Os «proto»

Henrique Custódio

Cavaco Silva foi à Noruega inventar uma nova sereia, copiando o dinamarquês Hans Christien Andersen (quem não sabe que Os Lusíadas têm X Cantos, também pode arrematar a Noruega e a Dinamarca na zona da «gente nórdica»).

Mas merece transcrição, a «sereia» criada pelo actual PR na ilha de Bekkjarvik, na Noruega. Disse ele que «Portugal é per capita um dos maiores consumidores de peixe do mundo, mas, no entanto, nós temos de importar mais de metade do peixe que consumimos. Por isso nós temos de apostar outra vez no desenvolvimento da aquacultura».

É o homem que «nunca se engana e raramente tem dúvidas» em seu esplendor. E tem razão, quando diz que Portugal é per capita um dos maiores consumidores de peixe do mundo (há muito que é o segundo, logo a seguir ao Japão), mas omite que, quando o seu Governo destruiu a frota pesqueira portuguesa, pagando generosamente aos privados o abate de embarcações com dinheiro da então CEE (pois claro), o nosso País pescava 80 por cento do peixe que consumia, importando apenas 20 por cento. Hoje, passados cerca de 20 anos, importamos 75 por cento e pescamos 25 por cento do peixe que continuamos a consumir abundantemente.

Entretanto, Cavaco Silva também protagonizou (com outros PM do PS ou do PSD, o que não é desculpa para nenhum) a entrega da nossa zona marítima exclusiva – a maior do mundo – ao controle férreo da União Europeia – que consentiu novas potências pesqueiras, como a Espanha, para pescarem nas águas portuguesas e exportarem... para Portugal –, o que leva o agora inefável Presidente Cavaco a propor que «temos de apostar outra vez»... na aquacultura.

Portanto, o povo responsável pela maior zona marítima exclusiva tem de se virar «para a aquacultura», se quiser arranjar peixe para consumir.

Isto diz tudo, desta gente que tem efectivamente desmantelado as estruturas produtivas do País com a eterna subserviência aos interesses do grande capital, através da governação de direita que praticam de há 39 anos para cá.

É um facto político central.

O pretenso «assalto final» ao regime democrático construído com a Revolução de Abril tem sido levado a cabo pelo Executivo de Passos e Portas, ambos reaccionários de raiz que, sendo distintas e sobranceiras entre si (as raízes), confluem no «apelo da Raça» para varrer de vez os resquícios «da Abrilada». Cegos pelo reaccionarismo, não se apercebem que houve, efectivamente, uma Revolução em 25 de Abril de 1974 a varrer para sempre as relações económicas e sociais do fascismo e, em 40 anos, a permitir ao povo português autonomizar-se das dependências brutais, impostas a medo e à força pela máquina repressiva do salazarismo.

Apostam agora – sobretudo Passos – na maquinaria eleitoral burguesa, fiados na premissa de que «o povo» se esquece, é conservador e acorre às promessas finais.

Mas 48 anos de fascismo não se esquecem. Nem quatro anos de protofascismo.




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