Delenda est

Henrique Custódio

Catão o Velho, Cônsul e Censor na Re­pú­blica Ro­mana, de­dicou a partir de 147 a.C. os úl­timos anos da sua vida a pro­mover a des­truição de Car­tago, a po­tência me­di­ter­râ­nica rival de Roma, fi­na­li­zando todos os dis­cursos com a frase Ce­terum censeo Cartha­ginem esse de­lendam «Além disso, opino que Car­tago deve ser des­truída» (a frase fi­caria plas­mada na fór­mula li­te­rária «De­lenda est Carthago» – «Car­tago deve ser des­truída»), que lhe valeu a ce­le­bri­dade da frase, do con­ceito e a de­cla­ração de guerra efec­tiva a Car­tago, des­truída «sem ficar pedra sobre pedra» na «Ter­ceira Guerra Pú­nica».

O con­ceito desta frase de Catão é im­pe­ri­a­lista e aponta, em re­lação «ao ini­migo», a sua des­truição total e sem con­ver­sa­ções de qual­quer es­pécie, fi­lo­sofia ex­pan­si­o­nista em que se ali­cerçou o Im­pério sé­culo e meio de­pois, por es­tranha ironia para com o feroz con­ser­va­do­rismo re­pu­bli­cano e rural do se­vero Censor.

Em Por­tugal, a mai­oria do povo há muito que anda a gritar o seu «de­lenda est» ao Go­verno.

Nestes quatro anos de chan­ce­laria Passos/​Portas ti­vemos de tudo, em ma­téria de abuso. Aliás, a tra­dição do abuso do poder é an­tiga e cres­cente, cul­mi­nando em Só­crates e Passos/​Portas – os go­vernos que, já sem pudor, abu­saram aber­ta­mente das mai­o­rias de­mo­crá­ticas ob­tidas em elei­ções, para go­vernar em re­gisto ab­so­luto. Foi assim com Só­crates e os «Pec», con­ti­nuou assim a co­li­gação PSD/​CDS, mas num pa­tamar da po­lí­tica de di­reita que ou­saria afrontar os fun­da­mentos do pró­prio Por­tugal de Abril.

Esse «novo tempo», a que Co­elho, ig­no­ran­te­mente, bap­tizou de «novo pa­ra­digma», «quis ir além da troika» e, a co­berto da dita, de­sen­ca­deou uma po­lí­tica sempre para além dos li­mites cons­ti­tu­ci­o­nais, afron­tando por mé­todo o TC e o re­gime de­mo­crá­tico cons­ti­tu­ci­onal e, ao longo de quatro anos, como que es­pa­lhou a peste e a fome no ter­ri­tório por­tu­guês, es­ti­o­lando tudo à volta, so­bre­tudo em ma­téria dos di­reitos so­ciais dos por­tu­gueses.

O des­cré­dito deste Go­verno é in­des­cri­tível e já chegou ao ex­tremo de ne­nhum dos seus mem­bros as­sumir qual­quer res­pon­sa­bi­li­dade po­lí­tica pelos atro­pelos go­ver­na­tivos com que são con­fron­tados já di­a­ri­a­mente. Os casos su­cedem-se, ina­cre­di­tá­veis, seja com a mi­nistra da Jus­tiça a «re­formar» com o caos in­for­má­tico, ad­mi­nis­tra­tivo e das es­tru­turas ju­di­ciá­rias sem as­sumir um pingo de res­pon­sa­bi­li­dade, idem para o mi­nistro da Saúde ou o des­con­chavo do En­sino tor­pe­deado por Crato ou ainda a mi­nistra das Fi­nanças, que con­tinua a pairar no éter sem nada dizer dos es­cân­dalos das «listas VIP» ou dos acessos in­dis­cri­mi­nados aos dados fis­cais dos ci­da­dãos.

Dá ideia que se as­sumem inim­pu­tá­veis de cam­bu­lhada com o PR, que, pelos vistos, optou por ser «Pre­si­dente do Go­verno».

Mas no go­verno nunca há «inim­pu­tá­veis». Hão-de ve­ri­ficá-lo amar­ga­mente nas pró­ximas elei­ções, quando os por­tu­gueses fi­zerem ouvir o seu «de­lenda est».

 



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