Torcer o braço… à Venezuela

Pedro Campos

«Às vezes temos de torcer o braço de al­guns países que não fazem aquilo que nós pre­ci­samos que eles façam».

Esta ti­rada re­cente e pouco di­fun­dida pelas agên­cias de no­tí­cias in­ter­na­ci­o­nais do in­qui­lino da Casa Branca, não sendo uma re­ve­lação ex­tra­or­di­nária, é cer­ta­mente digna de re­gisto porque põe a nu, e fora de qual­quer dú­vida, as in­ten­ções im­pe­riais da po­lí­tica dos EUA. A de ontem, de hoje e também de amanhã, sempre e quando qual­quer país deste pla­neta, fe­liz­mente cada vez menos uni­polar, tiver uma po­lí­tica que não coin­cida com os in­te­resses es­po­li­a­dores das mul­ti­na­ci­o­nais de ca­pital norte-ame­ri­cano. A Ve­ne­zuela é um deles.

Es­cassos dias após esta de­cla­ração-ameaça, Ban Kin-Moon, se­cre­tário-geral das Na­ções Unidas, vem fazer um «re­forço» es­can­da­loso do dito por Obama ao afirmar que «...a so­be­rania dos es­tados não pode travar a co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal. Já é hora de ac­tuar para pre­venir con­flitos ou pro­teger a po­pu­lação». Es­tava a pensar na Ve­ne­zuela?

Al­guma coisa cheira a podre es­pe­ci­al­mente se li­garmos ambas as de­cla­ra­ções às guerras me­diá­tica e eco­nó­mica que fazem parte da es­tra­tégia da di­reita in­ter­na­ci­onal – sem o apoio do im­pe­ri­a­lismo, o fas­cismo ve­ne­zu­e­lano teria muito pouca força – para acabar com o go­verno bo­li­va­riano. Uma e outra guerra são sem quartel. Basta agarrar um jornal dos EUA, da Colômbia, do Chile ou da Es­panha – só para dar al­guns exem­plos, para ver como está afi­na­dís­sima a cam­panha cri­te­ri­o­sa­mente or­ques­trada para ma­ni­pular a ver­dade do que su­cede na Ve­ne­zuela. Isto sem contar com as de­cla­ra­ções de in­ge­rência de altos fun­ci­o­ná­rios de Washington contra Ca­racas. Só entre Ja­neiro e Fe­ve­reiro de 2015, houve mais de 67 ou seja uma média ge­ne­rosa de duas cada dia! É obra, porque como diz Di­os­dado Ca­bello, pre­si­dente do par­la­mento ve­ne­zu­e­lano, «os Es­tados Unidos já de­mons­traram na sua po­lí­tica que não brincam; ame­açam e fazem» e por isso pede ao seu povo que se «man­tenha muito em alerta e atento».

Em banho-maria

A Amé­rica La­tina, e não só, sabe per­fei­ta­mente o que é «torcer o braço», e que isso se pode fazer de di­fe­rentes ma­neiras. Pode ser da forma mais brutal e san­gui­nária (Chile), ou ao es­tilo Ze­laya (Hon­duras) ou mesmo ao jeito Lugo (Pa­ra­guai), que foi de garra tão ave­lu­dada que até foi de­fi­nido, por quem o apoiava, como «golpe ins­ti­tu­ci­onal». Na Ve­ne­zuela, ao me­lhor es­tilo de Sharp Gene, autor da fa­mosa «te­oria da re­sis­tência não vi­o­lenta», que é outra ver­tente dos mé­todos da CIA e que quando chega a hora da ver­dade não va­cila em uti­lizar a bru­ta­li­dade, está em de­sen­vol­vi­mento – mais cor­recto seria dizer «con­tinua» – um golpe suave, em banho-maria, em câ­mara lenta ou como se lhe queira chamar.

O mi­litar gol­pista No­guera Fi­gueroa, ca­pitão da força aérea apa­ren­te­mente na clan­des­ti­ni­dade, con­firmou em de­cla­ração à CNN – este canal de TV sempre apa­rece nestes mo­mentos de as­saltos do im­pe­ri­a­lismo – a exis­tência do vídeo apre­sen­tado pelo pre­si­dente Ma­duro, onde se de­nuncia a ver­tente mi­litar da cons­pi­ração. Con­tudo, para ele aquilo é ab­so­lu­ta­mente pa­ci­fista. O «ho­men­zinho» afirma que se trata de um vídeo ins­ti­tu­ci­onal e que só queria pedir a re­núncia de Ma­duro, es­que­cendo que a Ve­ne­zuela é um dos poucos países do mundo de­mo­crá­tico onde a opo­sição pode con­vocar um re­fe­rendo re­vo­ga­tório a meio do man­dado pre­si­den­cial.

Neste mo­mento já se sabe quem é o in­ves­tidor que está por de­trás do golpe. Trata-se de Osuna Sa­raco – nome de có­digo «Gui­lherme» e também «Mi­guel» – que pelo Skype ditou o dis­curso que de­ve­riam ler os cons­pi­ra­dores. Quem en­tregou o do­cu­mento aos gol­pistas foi uma fun­ci­o­nária da em­bai­xada de Washington em Ca­racas, e o mesmo foi re­ce­bido por um ofi­cial de ape­lido An­tich. Fi­nal­mente chegou ao co­nhe­ci­mento das au­to­ri­dades graças à in­ter­venção de um mi­litar bo­li­va­riano que soube opor­tu­na­mente da cons­pi­ração. A trans­missão do vídeo es­taria ao cui­dado de um canal ve­ne­zu­e­lano (Te­leven) e es­tava ar­ti­cu­lado com o con­teúdo do «Acordo de Tran­sição», do­cu­mento gol­pista as­si­nado por Co­rina Ma­chado, Le­o­poldo López e An­tonio Le­dezma. Os dois úl­timos estão presos.

 



Mais artigos de: Internacional

Apelo ao golpe e à ditadura

A pre­texto do com­bate à cor­rupção, a di­reita bra­si­leira, ar­ras­tando in­cautos des­con­tentes com pro­blemas reais, saiu à rua no do­mingo, 15, e apelou im­pe­a­ch­ment da pre­si­dente Dilma, ao golpe mi­litar e ao re­gresso da di­ta­dura.

Jogos de guerra

A par da cres­cente re­pressão e per­se­guição in­terna a co­mu­nistas e ou­tros de­mo­cratas, Kiev pa­rece estar a apro­veitar o cessar-fogo – que está a ser cum­prido – para re­forçar as suas tropas com o apoio dos EUA.

Venezuela

No dia 9 de Março, Barack Obama accionou o estatuto que lhe permite declarar a Venezuela «uma ameaça contra a segurança nacional» dos Estados Unidos, previsto para os casos em que exista «uma extraordinária e invulgar ameaça à segurança nacional e...

O capitalismo no país<br>das maravilhas

Num ano em que a cidade de Nova Iorque enfrenta o frio mais inclemente de várias décadas, o número de «sem-abrigo» na Grande Maçã também bateu o maior recorde de todos os tempos: 60 000 pessoas sem casa, metade das quais são...