Prisão de povos

Jorge Cadima

Os acon­te­ci­mentos dos úl­timos dias mos­tram à sa­ci­e­dade que a UE/​Euro é in­com­pa­tível com a de­mo­cracia, a so­be­rania e o bem-estar dos povos. É uma di­ta­dura ao ser­viço do grande ca­pital fi­nan­ceiro e uma au­tên­tica prisão de povos. Como o PCP tem afir­mado, esta UE não é re­for­mável. Apenas sobre os seus es­com­bros po­derá haver fu­turo para os povos.

Os em­prés­timos ao abrigo dos pro­gramas das troikas são obra de agentes do grande ca­pital fi­nan­ceiro (como o pre­si­dente do BCE, Draghi, homem da Goldman Sachs) para be­ne­fício do grande ca­pital fi­nan­ceiro. A banca pri­vada era cre­dora de boa parte da dí­vida grega em 2010 e pros­pe­rava com os res­pec­tivos juros, mas de­cidiu pôr-se a salvo quando a crise es­toirou. Tal como cá, o di­nheiro das troikas nem en­trou na Grécia: foi parar di­rec­ta­mente aos cre­dores – o ca­pital fi­nan­ceiro pa­ra­si­tário – trans­fe­rindo as dí­vidas para o BCE, o FMI e os bancos cen­trais na­ci­o­nais. A «ajuda» foi para a banca. Para os povos fi­caram as dí­vidas pú­blicas, que ex­plo­diram nos anos das troikas. São im­pa­gá­veis, mas servem de pre­texto para levar os povos à mi­séria, au­mentar a ex­plo­ração e impôr re­la­ções de tipo co­lo­nial aos países en­di­vi­dados.

As tão ba­da­ladas «obri­ga­ções dos de­ve­dores» são à la carte. O prin­cipal jornal do grande ca­pital in­glês, o Fi­nan­cial Times, de­dica um edi­to­rial (11.6.15) a outro país eu­ropeu que está na fa­lência: a Ucrânia. Ti­tula o FT: «Os cre­dores da Ucrânia têm de par­ti­lhar a dor do país» e «têm de aceitar um haircut [perdão de dí­vida]». In­forma que há um «pa­cote de apoios in­ter­na­ci­onal [...] que ad­mite a re­es­tru­tu­ração da dí­vida e cor­tará os juros a pagar em 15,3 mil mi­lhões de dó­lares nos pró­ximos quatro anos» para que «sejam ge­rí­veis em re­lação à pro­dução eco­nó­mica» do país. Acres­centa que há cre­dores pri­vados que «re­sistem a um perdão da dí­vida», mas sen­tencia: «terão de ceder. Têm uma obri­gação moral em con­cordar com a re­es­tru­tu­ração que per­mi­tirá re­duzir a dí­vida para ní­veis sus­ten­tá­veis». E de­fende «a uti­li­zação de me­ca­nismos de in­de­xação ao PIB», so­lução que con­si­dera «a me­lhor para todas as partes», até porque «a His­tória mostra que, mesmo após um in­cum­pri­mento [de­fault], os in­ves­ti­dores pri­vados re­gressam ra­pi­da­mente quando a eco­nomia re­co­meça a crescer». Re­mata o FT: «em ma­té­rias de tal im­por­tância ge­o­po­lí­tica, não se pode per­mitir que os in­te­resses fi­nan­ceiros pri­vados ditem as po­lí­ticas pú­blicas». A adulta di­rec­tora do FMI, La­garde, já «as­se­gurou à Ucrânia que os fundos [do FMI] con­ti­nu­arão dis­po­ní­veis, mesmo que o país falhe nos pa­ga­mentos aos seus cre­dores pri­vados» (Deutsche Welle, 13.6.15). Esta du­pli­ci­dade gri­tante de cri­té­rios é ex­pli­cada pelo FT: a Ucrânia «tem o go­verno mais re­for­mista desde a in­de­pen­dência [...] que está a con­cre­tizar grandes cortes nos sub­sí­dios es­ta­tais». Se o com­ba­tivo povo grego tem de ser cas­ti­gado e hu­mi­lhado pela sua ou­sadia de re­sistir, já os gol­pistas e fas­cistas ucra­ni­anos, que im­põem po­lí­ticas troi­keiras do im­pe­ri­a­lismo pela vi­o­lência, o terror e a guerra, me­recem apoio e per­dões de dí­vida. Me­dite-se ainda sobre uma ter­ceira dí­vida, afas­tada destas con­si­de­ra­ções po­lí­ticas. O FMI acaba de re­cusar qual­quer perdão de dí­vida ao Nepal, país de­vas­tado em Abril deste ano por um enorme ter­ra­moto que matou 8600 pes­soas e des­truiu mais de 500 mil casas. A des­truição não foi con­si­de­rada su­fi­ci­ente (catho­li­ci­re­land.net, 30.6.15).

Os acon­te­ci­mentos dos úl­timos dias são por­ta­dores de im­por­tan­tís­simos en­si­na­mentos sobre a ver­da­deira na­tu­reza da do­mi­nação de classe, do im­pe­ri­a­lismo, da União Eu­ro­peia e da so­cial-de­mo­cracia (nas suas vá­rias ex­pres­sões). A hu­mi­lhação do go­verno grego mostra que se paga caro as ilu­sões de que é pos­sível re­formar esta UE.




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