«À espera das canções»

Nuno Gomes dos Santos

Dei-me ao tra­balho – in­grato, diga-se – de as­sistir a uma coisa a que teimam chamar fes­tival da canção. Fi-lo com ex­pec­ta­tivas re­du­zidas, para não dizer nulas, por temer, o que foi con­fir­mado, que o cer­tame se­guisse mo­delos si­mi­lares aos que, de há (de­ma­si­ados) anos a esta parte, vem as­su­mindo, com es­co­lhas de com­po­si­tores que de­pois es­co­lhem le­tristas, de­sig­nando, a pa­relha, in­tér­pretes, fe­lizes pela es­colha ou des­lum­brados por ela, sem grandes culpas no car­tório (quer-se dizer: às vezes…) da me­di­o­cri­dade pa­rola em que o fes­tival (?) se tornou.

O mal co­meça logo pelo cri­tério de se­lecção. Nin­guém ex­plica a nin­guém por que se es­co­lheu fu­lano ou si­crano, quais as ra­zões dessa es­colha ou, na in­versa, por que não foram con­vi­dados ou­tros em vez destes. Seria in­te­res­sante sa­bermos com que bases foram estes os com­po­si­tores se­lec­ci­o­nados e por que fi­caram de fora da es­colha ou­tros tantos, ou mais, com provas dadas, como, por exemplo, José Luís Ti­noco, Paulo de Car­valho, Nuno Na­za­reth Fer­nandes, João Mota Oli­veira, Sa­muel, Carlos Mendes e (muitos) ou­tros que tais.

E por que não abrir-se con­curso pú­blico, com pseu­dó­nimos e tudo para não haver es­per­tezas sa­loias, dele saindo uma dúzia de can­tigas es­co­lhidas por ma­es­tros, po­etas, gente da mú­sica, como se fazia nou­tras eras, assim apa­re­cendo novos nomes e re­a­pa­re­cendo nomes con­sa­grados, com uma pro­dução mi­ni­ma­mente de­cente? Lembro que foi assim que foram es­co­lhidas can­ções como «Des­fo­lhada», «Canção de Ma­drugar», «Tou­rada», «Ca­valo à Solta», «Ma­dru­gada» e tantas ou­tras.

Mas não. Es­colhe-se meia dúzia de amigos, ou gente que, de re­pente, está na moda, e faz-se um pro­gra­ma­zito pin­dé­rico, com muitos «bai­la­rinos», uns efei­to­zitos es­pe­ciais, uns apre­sen­ta­dores exu­be­rantes e de sor­riso ras­gado, em­bas­ba­cados, a dizer ma­ra­vi­lhas do evento e a tecer elo­gios des­pro­po­si­tados a can­tigas que: 1 – não ficam no ou­vido; 2 – têm nor­mal­mente, mú­sicas de­plo­rá­veis; 3 – têm, também nor­mal­mente, le­tras de bradar aos céus; 4 – em regra são can­tadas por in­tér­pretes de­sa­fi­nados ou vozes ina­de­quadas ao tipo de mú­sica (?) que de­fendem (?).

Cabe aqui uma res­salva para dizer que nem todos os apre­sen­ta­dores são maus (Júlio Isidro não é!), que nem todos os com­po­si­tores são me­dío­cres (o Se­bas­tião An­tunes não é), que nem todos os le­tristas são pi­rosos (o Jorge Man­gor­rinha e o Tiago Torres da Silva não são), e que nem todos os in­tér­pretes são maus (a Si­mone de Oli­veira não foi e, às vezes, ainda não é). Por isso convém dizer que a can­tiga in­ter­pre­tada pela Si­mone era muito acei­tável, que a in­ge­nui­dade do Jorge Man­gor­rinha o levou a acre­ditar que o tema «fazer pontes», que é o do Fes­tival da Eu­ro­visão deste ano, seria bem visto num fado-valsa bem in­ten­ci­o­nado e pouco mais, que Júlio Isidro pede meças aos (e às) exu­be­rantes pre­senças dos res­tantes apre­sen­ta­dores (?).

Posto isto, restam pa­la­vras que caem bem na hora do ba­lanço desta cha­teza en­fa­donha e cheia de falta de res­peito pela boa mú­sica por­tu­guesa a que chamam fes­tival RTP da canção. Pa­la­vras que es­ti­veram no cer­tame. Por exemplo: «há um mar que nos se­para»... dos bons tempos do Fes­tival da Canção.

Por mim, olhando para um fes­tival que perdeu cre­di­bi­li­dade porque de­sistiu de ser a festa que em tempos foi, resta-me con­cordar com o tí­tulo da canção de que menos des­gostei e dizer que ouvi as 12 can­tigas e, no fim, fi­quei «à es­pera das can­ções»…




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