Ucrânia e fascismo

Inês Zuber

Esta se­mana será co­me­mo­rado, no Par­la­mento Eu­ropeu, o 70.º ani­ver­sário da li­ber­tação do campo de con­cen­tração de Aus­chwitz. Quase em si­mul­tâneo ha­verá uma dis­cussão sobre a si­tu­ação na Ucrânia. De um lado dir-se-á que nunca mais acei­ta­remos o terror fas­cista. Do outro lado, apoiar-se-á o terror fas­cista, tra­ves­tido de «tran­sição de­mo­crá­tica». A ex­pe­ri­ência en­sina-nos que a versão fal­si­fi­cada da his­tória, de tantas vezes pro­pa­lada, quase se torna ver­dade. Por isso, não é de­mais lem­brar.

O que acon­teceu em Fe­ve­reiro de 2014 na Ucrânia não foi a vi­tória das forças po­pu­lares que, com jus­tiça, rei­vin­di­cavam me­lhores con­di­ções de vida, ha­bi­tu­adas a serem go­ver­nadas por oli­gar­quias ora do Par­tido das Re­giões ora das «re­vo­lu­ções la­ranjas». O que acon­teceu foi a ar­qui­tec­tura e pro­moção, por parte dos EUA e da UE – e ma­ni­pu­lando o justo des­con­ten­ta­mento da po­pu­lação ucra­niana – de um golpe de Es­tado con­su­mado pelas «ma­ri­o­netas» mais úteis no mo­mento – os sec­tores de ex­trema-di­reita de cariz fas­cista e neo-nazi (Svo­boda e Sector de Di­reita). Esta não é uma su­po­sição. Os EUA ad­mi­tiram o fi­nan­ci­a­mento do «mo­vi­mento» com cinco mil mi­lhões de dó­lares, fi­caram também co­nhe­cidas as dis­cus­sões te­le­fó­nicas da em­bai­xada dos EUA em KIev sobre os «ca­valos» nos quais apostar e a in­di­fe­rença de Cathe­rine Ahton, vice-pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, ao ser aler­tada pelo então mi­nistro es­tónio dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros para o facto de que havia fortes evi­dên­cias de que os dis­paros de franco-ati­ra­dores sobre Maidan não pro­vi­nham de forças go­ver­na­men­tais mas de forças do «mo­vi­mento» apoiado e pro­mo­vido pelos EUA e UE.

É im­por­tante também não es­quecer que os EUA e a UE apenas co­me­çaram a di­a­bo­lizar o de­posto pre­si­dente ucra­niano Ia­nu­ko­vitch quando este se re­cusou a as­sinar o acordo de As­so­ci­ação entre a Ucrânia e a UE (vulgo Tra­tado de Livre Co­mércio) e «ousou» pedir ajuda fi­nan­ceira à Rússia. Não foram as as­pi­ra­ções à me­lhoria das con­di­ções eco­nó­micas e so­ciais do povo ucra­niano que «co­mo­veram» e mo­vi­men­taram EUA e UE. Foi antes o in­te­resse destes em as­sinar acordos com a Ucrânia – como, aliás, o fi­zeram ime­di­a­ta­mente após o golpe de Es­tado – que amarram a Ucrânia a me­ca­nismos de de­pen­dência eco­nó­mica e po­lí­tica, tal qual as troikas in­ternas à UE, im­pondo cortes sa­la­riais, cortes em di­reitos so­ciais, ali­e­nação de re­cursos na­tu­rais e do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal, pri­va­ti­zação de im­por­tantes sec­tores pú­blicos, a cri­ação de uma zona de co­mércio livre na qual a Ucrânia está em con­di­ções al­ta­mente des­van­ta­josas. Ainda há dias Juncker anun­ciou uma «ajuda» adi­ci­onal de 1,8 mil mi­lhões de euros a Kiev, que terá como con­tra­par­tida o es­bulho das suas ri­quezas.

O que hoje está em curso é a fas­ci­zação do Es­tado da Ucrânia. Os par­tidos fas­cistas, ul­tra­na­ci­o­na­listas e de ex­trema-di­reita con­trolam mi­lí­cias pri­vadas que es­pa­lham o terror, a re­pressão e a vi­o­lência – in­clu­sive através de as­sas­si­natos – entre todos aqueles que de­sa­fiam as au­to­ri­dades de Kiev, e con­trolam po­si­ções-chave nos ser­viços po­li­ciais e nos ser­viços se­cretos. O Par­tido Co­mu­nista da Ucrânia está sob a ameaça de ser ile­ga­li­zado, num pro­cesso ju­di­cial que se ini­ciou em plena cam­panha elei­toral para as elei­ções de Ou­tubro pas­sado, as quais a OSCE con­si­derou terem de­cor­rido de forma po­si­tiva. Há poucas se­manas en­trou um pro­jecto de lei no Par­la­mento Ucra­niano que pre­tende cri­mi­na­lizar e ile­ga­lizar a ide­o­logia e sím­bolos co­mu­nistas. A po­pu­lação do Don­bass e os pa­tri­otas ucra­ni­anos que re­sistem à fas­ci­zação da Ucrânia – vul­gar­mente co­nhe­cidos nos media do­mi­nantes por «ter­ro­ristas pró-russos», no­men­cla­tura que os EUA e a UE acom­pa­nham – estão a ser alvo de uma guerra ge­no­cida.

O que está em causa com a si­tu­ação ucra­niana é a con­so­li­dação do pro­jecto de cerco à Rússia que a NATO tem vindo a co­locar em prá­tica e so­bre­tudo, nos úl­timos tempos, com a cres­cente des­lo­cação de meios e efec­tivos mi­li­tares da NATO para a Eu­ropa de Leste. O do­mínio po­lí­tico, eco­nó­mico e mi­litar da Ucrânia visa a uti­li­zação deste país na es­tra­tégia de tensão e con­fronto aberto com a Rússia, a qual com­porta enormes po­ten­ciais pe­rigos de se­gu­rança a nível mun­dial.

Por úl­timo, é evi­dente que apenas uma so­lução po­lí­tica po­derá co­locar fim à crise ucra­niana. Mas para ga­rantir a paz, a so­be­rania, a de­mo­cracia e o pro­gresso so­cial na Ucrânia é ne­ces­sário que o diá­logo se re­a­lize di­rec­ta­mente entre as duas partes em con­flito, re­co­nhe­cendo o es­ta­tuto de parte be­li­ge­rante e o di­reito de re­sis­tência às forças do Don­bass que lutam contra a fas­ci­zação do país através de um golpe de Es­tado. É ne­ces­sário que esse pro­cesso de diá­logo se centre nas rei­vin­di­ca­ções eco­nó­micas e so­ciais das po­pu­la­ções. Sem estas con­di­ções, não ha­verá paz mas apenas im­po­sição.




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