Crise política na Guiné-Bissau

Carlos Lopes Pereira

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A Guiné-Bissau enfrenta uma complexa crise política e institucional provocada pela decisão do presidente da República de demitir o primeiro-ministro e de rapidamente nomear e empossar um novo chefe do governo.

O presidente José Mário Vaz afastou, a 12 de Agosto, o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, que venceu as eleições legislativas de 2014 e que dispõe de maioria absoluta no parlamento (57 deputados num total de 102).

Oito dias mais tarde, também por decreto presidencial, foi nomeado primeiro-ministro Baciro Dja, de 42 anos, 3.º vice-presidente do partido maioritário e até há poucas semanas ministro do governo cessante, do qual se demitiu por divergências com Domingos Simões Pereira.

Ambas as medidas são contestadas pela direcção do PAIGC, que fala de um «autêntico golpe palaciano» e acusa de ilegalidade a substituição do primeiro-ministro. O bureau político do partido, reunido em Bissau, criticou «de forma veemente o caminho da inconstitucionalidade escolhido para demitir o governo constitucional», quando «existiam condições objectivas e de interesse nacional» para, por via do diálogo, se ultrapassarem as divergências entre os dois altos dirigentes estatais.

Já nesta segunda-feira, 24, para discutir a situação política, reuniu-se em sessão extraordinária a Assembleia Nacional Popular. O seu presidente, Cipriano Cassamá, anunciou no final que o parlamento vai solicitar ao Supremo Tribunal de Justiça que avalie a constitucionalidade dos decretos presidenciais. «A nós cabe-nos legislar e aos tribunais cabe o acto de julgar aquilo que as pessoas e as instituições da República interpretam como diferendos», explicou.

Citado pela agência noticiosa angolana Angop, Cipriano Cassamá considerou que os deputados deram sinais de, apesar das diferenças, serem «capazes de trabalhar em conjunto, não só na procura de soluções, mas também no desenho de compromissos conjuntos, a bem da Guiné-Bissau».

Forças Armadas
não interferiram

Na mesma sessão extraordinária, foi aprovada uma resolução em que o parlamento critica a nomeação de Baciro Dja e pede ao chefe do Estado para o exonerar e nomear um primeiro-ministro «indicado pelo PAIGC», de acordo com as normas constitucionais.

No parlamento foi também votada a criação de uma comissão eventual de inquérito, que tem agora 30 dias para averiguar a veracidade das justificações invocadas pelo presidente da República para demitir Domingos Simões Pereira.

Embora a Assembleia Nacional Popular esteja em período de férias, assistiram à sessão 83 deputados, tendo 81 votado a favor. Houve duas abstenções, de um deputado do PRS e de outro do PND, forças políticas minoritárias que integravam o governo derrubado.

A comissão foi proposta pelo PAIGC, cuja direcção tem sustentado em diferentes instâncias que as alegações de José Mário Vaz são falsas, pelo que o decreto presidencial carece de fundamento.

Composta por deputados representando todos os partidos com assento parlamentar, a comissão de inquérito vai abordar quatro aspectos alegados pelo presidente da República: delapidação dos recursos pesqueiros; crimes de corrupção, peculato e nepotismo; falta de transparência na adjudicação de contratos públicos; e aplicação de fundos em despesas não salariais.

Os debates desta sessão parlamentar não foram transmitidos pela rádio nacional guineense. A proibição da emissão foi uma das primeiras medidas do novo primeiro-ministro, que também exonerou e substituiu os directores da Rádio e da Televisão públicas, acusando os responsáveis daqueles órgãos de informação de «tratamento parcial» da actual crise política.

Crise que, se não houver entendimentos, pode agravar-se, já que Baciro Dja terá de formar um governo «de iniciativa presidencial» e submetê-lo, com um programa, ao parlamento, onde, em teoria, não deverá contar com o apoio da maioria dos deputados, a não ser que haja mudanças de posicionamento.

A boa notícia é que, até à data, as Forças Armadas guinenses não intervieram e a situação, embora tensa, mantém-se calma.

Isto, num país que conquistou em 1973 a independência numa heróica luta armada de libertação nacional contra o colonialismo português. Mas que, desde 1980, viveu um permanente clima de instabilidade, marcado por golpes militares, uma guerra civil, intervenções estrangeiras, assassinatos de dirigentes políticos, conflitos fronteiriços. À custa, é claro, da paz, do desenvolvimento e do progresso social a que o povo da Guiné-Bissau tem direito.




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