Já lá vão 20 anos!

A luta dos mineiros do Pejão

No dia 26 de Ja­neiro do ano em curso fez 20 anos que ter­minou o pro­cesso de luta dos mi­neiros do Pejão, Cas­telo de Paiva, contra o en­cer­ra­mento das minas, luta que pela sua ori­gi­na­li­dade me­rece ficar gra­vada com le­tras de ouro, quer na his­tória de luta do sector, quer do mo­vi­mento ope­rário e sin­dical por­tu­guês.
O pro­cesso do en­cer­ra­mento das minas co­meçou em Ou­tubro de 1990, com a de­li­be­ração do Go­verno do PSD/​Ca­vaco Silva, de 4 de Ou­tubro, de en­cerrá-las em Junho de 1994, (data en­tre­tanto adiada porque nesse mesmo mês re­a­li­zaram-se elei­ções para o Par­la­mento Eu­ropeu).

A luta dos mi­neiros do Pejão foi re­al­mente ori­ginal. A ori­gi­na­li­dade deste pro­cesso re­side no facto de se ter en­ce­tado uma luta de­pois da em­presa en­cer­rada e dos tra­ba­lha­dores terem re­ce­bido as in­dem­ni­za­ções por des­pe­di­mento

Esta de­li­be­ração do go­verno é de­ci­siva para se com­pre­ender o de­sen­vol­vi­mento pos­te­rior do pro­cesso, na me­dida em que a partir desse mo­mento e em co­e­rência com a de­cisão da ad­mi­nis­tração da em­presa/​go­verno, (tra­tava-se de uma em­presa con­tro­lada pelo Es­tado), foi adop­tada uma po­lí­tica de gestão ori­en­tada por aquela de­cisão.

Ba­niram, desde então, o in­ves­ti­mento que era ab­so­lu­ta­mente ne­ces­sário para a con­ti­nu­ação das minas.

Pro­mo­veram um pro­cesso pro­gres­sivo de re­dução de postos de tra­balho. Dos cerca de 1200 tra­ba­lha­dores que havia em 1990, apenas exis­tiam 500 à data do en­cer­ra­mento, em De­zembro de 1994. Já ti­nham sido des­truídos à volta de 700 postos de tra­balho.

Dos 500 tra­ba­lha­dores que res­tavam à data do en­cer­ra­mento, apenas não foram abran­gidos pelo pro­cesso de res­ci­sões 130 tra­ba­lha­dores es­ca­lados para as ope­ra­ções de des­mon­tagem das ins­ta­la­ções, e ainda quatro tra­ba­lha­dores que se re­cu­saram a aceitar a res­cisão vindo a fazê-lo após luta.

Em con­clusão, do ponto de vista formal, o dia 31 de De­zembro de 1994 re­pre­sentou o fim de qual­quer hi­pó­tese de de­fesa das minas. Os tra­ba­lha­dores ti­nham re­ce­bido as in­dem­ni­za­ções le­gais, acres­cidas de mais quatro meses de sa­lário.

De­pois, foi a ideia re­pe­ti­da­mente pro­pa­gan­deada, pelo go­verno do PSD/​Ca­vaco Silva, de que a partir do en­cer­ra­mento das minas vinha a bo­nança, com o de­sen­vol­vi­mento e mo­der­ni­zação do con­celho, o que levou a que desde a Câ­mara Mu­ni­cipal de Cas­telo de Paiva a quase todas as forças par­ti­dá­rias lo­cais se acei­tasse como uma fa­ta­li­dade o en­cer­ra­mento das minas.

As pró­prias or­ga­ni­za­ções dos tra­ba­lha­dores, de algum modo, dei­xaram-se ar­rastar por aquela ló­gica, ao en­vol­verem-se na dis­cussão do «Es­ta­tuto do Mi­neiro» e no re­gime de re­formas para o sector, sem que o te­nham con­se­guido até ao en­cer­ra­mento das minas.

