritor, como cidadão, como humanista, merecia bem esta homenagem do Município de Gaia. Mas a Moção foi rejeitada com os votos da maioria então vigente do PSD/CDS.
Já no presente mandato, a proposta voltou a ser apresentada na Assembleia Municipal. Desta vez não se ouviram vozes contrárias, e os presidentes da Câmara e da Assembleia manifestaram prontamente o seu acordo.
A Rua Óscar Lopes foi finalmente inaugurada em 23 de Dezembro, numa cerimónia pública condigna, na freguesia de Grijó.
Este episódio ilustra bem um tempo e como, afinal, o ódio e o preconceito permanecem para além das aparências. E como vale a pena persistir numa luta, por pequena que seja, se é justa.
Um cidadão exemplar
Óscar Lopes foi sempre uma pessoa querida, dos seus alunos, dos seus colegas, dos seus companheiros de luta, dos seus camaradas.
Enfrentava as adversidades com um sorriso de confiança e uma energia contagiante. Preso na cadeia da PIDE no Porto, à Rua do Heroísmo, passava horas de pé em cima dum banco para se aproximar de uma fraca luz e assim poder ler e estudar. A censura, durante certos períodos, proibia que o seu nome aparecesse escrito em qualquer órgão de imprensa. Não importa, inventava pseudónimos e escrevia sempre, apesar dos cortes habituais.
Por estranho que hoje possa parecer, a ditadura fascista, do alto da sua máquina repressiva, temia este professor de Liceu, a quem vedou o acesso ao ensino universitário e a que leccionasse matérias da sua formação. Apagava o seu nome onde aparecia, controlava de perto os seus passos, cerceava as actividades culturais que dinamizava. Tal não impediu a sua intensa produção como ensaísta e crítico literário, como as suas abordagens inovadoras das relações da língua com a matemática ou a ligação à música, como não conseguiu impedir a sua militância comunista, de mais de meio século.
Logo a seguir ao 25 de Abril, foi eleito por alunos e professores Director da Faculdade de Letras do Porto, onde deixou uma obra assinalável, e discípulos que continuam a recordar dele o saber e o ser.
Numa das homenagens que lhe foi prestada, Álvaro Cunhal falou do «homem que, tendo ao longo dos anos ensinado tanto, teve a superior virtude dos que muito sabem: não só ensinar como aprender. Com o estudo, com a vida, com a experiência. Inserindo desde jovem a sua inteligência, a sua reflexão, o seu saber, a sua acção como cidadão, na vida e na luta dos trabalhadores, do povo, da heróica resistência antifascista, do colectivo dos seus camaradas e do seu Partido».
Óscar Lopes recebeu as mais altas distinções, das universidades e do País, como as Ordens da Instrução Pública e da Liberdade, ou o Prémio Vida Literária, da APE, entregue pessoalmente no Porto pelo Presidente da República Jorge Sampaio. Mas nada alterava o seu modo simples de estar, aquele seu dom de ensinar como um acto de partilha.
Foi um ser humano raro, uma pessoa íntegra, um cidadão exemplar, um lutador corajoso pela liberdade, pela cultura, pelo socialismo, pelos valores de Abril.
O seu pensamento, a sua obra literária, a sua intervenção cívica, merecem revisitação e reflexão.