Sem freio nos dentes

Jorge Cordeiro

Espíritos mais desprevenidos terão recebido, com um misto de surpresa e perplexidade as declarações de Manuel Valls, primeiro-ministro socialista de França. A propósito da situação de Portugal afirmou que «economia está a crescer e as finanças públicas melhoraram» sublinhando que o nosso País beneficia agora da «confiança dos investidores». Em defesa dos que se preparam para zurzir na debilidade de tais espíritos invoque-se aqui razões, por si só bastantes, para esse sentimento errante que os terá deixado entre a surpresa e a perplexidade. Se aos que ouvindo Valls lhes veio à memória a conversa fiada de Passos e Portas sobre os sucessos governativos e os milagres económicos, outros houve que, ao som das palavras de Valls, as tomaram por aquelas que António Costa havia proferido perante investidores chineses sobre a miraculosa evolução operada no País nos últimos quatro anos. O choque que esta pequena, mas não pouco esclarecedora, confusão poderá ter gerado tornou menos notada uma não menos elucidativa confissão de proximidade entre socialistas, de cá e de lá, unidos por muito mais do que a expressão de Valls «somos amigos e socialistas». É que embebidos no hercúleo esforço de criarem elementos distintivos entre governações «socialistas» e «liberais», irmanados no louvável mas impossível exercício de se demarcarem pela esquerda de outras governações europeias – Valls e Costa, à falta de melhor, lá se agarraram à ideia de que, por terras de França, austeridade seria coisa ausente. Tivesse a divina providência permitido que da boca de Valls mais nada se tivesse ouvido e as cores socialistas em boa ordem se teriam retirado de tão estafante exercício. Assim o destino não quis. E ficámos a saber pela boca da criatura de fora, tida como exemplo e amostra governativa pelo homólogo partidário de dentro, o cardápio de medidas para pôr em marcha as «reformas estruturais» que a União Europeia e as determinações do capital transnacional reclamam. Simplificação de despedimentos, trabalho aos domingos, venda de empresas públicas, revisão de regras de contratação são só parte do que o governo de Valls tem em marcha destinado a, segundo palavras do próprio, «tirar todos os freios e obstáculos à competitividade das empresas».




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