A luta

A luta de­sen­ca­deia-se então, de forma ines­pe­rada, no dia 30 de De­zembro de 1994, quatro anos de­pois da de­cisão do go­verno, com os mi­neiros a blo­quear a en­trada das minas à equipa des­ta­cada para o des­man­te­la­mento, e com o corte da EN n.º 222, que liga Cas­telo de Paiva ao con­celho de Santa Maria da Feira, porque a Câ­mara de Cas­telo de Paiva co­meteu a ca­bala de pro­mover uma festa de inau­gu­ração do mo­nu­mento ao mi­neiro no mesmo dia do en­cer­ra­mento.

En­tre­tanto, num ple­nário geral de mi­neiros re­a­li­zado em 4 de Ja­neiro de 1995, é eleita por una­ni­mi­dade e acla­mação uma Co­missão Co­or­de­na­dora da Luta dos Mi­neiros do Pejão, para co­or­denar e di­rigir a luta, que in­cluiu os re­pre­sen­tantes da União dos Sin­di­catos de Aveiro/​CGTP-IN Jo­a­quim Al­meida e João Pe­reira.

O ple­nário aprovou igual­mente por una­ni­mi­dade e acla­mação uma re­so­lução que, como questão tác­tica, co­me­çava por de­fender:

1.º – «Lutar pelos postos de tra­balho de todos os tra­ba­lha­dores, o que passa pela rein­te­gração ime­diata dos tra­ba­lha­dores des­pe­didos e pela pror­ro­gação do prazo do en­cer­ra­mento das minas até que as me­didas e ac­ções pro­me­tidas pelo go­verno se con­cre­tizem e te­nham efeitos con­cretos».

Havia ar­gu­mentos para sus­tentar esta po­sição. A ad­mi­nis­tração da em­presa, aquando da aber­tura do Poço 2, tinha ga­ran­tido a pro­dução por 30 anos, e o Poço só es­tava a la­borar apenas há 10 anos, e o Par­la­mento Eu­ropeu, na re­so­lução B3-0182/​93, «en­tendia que só se de­veria en­cerrar uma mina quando fosse pos­sível for­necer aos mi­neiros em­prego es­tável e que a Co­mu­ni­dade devia, para tanto, fi­nan­ciar os ne­ces­sá­rios cursos de re­ci­clagem».

2.º – «Manter o blo­queio da en­trada da mina até se­gunda-feira dia 9/​1/​95, dia em que se re­a­li­zará novo ple­nário de tra­ba­lha­dores e se de­ci­dirá as formas de luta a adoptar».

Du­rante as quatro se­manas que durou o pro­cesso de luta, a Ad­mi­nis­tração da em­presa e o go­verno do PSD/​Ca­vavo Silva tudo fi­zeram para causar des­gaste, di­visão entre tra­ba­lha­dores, entre tra­ba­lha­dores e a po­pu­lação.

No dia 25 de Ja­neiro, a Co­missão de Luta, de­pois de muitas pe­ri­pé­cias, ma­no­bras de di­versão e di­visão, e de contra in­for­mação, con­se­guiu um acordo, acordo que foi apro­vado no ple­nário geral de mi­neiros que teve lugar no dia 26 de Ja­neiro.

Este ple­nário foi re­al­mente muito im­por­tante, porque da sua de­cisão de­pendia a con­so­li­dação de uma vi­tória pos­sível, ou uma der­rota total que co­lo­caria a luta a zero, ou seja, exac­ta­mente à data do en­cer­ra­mento, uma vez que a Ad­min­si­tração/​go­verno fazia de­pender o acordo do fim ao blo­queio das minas.

Por isso a Co­missão de Luta dos Mi­neiros, como res­pon­sa­vel­mente lhe com­petia, acon­se­lhou e de­fendeu a apro­vação do acordo, no que foi acom­pa­nhada pelo Sin­di­cato dos Mi­neiros, pela União dos Sin­di­catos de Aveiro, pela Fe­de­ração da Me­ta­lúrgia, pela CGTP-IN e pelo pre­si­dente da Junta de Pe­do­rido, Ma­nuel Ro­dri­gues.

