Fuga para a frente

Filipe Diniz

Foi di­vul­gado o re­la­tório «Com­pletar a união eco­nó­mica e mo­ne­tária da Eu­ropa», dito «dos 5 pre­si­dentes», subs­crito pelos pre­si­dentes da Co­missão Eu­ro­peia, da Ci­meira Euro, do Eu­ro­grupo, do BCE e do PE. A fina flor. Com­pletar a UEM, diz, «é um meio para criar uma vida me­lhor e mais justa para todos os ci­da­dãos, para pre­parar a UE para de­sa­fios glo­bais fu­turos e para per­mitir que cada um dos seus mem­bros pros­pere». Lembra a afir­mação de Álvaro Cu­nhal: «o ca­pi­ta­lismo cria a sua pró­pria utopia».

E vai por aí fora: «o euro é uma moeda es­tável e de su­cesso», que «pro­por­ci­onou aos seus mem­bros es­ta­bi­li­dade nos preços» (eu­fe­mismo com que re­ferem uma si­tu­ação pró­xima da de­flação) «e os pro­tegeu da ins­ta­bi­li­dade ex­terna». Há, re­co­nhecem, as­pectos ne­ga­tivos, «re­sul­tantes da ne­ces­si­dade de fazer frente a uma crise que veio de fora». Por exemplo a po­breza e o de­sem­prego de longa du­ração, que o re­la­tório oculta par­ci­al­mente: men­ciona apenas os 18 mi­lhões de de­sem­pre­gados na zona euro, omi­tindo os 23,8 to­tais da UE28, como se a sua si­tu­ação não ti­vesse a ver com as mesmas causas e as mesmas po­lí­ticas.

Pa­rece que a pa­lavra fe­de­ra­lismo de­sa­pa­receu do vo­ca­bu­lário destes «eu­ro­peístas». A pa­lavra agora é «união»: união eco­nó­mica, união fi­nan­ceira, união fiscal, união po­lí­tica. Com a con­se­quente ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação de novas au­to­ri­dades «eu­ro­peias» cujas de­ci­sões e ori­en­ta­ções pre­va­lecem sobre as de cada Es­tado, dos «ac­tores» e par­ceiros so­ciais na­ci­o­nais. Um Con­selho Fiscal eu­ropeu tra­taria de impor re­gras fis­cais co­muns. Mas tais re­gras (aqui, por uma vez, o re­la­tório é claro) nem devem «con­duzir a trans­fe­rên­cias per­ma­nentes entre países ou trans­fe­rên­cias num só sen­tido», nem devem ser «con­ce­bidas como uma via para igua­lizar ren­di­mentos entre os Es­tados mem­bros». Pois não. Por­tugal é tes­te­munho de que este pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu conduz não à con­ver­gência, mas à di­ver­gência, à su­bal­ter­ni­zação, à pe­ri­fe­ri­zação, à hi­po­teca da so­be­rania.

Esta si­tu­ação não é apenas o re­sul­tado mas igual­mente a con­dição dessa in­te­gração. Não uma união entre países so­be­ranos e iguais mas uma es­tru­tura pro­fun­da­mente cen­tra­li­zada de eco­no­mias do­mi­nantes e de países do­mi­nados, co­man­dada pelo grande ca­pital eu­ropeu e trans­na­ci­onal.

Não tem re­forma pos­sível.




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