A Revolução portuguesa, inacabada é certo, foi uma revolução democrática, profundamente popular, antimonopolista, antilatifundista e anti-imperialista que o PCP definiu e a prática confirmou, como uma «Revolução Democrática e Nacional».
O PCP sempre afirmou que a defesa e consolidação da própria liberdade e a resolução dos mais urgentes problemas do País, do fim das guerras coloniais à melhoria das condições de vida do povo, não exigia apenas uma mudança de regime político – da «ditadura terrorista dos monopólios (associados ao imperialismo) e dos latifundiários» para um regime respeitador das mais amplas liberdades e direitos democráticos –, exigia também transformações económico-sociais profundas que criariam em Portugal uma sociedade, que mesmo ainda não socialista, seria profundamente diferente das existentes nos países capitalistas da Europa.
As campanhas anticomunistas que tão clara e firme posição suscitou foram particularmente violentas e tiveram grande expressão internacional. Mesmo no movimento comunista houve quem criticasse publicamente o nosso Partido («eurocomunismo»). Mas o Partido não vacilou. E os factos confirmaram que essa posição do PCP correspondia a uma exigência fundamental da situação concreta do nosso País. Basta ver que, na sua versão original, a Constituição da República Portuguesa configura um ordenamento institucional e uma estrutura económica e social que se diferencia profundamente do «modelo» de capitalismo monopolista de Estado prevalecente na Europa Ocidental que, aliás, a revolução portuguesa já destruíra.
Não era, porém, isso que queriam outras forças políticas. O PS de Mário Soares, logo que considerou a correlação de forças favorável, desencadeou uma contra-ofensiva de recuperação capitalista, de reconstituição do poder dos monopólios e do imperialismo que já dura há 38 anos. Para «salvar a democracia» daquilo que afirmava ser um «golpe comunista», não hesitou em aliar-se com a reacção interna e com os imperialismos, norte-americano e europeu, com o objectivo de criar obstáculos externos suplementares ao processo revolucionário. A entrada de Portugal para a CEE, ulteriormente União Europeia, insere-se na estratégia contra-revolucionária que PS, PSD e CDS puseram em prática contra o sentir e a vontade do povo português e o disposto na Constituição.
Coragem e determinação
A ruptura com 38 anos de política de direita que o PCP preconiza como condição de uma alternativa patriótica e de esquerda exige, pois, a ruptura com as políticas de submissão de Portugal ao imperialismo e, em particular, a ruptura com 28 anos de participação no processo de integração capitalista europeu. Para ser livre, o povo português tem necessariamente de rejeitar a submissão às imposições do euro e da UE recuperando para o País a sua soberania económica, orçamental e monetária.
Tal como a Revolução de Abril foi uma revolução «nacional», uma revolução patriótica, também a alternativa à desastrosa situação actual tem necessariamente de o ser. Um Portugal com futuro é incompatível com a adaptação, ainda por cima na condição de País dependente e subalterno, ao «modelo» capitalista prevalecente na Europa. Portugal não pode conformar-se com imposições externas venham elas da UE, do FMI ou de qualquer outro centro imperialista, tem sim de recusá-las, procurar aliados nessa luta, e situar-se de modo independente no quadro da divisão internacional do trabalho.
A ruptura que se impõe não será certamente um acto súbito mas um processo complexo passando por batalhas intermédias e objectivos concretos e imediatos. Mas não deve haver qualquer confusão entre propostas que, como as do PCP, se situam numa dinâmica de ruptura com um bloco imperialista que se considera irreformável e com um sistema capitalista que exige a sua superação revolucionária, e posições que na sua essência apenas visam «moralizar» e «corrigir os excessos» do capitalismo e afirmam a sua profissão de fé «europeísta», como no caso, tão mediatizado, do Syriza na Grécia. Entre ruptura e adaptação vai a distância que separa uma consequente posição de esquerda, revolucionária, de uma qualquer variante reformista de keynesianismo.
Portugal não tem alternativa senão enfrentar a necessária ruptura com o imperialismo com coragem e determinação. Com o apoio e a mobilização dos trabalhadores e do povo nada é impossível. Com incertezas, riscos e sacrifícios, sem dúvida. Mas não há ruptura de cadeias de opressão nem salto em frente no processo libertador que não tenha as suas dores de parto.