Foram al­gumas as formas de luta adop­tadas du­rante o tempo que durou o con­flito: blo­queio da en­trada das minas, cortes de es­trada, ocu­pação do Poço n.º 2, ameaça de inun­dação das minas, etc.

Mas me­rece es­pe­cial des­taque pelo im­pacto po­lí­tico na­ci­onal que teve, in­clu­sive na der­rota elei­toral do PSD/​Ca­vaco Silva, há 10 anos no poder, nas elei­ções le­gis­la­tivas de 1 de Ou­tubro de 1995, a ex­tra­or­di­nária, im­pres­si­o­nante e ines­que­cível ma­ni­fes­tação dos mi­neiros re­a­li­zada em Lisboa no dia 17 de Ja­neiro de 1995, que contou com a so­li­da­ri­e­dade ac­tiva e com o apoio lo­gís­tico da Fe­de­ração da Me­ta­lúrgia, e também na­tu­ral­mente com a so­li­da­ri­e­dade da CTP-IN.

Os mi­neiros des­fi­laram do Campo das Ce­bolas até ao Mi­nis­tério da Eco­nomia, ves­tidos com fato de ma­caco, ca­pa­cete e lan­terna e a cantar a Santa Bár­bara. Foi re­al­mente uma ma­ni­fes­tação ines­que­cível, um mo­mento de rara be­leza hu­mana, que im­pres­si­onou e co­moveu o povo de Lisboa, que, de lá­grimas nos olhos, in­ces­san­te­mente aplaudia a pas­sagem dos mi­neiros. Foi uma ma­ni­fes­tação de tal gran­deza e be­leza, que só por si jus­ti­fi­caria a luta.

Os re­sul­tados da luta

A luta dos mi­neiros do Pejão foi re­al­mente ori­ginal. A ori­gi­na­li­dade deste pro­cesso re­side no facto de se ter en­ce­tado uma luta de­pois da em­presa en­cer­rada e dos tra­ba­lha­dores terem re­ce­bido as in­dem­ni­za­ções por des­pe­di­mento, e pela im­por­tan­tís­sima com­po­nente re­gi­onal das rei­vin­di­ca­ções, para aquela re­gião.

Em termos de rei­vin­di­ca­ções con­cretas, re­la­ti­va­mente ao de­sen­vol­vi­mento re­gi­onal e à ver­tente so­cial, foi ga­ran­tido:

O pro­jecto global da va­ri­ante à EN n.º 222, com a cons­trução do troço entre a Ponte do Arda/ Pe­do­rido e a Ponte do Inha, para o qual fi­caram logo de­fi­nidos pelo Mi­nis­tério do Pla­ne­a­mento os mon­tantes e origem do fi­nan­ci­a­mento;

A cons­trução do parque in­dus­trial da La­va­gueiras/ Pe­do­rido, também já com mon­tantes de­fi­nidos para o ar­ranque da pri­meira fase.

Um re­gime de re­forma a partir dos 45 anos de idade para os tra­ba­lha­dores do in­te­rior da mina e dos 50 para os do ex­te­rior;

Uma in­dem­ni­zação adi­ci­onal, equi­va­lente a um mês de sa­lário, para além da in­dem­ni­zação que ti­nham re­ce­bido em De­zembro de 1994.

Este pro­cesso de luta con­firma aquilo que muitas vezes afir­mamos: quando se luta nem sempre se ganha, mas quando não se luta perde-se sempre!

O PCP, para além de ter ma­ni­fes­tado vá­rias vezes, e por di­versas formas, a sua so­li­da­ri­e­dade ac­tiva com a luta dos mi­neiros, lutou todos os dias que durou o pro­cesso, à chuva e ao frio, com os mi­neiros.