A UE e o ataque aos serviços públicos
Os serviços públicos representam um elemento essencial da nossa democracia. Neste sentido, a luta pela sua defesa, que decorre do facto de os mesmos estarem constantemente a ser atacados e postos em causa, encontra-se de forma recorrente no centro da nossa agenda política. Os serviços públicos estão presentes na Constituição da República Portuguesa, de forma explícita e implícita, desde logo no artigo 9.º que preconiza as tarefas fundamentais do Estado. O falso debate sobre o perímetro destes serviços, que procura criar um gradiente que vai da esquerda à direita e onde cada partido se posiciona, representa a mais perigosa das armadilhas através da qual se procura diferenciar os irmãos siameses que partilham a governação há 39 anos. A realidade demonstra que, uns e outros, com uma retórica mais ou menos liberal, são corresponsáveis pela amputação de amplas parcelas dos serviços públicos nas suas diversas áreas, desde a Saúde à Educação, passando pela Segurança Social.
As funções do serviço público são usualmente divididas em quatro áreas-chave. A primeira diz respeito à manutenção da ordem e a regulação (incluindo a Defesa Nacional, a Justiça, a protecção civil, as ordens profissionais, etc.). A segunda área-chave tem por objectivo a protecção social e sanitária e engloba, basicamente a Saúde e Segurança Social. A terceira abarca a educação e cultura e a quarta toda a área económica. A realização concreta do serviço público assenta por sua vez em três princípios: a continuidade, a igualdade de acesso e a adequabilidade. Desta forma, o serviço público acompanha a existência do próprio Estado, o seu acesso deve ser universal e cabe ao governo assegurar que a sua prestação seja adequada às necessidades bem como à evolução científica e tecnológica.
Os tratados da União Europeia, com a sua matriz profundamente liberal, privilegiam em todos os domínios o princípio da «livre» concorrência. No vocabulário europeu, a palavra serviço público deixou pura e simplesmente de existir, sendo substituída pelas noções de «serviços de interesse geral» e «serviços de interesse económico geral». Estes serviços de interesse geral são, na terminologia europeia, «serviços mercantis e não mercantis que os estados consideram como de interesse geral e cuja prestação deve ser garantida em determinados níveis». É a partir desta visão profundamente restritiva que têm sido aprovadas um conjunto de directivas que puseram fim à existência de vários monopólios públicos em áreas-chave, como sejam as telecomunicações, os transportes, a energia, correios, água e saneamento ou a saúde.
É assim de forma insidiosa, discreta, procurando fugir ao debate público, que a União Europeia tem vindo a impor a liberalização dos monopólios públicos, induzindo o seu desmantelamento e a sua privatização. Perdem os trabalhadores, as populações na razão inversa dos ganhos dos grandes grupos económicos que vão consolidando as suas posições em áreas-chave para o bem-estar das populações.
A directiva 2014/23/UE
A aprovação recente da directiva 2014/23/UE, que elimina na prática a possibilidade das empresas públicas (total ou parcial) de participar nos concursos para todo o tipo de concessões, desde barragens a auto-estradas, representa mais um passo na consolidação do poder das grandes empresas transatlânticas multinacionais que mandam de facto nesta União Europeia. As negociações do tratado transatlântico com os Estados Unidos, que visa a criação de um enorme mercado único de serviços, incluindo naturalmente os serviços públicos, representam outra ameaça que nos mobiliza a todos, dentro e fora do Parlamento Europeu.
Foi por isto, em defesa dos serviços públicos, que os deputados do PCP no Parlamento Europeu estiveram esta semana nos distritos de Faro, Beja e Évora numas jornadas dedicadas aos serviços públicos. Durante dois dias vimos a expressão concreta do que tem sido a política de saque às funções sociais do Estado, com o ataque à dignidade dos trabalhadores da Administração Pública e à criação de todo o tipo de constrangimentos ao bom funcionamento dos serviços. Procura-se assim degradar a capacidade de resposta destes serviços e criar um clima propício ao seu encerramento. Mas vimos igualmente a indignação e o protesto das populações, com as organizações locais do Partido e seus eleitos na vanguarda da luta, que impediu em muitos casos a morte de diversos serviços fundamentais. A articulação da luta de massas com o trabalho institucional do PCP, seja nas autarquias locais, na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu, representa um eixo fundamental da concretização da política patriótica e de esquerda que propomos ao País e que representa igualmente uma fonte de esperança e de confiança para muitos portugueses. A luta continua!